Corrupção nas Forças Armadas torna-se recorrente... nos EUA
Segundo relatório de investigação, mais de 30 bilhões de dólares foram
desviados durante a vigência das invasões e ocupações do Iraque e do
Afeganistão
Eduardo Graça
TORU YAMANAKA/AFP
Nova York - Pagamento de propina para a concessão de contratos,
pedidos de material faturados e jamais entregues, esquema de corrupção com
alcance internacional que chega, por vias indiretas, ao quintal do governo
federal dos EUA. De novembro de 2005 a setembro de 2014, o Departamento de
Justiça americano, equivalente ao Ministério da Justiça no Brasil, iniciou 237
processos de corrupção relacionados exclusivamente, para se usar o termo
imortalizado pelo presidente Dwight Eisenhower, ao complexo militar-industrial
da maior economia do planeta.
A comissão criada no Capitólio em 2008 para investigar os contratos
realizados por Washington por conta das invasões e ocupações do Iraque e do
Afeganistão estima que pelo menos 31 bilhões de dólares foram desviados em
operações fraudulentas e malversações do dinheiro público no mesmo período. Em
entrevista à agência de notícias Associated Press, a comandante da divisão
criminal da Procuradoria-Geral da República americana, Leslie Caldwell, afirmou
que os esquemas vão de pequenas quantias pagas a atravessadores no Afeganistão
a centenas de milhares de dólares lucrados por grupos privados em contratos
garantidos por meio de propina, e afirmou que a única maneira de combater o
problema é a tolerância zero com a corrupção.
Um outro diretor da Procuradoria-Geral, Jack Smith, cujo departamento é
focado no combate a casos de corrupção envolvendo políticos, afirmou à AP que
há paralelos claros entre o que acontece no mundo dos representantes eleitos
pela população e o universo militar americano. Nos EUA, os deputados federais e
estaduais disputam eleições a cada dois anos, transformando a permanência no
cargo em uma tarefa de tempo integral.
O financiamento privado de candidaturas (especialmente depois de duas
decisões da Suprema Corte, de maioria conservadora, em janeiro de 2010 e em
abril de 2014), jogaram por terra limites impostos em 1974 depois do escândalo
de Watergate e ajudaram a aumentar o poder de fogo de corporações e milionários
interessados em ajudar a eleger candidatos afinados com seus interesses. O
lobby no âmbito militar lida com uma hierarquia muito mais rígida, cujo
funcionamento pouco se alterou, de acordo com os processos citados pelos
procuradores, na Washington dominada pelos republicanos até 2008 e pelos
democratas a partir de janeiro de 2009. “Nos dois casos, o assaltado,
obviamente, é o contribuinte. Não creio que ninguém se sentirá ofendido com
essa comparação”, afirmou Smith.
Os casos de corrupção envolvendo as Forças Armadas americanas são, de
acordo com os procuradores, desgraçadamente recorrentes. No mês passado, o
capitão reformado Fabian Barrera foi condenado a três anos de confinamento
depois de levar dos cofres públicos 181 mil dólares pelo recrutamento de mais
de uma centena de cidadãos que jamais se integraram ao setor militar. O
escândalo foi um dos responsáveis pela suspensão, há dois anos, do Programa de
Assistência de Alistamento (G-RAP, na sigla em inglês), criado no governo Bush,
que previa bônus de até 7,5 mil dólares para cada novo soldado alistado para a
Guarda Nacional. Cerca de 200 oficiais e outros 1.200 civis foram implicados no
esquema.
Em outubro, um oficial e outros quatro reformados da Guarda Nacional,
incluindo um coronel, foram presos depois da descoberta de um esquema de
propina para a contratação de material de propaganda no valor de 188 milhões de
dólares. Nem o esquadrão de helicópteros que serve a Casa Branca escapou da
onda de corrupção, com dois ex-fuzileiros navais e um civil acusados de fraudar
a concorrência para a manutenção das unidades dedicadas a transportar o
presidente Barack Obama, o vice Joe Biden e suas respectivas famílias.
Há um ano, um fornecedor destacado do sistema de defesa militar
americano, o executivo Leonard Glenn Francis, do Glenn Marine Group, cuja sede
é em Singapura, foi acusado de aumentar o valor de serviços prestados à Marinha
americana em 10 milhões de dólares com a complacência de oficiais do próprio
serviço de investigação criminal da força militar. De acordo com os
procuradores, a corrupção não se deu apenas com a caixinha assegurada pelos
militares. O agradecimento foi pago com a contratação de prostitutas e viagens
em primeira classe para hotéis de luxo.
O montante desviado dos cofres públicos – em malversações realizadas
tanto no exterior quanto no núcleo da burocracia militar americana – e a
impressionante sequência de casos revelam, para a professora Laura Dickinson,
da Universidade George Washington, especializada em legislação de segurança
nacional, a falta de preparo dos EUA para monitorar a administração pública. Ao
mesmo tempo, ela afirmou à AP, há uma clara ausência de mecanismos de punição
severos o suficiente para coibir a corrupção nos mais variados setores da
administração pública.
Reproduzida com destaque esta semana nos principais órgãos de imprensa
dos EUA, a reportagem da AP também ofereceu combustível aos grupos à direita
que pregam a diminuição do tamanho do Estado. Um dos nomes que se posicionam
para a sucessão de Obama em 2016 no flanco republicano, o senador Rand Paul,
favorito da ala autodenominada "libertária" da oposição, é um dos
maiores defensores de cortes radicais no orçamento das Forças Armadas
americanas como antídoto para a diminuição da corrupção no setor. O
Departamento de Defesa informou que na última década tomou ciência da
multiplicação de casos de corrupção nas Forças Armadas mais poderosas do
planeta e investiu em mais treinamento de pessoal e no acompanhamento mais
detalhado dos contratos firmados com prestadores de serviço.
