Em Volta Redonda, ainda
se combate a
ditadura
Habitantes do município fluminense têm a chance de homenagear um herói e retirar nome do ditador Medici de logradouro pública...
Paulo Cezar Soares
Audiência vai decidir se a ponte Emílio Médici passará a se chamar dom Waldyr Calheiros Novaes |
.Se depender do Ministério Público Federal (MPF) de Volta Redonda, cidade no interior fluminense que sedia a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), mais um espaço público, dos milhares espalhados pelo Brasil, deixará de carregar o nome de um ditador. O Ministério Público Federal encaminhou em outubro à prefeitura e à Câmara de Vereadores local pedido de mudança na denominação de uma das principais pontes do município, batizada em 1973 de Emílio Garrastazu Médici, general identificado até a medula com as torturas e a repressão política dos 'anos de chumbo'. O procurador Júlio José Araújo Jr. sugere que um novo nome seja dado em 90 dias, por meio de discussão pública, com ampla participação da sociedade civil e baseada em normas constitucionais e legais.
Ainda em novembro, uma audiência pública será convocada para ouvir os moradores, afirma o presidente da Câmara de Vereadores, Washington Tadeu Granato Costa, do PTB. “Na audiência pública o tema vai ser debatido com integrantes da Comissão da Verdade e a população. Será feito um projeto de lei que, após votado em dois turnos, decidirá ou não pela troca.” Costa não disse se concorda com a alteração do nome da ponte. “Preciso ser imparcial.”
Se a população aprovar, sai o ditador Garrastazu Médici e entra dom Waldyr Calheiros Novaes, bispo emérito da Diocese de Volta Redonda e Barra do Piraí, morto em 2013. D. Waldyr Calheiros protegeu perseguidos pelo regime, segundo as informações prestadas por 103 testemunhas à Comissão da Verdade montada no município. Para o historiador Edgar Bedê, a mudança do nome da ponte seria um reconhecimento à luta do religioso e sua coragem na proteção aos injustiçados e perseguidos. “Ao mesmo tempo, a homenagem desqualificaria a reverência a um personagem marcadamente responsável por milhares de prisões, torturas, assassinatos e desaparecimentos no Brasil”, completa Bedê.
Professor aposentado, doutor em Educação pela Universidade Federal Fluminense, Bedê relembra dois episódios marcantes do conflito em Volta Redonda entre a Igreja e a ditadura durante o governo Médici. O primeiro foi no fim de 1970. “Na impossibilidade de prender o bispo, para não confrontar o Vaticano e criar uma crise com a Igreja Católica, os militares atacaram aqueles que o apoiavam. Prenderam 30 militantes da Juventude Operária Católica. Houve muitas torturas de prisioneiros, inclusive do padre Natanael Campos de Morais. Os militares do 1º Batalhão de Infantaria Blindada fizeram com o padre tudo aquilo que queriam fazer com dom Waldyr, e não podiam.”
O segundo episódio, prossegue o historiador, ocorreria dois anos depois, em 1972, quando os familiares de soldados mortos e desaparecidos procuraram o bispo em busca de auxílio. “Após uma ação solidária e determinada pela busca da verdade, inclusive com o apoio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, instalou-se um Inquérito Policial Militar do Alto Comando do Exército para apurar os fatos. Em meados de dezembro de 1971, no batalhão sediado em Barra Mansa, sob a justificativa de apurar o consumo e o tráfico de maconha no quartel, 15 soldados foram presos e torturados no pavilhão denominado ‘arquivo’. Quatro soldados morreram nas sessões de tortura. E ocorreu um fato inédito. Pela primeira vez a ditadura reconheceu a prática de tortura em um quartel do Exército. E condenou os torturadores. Dom Waldyr teve papel decisivo para o processo chegar ao fim e punir os responsáveis. Foi uma grande vitória contra a repressão. Tudo isso no auge da tirania do governo Médici.”
Após o fim da ditadura, o bispo manteve a sua atuação política, sempre em defesa dos perseguidos e necessitados. Entre outras, apoiou a greve dos ferroviários da CSN, em 1988, quando três trabalhadores foram mortos pelo Exército.
Se não conseguirem identificar torturadores, muito menos levá-los aos tribunais, comissões da verdade municipais como essa de Volta Redonda podem ao menos homenagear os verdadeiros heróis do País. Trocar o nome da ponte seria um sinal em favor da paz, contra a violência e a covardia. A escolha está nas mãos dos moradores da cidade.
Dom Waldyr Calheiros Novaes nasceu em Murici(AL) em 29/07/1923, e faleceu em Volta Redonda(RJ), em 30/11/2013, de cuja diocese católica – conjunta com Barra do Piraí - foi titular por 33 anos. Ficou conhecido por seu engajamento nas lutas sociais em favor dos menos favorecidos, como o movimento dos posseiros e o movimento sindical, Dom Waldyr jamais negou abrigo e apoio a todos os perseguidos políticos que buscaram sua ajuda.
Lutou desde sempre pelos direitos dos trabalhadores e de todos os segmentos oprimidos da população brasileira, estendendo seu apoio às lutas de outros povos pela liberdade e pelo fim da exploração econômica da força de trabalho.
Dom Waldyr teve atuação marcante no triste episódio do dia 9 de novembro de 1988, quando as tropas do Exército invadiram a Companhia Siderúrgica Nacional, matando três operários e deixando outros 40 feridos.
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