Nova
situação política
em curso no Brasil
A nova situação política exige uma trégua no front econômico e a concentração das melhores energias na realização das reformas democráticas...
Diogo Santos (*)
O primeiro governo Dilma deu passos significativos na construção de uma nova estratégica de desenvolvimento para o país. Tomou medidas na área da política econômica que provocou urticaria no capital financeiro e seus representantes. Reside aí o motivo do incessante ataque a área econômica do governo. Durante a campanha eleitoral, a Presidenta Dilma reafirmou seu compromisso com o emprego e a renda dos trabalhadores e não assumiu nenhum dos compromissos que o mercado financeiro tentou lhe impor. Todavia, o tema da Reforma Política foi ocupando o centro do palco da política brasileira, colocando na ordem do dia a premente necessidade e possibilidade de sua realização. A nova situação política exige uma trégua no front econômico e a concentração das melhores energias na realização das reformas democráticas.
Primeiro governo Dilma e o esboço de
uma
nova estratégia de desenvolvimento
Durante os oito anos de governo do presidente Lula o povo brasileiro, especialmente os mais pobres e os trabalhadores com baixa qualificação profissional, conquistaram políticas públicas que levaram estes setores à compreensão da dimensão transformadora das medidas adotadas. Os ganhos reais do salário mínimo, as políticas de transferência de renda, a expansão do crédito à classe trabalhadora, a política habitacional e a expansão do acesso ao ensino superior formam o coração dos avanços ocorridos de 2003 a 2010.
Sobre este alicerce e com um povo mais altivo e menos vulnerável às investidas ideológicas do bloco conservador, a Presidenta Dilma deu passos adiante. Ainda que não tenhamos uma maior clareza do caminho a ser percorrido para superarmos o modelo neoliberal, – aliás, esta clareza brota do próprio embate político - medidas de alta relevância foram tomadas pelo governo.
O BNDES que vinha aumentando seus desembolsos desde a eclosão da crise econômica internacional em 2008 manteve a trajetória e bateu novo recorde em 2013, passando a reduzir os desembolsos em 2014, sem, contudo, abandonar os altos níveis. Em 2006, os desembolsos totalizaram R$ 52,3 bilhões, em 2010 foram de R$ 168,4 bilhões, chegou a R$ 190,4 bilhões em 2013, e fecharam o primeiro semestre de 2014 em R$ 84,1 bilhões [1]. Essa política de significativa participação do BNDES no investimento total do país, é fundamental para sustentar a demanda agregada e assim diminuir os impactos da crise sobre o Brasil.
Segundo o Presidente do BNDES, Luciano Coutinho, a participação do Banco na Formação Bruta de Capital Fixo em 2010 foi de 25,6% e o desembolso no mesmo ano foi de 14,6% [2]. Um resultado que comprova a correção da política do Banco.
Para o capital financeiro, contudo, a ação do BNDES é tratada como uma deformação. Argumentam que o BNDES retira espaço do mercado de capitais.
Entretanto, o sistema bancário brasileiro tem pouca disposição de emprestar a longo prazo impedindo que projetos com maior prazo de maturação possam ser executados. Mas, o que mais incomoda o capital financeiro é que o BNDES empresta com taxa de juros bem abaixo do mercado, o que lhes retira poder de pressão sobre os empresários do setor produtivo. A taxa de juros de longo prazo do BNDES, referência básica para empréstimos, está em 5% a.a. deste inicio de 2013, enquanto a SELIC está atualmente em 11,25% a.a. Ademais, ao terem acesso aos empréstimos via BNDES, as empresas brasileiras também ficam menos expostas ao capital financeiro internacional.
A política de conteúdo local para as compras da Petrobras aprofundada no governo Dilma é igualmente um corajoso passo para impulsionar a indústria nacional. Segundo os dados do governo, os postos de trabalho na indústria naval saltaram de 8 mil em 2003 para 80 mil em 2014 e deve chegar a 100 mil em 2017 [3]. Outros benefícios desta política é o estímulo à inovação tecnológica, a qualificação de mão de obra e a formação de encadeamentos produtivos novos. Para os liberais esta política é um protecionismo que retira competitividade da indústria brasileira por não ser exposta à competição internacional. Entretanto, o resulto é o inverso. O Brasil passará a competir internacionalmente em novos setores como a própria indústria naval. A experiência brasileira da década de 1990 de abertura comercial indiscriminada demonstra que o argumento liberal não se sustenta, uma vez que a indústria brasileira se enfraqueceu no período [4].