TORU YAMANAKA/AFP
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Nova York - Pagamento de propina para a concessão de contratos,
pedidos de material faturados e jamais entregues, esquema de corrupção com
alcance internacional que chega, por vias indiretas, ao quintal do governo
federal dos EUA. De novembro de 2005 a setembro de 2014, o Departamento de
Justiça americano, equivalente ao Ministério da Justiça no Brasil, iniciou 237
processos de corrupção relacionados exclusivamente, para se usar o termo
imortalizado pelo presidente Dwight Eisenhower, ao complexo militar-industrial
da maior economia do planeta.
A comissão criada no Capitólio em 2008 para investigar os contratos
realizados por Washington por conta das invasões e ocupações do Iraque e do
Afeganistão estima que pelo menos 31 bilhões de dólares foram desviados em
operações fraudulentas e malversações do dinheiro público no mesmo período. Em
entrevista à agência de notícias Associated Press, a comandante da divisão
criminal da Procuradoria-Geral da República americana, Leslie Caldwell, afirmou
que os esquemas vão de pequenas quantias pagas a atravessadores no Afeganistão
a centenas de milhares de dólares lucrados por grupos privados em contratos
garantidos por meio de propina, e afirmou que a única maneira de combater o
problema é a tolerância zero com a corrupção.
Um outro diretor da Procuradoria-Geral, Jack Smith, cujo departamento é
focado no combate a casos de corrupção envolvendo políticos, afirmou à AP que
há paralelos claros entre o que acontece no mundo dos representantes eleitos
pela população e o universo militar americano. Nos EUA, os deputados federais e
estaduais disputam eleições a cada dois anos, transformando a permanência no
cargo em uma tarefa de tempo integral.
O financiamento privado de candidaturas (especialmente depois de duas
decisões da Suprema Corte, de maioria conservadora, em janeiro de 2010 e em
abril de 2014), jogaram por terra limites impostos em 1974 depois do escândalo
de Watergate e ajudaram a aumentar o poder de fogo de corporações e milionários
interessados em ajudar a eleger candidatos afinados com seus interesses. O
lobby no âmbito militar lida com uma hierarquia muito mais rígida, cujo
funcionamento pouco se alterou, de acordo com os processos citados pelos
procuradores, na Washington dominada pelos republicanos até 2008 e pelos
democratas a partir de janeiro de 2009. “Nos dois casos, o assaltado,
obviamente, é o contribuinte. Não creio que ninguém se sentirá ofendido com
essa comparação”, afirmou Smith.
Os casos de corrupção envolvendo as Forças Armadas americanas são, de
acordo com os procuradores, desgraçadamente recorrentes. No mês passado, o
capitão reformado Fabian Barrera foi condenado a três anos de confinamento
depois de levar dos cofres públicos 181 mil dólares pelo recrutamento de mais
de uma centena de cidadãos que jamais se integraram ao setor militar. O
escândalo foi um dos responsáveis pela suspensão, há dois anos, do Programa de
Assistência de Alistamento (G-RAP, na sigla em inglês), criado no governo Bush,
que previa bônus de até 7,5 mil dólares para cada novo soldado alistado para a
Guarda Nacional. Cerca de 200 oficiais e outros 1.200 civis foram implicados no
esquema.
Em outubro, um oficial e outros quatro reformados da Guarda Nacional,
incluindo um coronel, foram presos depois da descoberta de um esquema de
propina para a contratação de material de propaganda no valor de 188 milhões de
dólares. Nem o esquadrão de helicópteros que serve a Casa Branca escapou da
onda de corrupção, com dois ex-fuzileiros navais e um civil acusados de fraudar
a concorrência para a manutenção das unidades dedicadas a transportar o
presidente Barack Obama, o vice Joe Biden e suas respectivas famílias.
Há um ano, um fornecedor destacado do sistema de defesa militar
americano, o executivo Leonard Glenn Francis, do Glenn Marine Group, cuja sede
é em Singapura, foi acusado de aumentar o valor de serviços prestados à Marinha
americana em 10 milhões de dólares com a complacência de oficiais do próprio
serviço de investigação criminal da força militar. De acordo com os
procuradores, a corrupção não se deu apenas com a caixinha assegurada pelos
militares. O agradecimento foi pago com a contratação de prostitutas e viagens
em primeira classe para hotéis de luxo.
O montante desviado dos cofres públicos – em malversações realizadas
tanto no exterior quanto no núcleo da burocracia militar americana – e a
impressionante sequência de casos revelam, para a professora Laura Dickinson,
da Universidade George Washington, especializada em legislação de segurança
nacional, a falta de preparo dos EUA para monitorar a administração pública. Ao
mesmo tempo, ela afirmou à AP, há uma clara ausência de mecanismos de punição
severos o suficiente para coibir a corrupção nos mais variados setores da
administração pública.
Reproduzida com destaque esta semana nos principais órgãos de imprensa
dos EUA, a reportagem da AP também ofereceu combustível aos grupos à direita
que pregam a diminuição do tamanho do Estado. Um dos nomes que se posicionam
para a sucessão de Obama em 2016 no flanco republicano, o senador Rand Paul,
favorito da ala autodenominada "libertária" da oposição, é um dos
maiores defensores de cortes radicais no orçamento das Forças Armadas
americanas como antídoto para a diminuição da corrupção no setor. O
Departamento de Defesa informou que na última década tomou ciência da
multiplicação de casos de corrupção nas Forças Armadas mais poderosas do
planeta e investiu em mais treinamento de pessoal e no acompanhamento mais
detalhado dos contratos firmados com prestadores de serviço.
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