O programa de regulação do mercado cambial iniciada pelo BC em meados de 2013 e ainda em vigor também toca fundo nos interesses do capital financeiro. O programa tem o objetivo de diminuir a volatilidade da taxa câmbio, o que contribui por um lado para um melhor controle da taxa de inflação e por outro favorece a previsibilidade do valor da moeda local para os exportadores. Tão importante quanto uma taxa de câmbio de “equilíbrio industrial”5, é a sua manutenção neste patamar para que o setor produtivo possa contar com o tempo necessário para responder produzindo mais para exportar. Este também é o mecanismo, dada a atual correlação de forças, que permite ao país enfrentar a guerra cambial desencadeada pelo FED.
Uma das minas de ouro exploradas pelo capital financeiro, contudo, são as operações no mercado de câmbio. Os especuladores ganham dinheiro com as flutuações das taxas de câmbio, comprando e vendendo moeda entre os países. Mesmo longe de significar um controle rigoroso do fluxo de capitais, o programa do BC afeta os interesses dos rentistas.
Outra corajosa medida em que o governo enfrentou abertamente os interesses de grandes oligopólios mundiais foi a aprovação no novo marco regulatório para a exploração do petróleo, instituindo o regime de partilha, em 2010, mas que foi efetivamente conduzido no governo da Presidenta Dilma. O ponto alto da nova legislação foi o leilão do campo de Libra em 2013. O regime de partilha garantiu que no leilão do maior campo de petróleo do Brasil cerca de 80% dos recursos ficassem em poder do Brasil, incluindo Estado e Petrobras. Ainda hoje, o bloco conservador tenta reverter o marco regulatório para abrir espaço para entrada de multinacionais na exploração do pré-sal em condições mais vantajosas a estas, o que em parte explica a sistemática campanha realizada contra a Petrobras.
A criação em julho deste ano em Fortaleza do Banco de Desenvolvimento dos BRICS e do Acordo Contingente de Reservas demonstra uma disposição dos países envolvidos em aprofundar seus laços e as ações conjuntas no cenário internacional. Incialmente o Banco terá um capital de 100 bilhões de dólares para projetos de investimentos em países emergentes. O Acordo Contingente de Reservas será um fundo destinado a ajudar países com dificuldades em seus Balanços de Pagamentos. A grande novidade é a formação de um polo alternativo ao FMI e ao Banco Mundial, as duas principais instituições difusoras das políticas favoráveis à livre movimentação do capital financeiro pelo globo. A consolidação deste Banco poderá significar uma alteração profunda nas relações mundiais de poder. Durante a recente reunião do G-20 na Austrália, a Presidenta Dilma reafirmou a importância da iniciativa dos BRICS, especialmente neste momento de receio sobre a recuperação econômica mundial.
Outras medidas adotadas pelo governo para reduzir o impacto da crise sobre o Brasil foram os pacotes de desonerações tributárias. Em primeiro lugar não é pertinente a afirmação de que as medidas fracassaram, uma vez que mesmo envolto em um furacão o Brasil conseguiu manter o desemprego em patamares historicamente baixos. Em segundo lugar, e mais importante, o motivo pelo qual o governo sofre duras críticas nesta área por parte dos conservadores é devido à diminuição do superávit primário, ou seja, diminuição da transferência de recursos da população para o setor financeiro.
Em sua primeira reunião no atual governo, o Comitê de Política Monetária (COPOM) subiu a meta da taxa básica de juros da economia, a SELIC, de 10,75% a.a. para 11,25% a.a.. A SELIC chegou a 12,5% em julho de 2011 e a partir daí começou uma queda histórica. A Presidenta Dilma assumiu a responsabilidade política de reduzir a taxa básica de juros a níveis mais civilizados. O ciclo de queda durou até março de 2013 com a SELIC em 7,5% a.a., sob fogo serrado do bloco de oposição bradando o risco de descontrole da inflação. Desde então, a SELIC voltou a subir e está atualmente no mesmo patamar do início do governo Dilma, 11,25%. A reversão da tendência de queda é explicada por diversos fatores entre eles a forte pressão exercida pelo capital financeiro por meio da imprensa alinhada com seus interesses dentro e fora do país sobre o governo brasileiro. Contudo, a trajetória de redução da SELIC por quase dois anos é sintomático da busca de uma estratégia de desenvolvimento com centralidade na ampliação investimento.
Em conjunto com a redução da SELIC, o governo reforçou o papel dos bancos públicos, Banco do Brasil e Caixa Econômica, como forma de pressionar os bancos privados a reduzirem suas tarifas e pacotes para assim baratear o crédito. O BB chegou a cortar 34% em suas tarifas e a Caixa em 25%. As “leis coercitivas da concorrência” foram utilizadas para o interesse público.
Resta citar o enorme pacote de concessão na área de logística disparado pelo governo federal. Somente o esforço de construir complexos contratos, firmar parcerias com a iniciativa privada e atrair recursos para as obras já são por si um feito louvável, após o Brasil ter passado duas décadas sem realizar projetos desta envergadura. A infraestrutura brasileira é o principal polo de demanda de investimentos na economia brasileira da atualidade. O processo de maturação destes investimentos significará a abertura de um novo ciclo de crescimento do país. Mais adiante, detalharemos as cifras envolvidas.
A realização das parcerias via concessão reforça por sua vez que o Estado brasileiro não está subserviente aos interesses do capital privado. Na concessão não há transferência de propriedade de ativos públicos para o capital privado, não há, portanto concentração de riqueza realizada pelas mãos do Estado.
O quadro pintado acima buscar demonstrar que em matéria de enfrentamento ao capital financeiro e aos oligopólios internacionais do petróleo; na defesa dos interesses nacionais; na construção de uma contra hegemonia na geopolítica mundial; e na busca por um caminho de fortalecimento do investimento e da Indústria nacional, o primeiro governo Dilma foi, sem a menor sombra de dúvidas, um governo corajoso. Hoje estamos mais perto de uma estratégia de desenvolvimento autenticamente nacional.
Não é por menos que um dos principais jornalistas econômicos do país, em sintonia com o pensamento neoliberal, afirmou que o governo Dilma rompeu o consenso em vigor a quase trinta anos de como conduzir a economia brasileira. Ele diz que:
“sob Dilma, o governo fez intervenções no sistema de preços, acabou com a autonomia do BC, abandonou a disciplina fiscal, administrou o câmbio, ergueu barreiras à entrada de capitais, aumentou o grau de proteção da economia, interveio na gestão de empresas privadas, tolerou inflação alta, reduziu juros na marra (para depois ter que aumentá-los a um nível maior que o encontrado em 2011), impôs política de conteúdo nacional etc.” [6]
Como se vê, o governo da Presidenta Dilma incomodou profundamente os crentes no Mercado como Deus Ex Machina.
A campanha presidencial, contudo, trouxe musculatura para outros temas, notadamente a reforma política e a democratização dos meios de comunicação. É preciso, portanto, tirar lições da nova conjuntura política que emergiu nestas eleições e em seguida buscar compreender qual é a relação entre as novas batalhas que se apresentam e as batalhas na área econômica.
2014: a eleição que a Esquerda
não tinha o “direito” de vencer
Todos os mecanismos possíveis para derrotar a presidenta Dilma foram utilizados nos últimos anos pelo bloco de oposição: as condenações ilegais da ação penal 470, a prisão de José Dirceu e José Genuíno no dia da Proclamação da República, a campanha pelo fracasso da Copa do Mundo, a instrumentalização das manifestações de junho de 2103, a campanha na imprensa internacional contra o governo, o discurso do descontrole da inflação, os ataques à Petrobras, o vazamento de informações da delação premiada, a capa da Veja na última semana da campanha eleitoral e o boato no dia do segundo turno de que o doleiro malfeitor estaria morto. Certamente esta lista não inclui todos os capítulos da bárbara campanha conservadora que presenciamos nos últimos anos.
O nível do acirramento político alcançado nesta campanha só encontra paralelo na História republicana brasileira no segundo governo Vargas e no governo João Goulart. No primeiro caso, Getúlio foi levado ao suicídio, no segundo houve o golpe militar. A reeleição de Dilma é, portanto, um grande feito. Com a possibilidade do retorno do ex-presidente Lula em 2018, o bloco conservador se encontra diante do cenário de permanecer, no mínimo, mais oito anos fora do poder central do país.
Por isso não podem permitir o sucesso do segundo governo Dilma e, assim, se abraçam ao golpismo. Antes da eleição presidencial de 1955, Carlos Lacerda afirmava que "JK não pode ser candidato; se for candidato, não pode ser eleito; se for eleito, não pode tomar posse; se tomar posse não pode governar". A postura atual da chapa do PSDB derrotada nestas eleições comprova a linhagem à qual pertencem, ao desrespeito à vontade popular e gosto pelo golpismo.
É na luta política que as classes e os setores sociais se tornam sujeitos ativos da História, eles não existem em estado puro na sociedade. Quando o acirramento se eleva, a arena política se expande e novos setores passam a compô-la, os vacilantes tomam lado, os aliados voláteis podem se aproximar mais ou se afastarem por completo e a força dirigente do campo adversário fica mais nítida. Foi assim nesta campanha eleitoral.
A Política invadiu os lares brasileiros nos últimos meses como não se viu em eleições passadas. Difícil não pensar que esta eleição deixará o legado de uma sociedade mais politizada. Um conjunto de artistas, que não viveram sua juventude durante a Ditadura Militar, declararam seu apoio à Presidenta Dilma. Podemos citar Tiê, Tulipa Ruiz, Emicida, Flávio Renegado, Otto, os integrantes do Nação Zumbi, Rappin’ Hood, Zeca Baleiro, Gregória Duvivier (apoiou Dilma somente no segundo turno) e certamente muitos outros espalhados pelo Brasil. Destaque também para a cantora Valesca Popozuda que não apoiou Dilma, mas tomou partido e apoiou a candidata Luciana Genro. Todos estes, conectados com a Modernidade estética e cultural brasileira. Nos grandes centros, muitos dos setores médios e universitários que estão organizados em torno do tema do “Direito à Cidade” se tornaram peças importantes na arrancada final da campanha Dilma Presidenta.
A energia das manifestações culturais oriundas das periferias das grandes cidades nos últimos anos, com o Rap e o Funk à frente, talvez seja a maior novidade estética trazida pelo processo de ascensão social das classes populares vivido pelo Brasil desde 2003. Portanto, o apoio recebido por Dilma dos artistas desta vertente é mais que o apoio de indivíduos, simboliza a possibilidade de uma ofensiva da Esquerda no campo de disputa pela hegemonia cultural na sociedade, da qual a Esquerda está em desvantagem desde os anos 1990.
Por outro lado, as denominações religiosas neopentecostais, em boa medida, se tornaram um braço mais orgânico do bloco conservador, com expoentes como os pastores Marco Feliciano e Silas Malafaia. As posições políticas de setores das classes médias tradicionais e das classes dominantes tomaram a forma de mobilizações de rua, elemento novo nestas eleições pela dimensão em que aconteceu. As posições reacionárias contribuíram para explicitar os verdadeiros pontos de conflitos entre as classes sociais brasileiras. Contribuíram também na conquista de aliados para a Esquerda.
Esta campanha, por consequência, revigorou um conceito que andava meio empalidecido nos últimos anos, o conceito de Militância Política. Especialmente no segundo turno, o componente militante da campanha de Dilma foi ganhando destaque com as centenas de atos que foram realizados em todo o país. A importância da conquista de cada voto branco, nulo, indeciso, de quem votou em outros candidatos no primeiro turno e a necessidade de manter a ofensiva política diante das tentativas de golpe da imprensa conservadora encontrou na militância política seu indispensável lastro de massa.
Os limites da nossa Democracia foram testados nestas eleições. Nunca havia ficado tão claro o papel desestabilizador possuído pelos oligopólios privados de comunicação e, mais ainda, sua relação simbiótica com os partidos de oposição e com o capital financeiro, que em conjunto conformam o núcleo do bloco de oposição. É exatamente por isso que o tema da democratização da comunicação conquistou um novo patamar de relevância para o aprofundamento de nosso regime democrático.
Outra semelhança entre o bloco de oposição e o “Lacerdismo” é a exploração para além de qualquer limite do tema da corrupção. Palavras como “Esquerda”, “PT”, “Lula”, “Dilma” receberam nos últimos anos a tentativa de lhes imputar um único significado: Corruptos. Expoentes da Restauração voltaram a falar em fim do PT.
Os vasos comunicantes entre o dinheiro público e o caixa de grandes empresas, frutos do caráter corruptor do nosso sistema eleitoral, e dos quais a Direita sempre se serviu, foram transformados em obras dos governos Lula e Dilma.
Esta tática da Direita retirou qualquer sombra de dúvidas nos setores democráticos da sociedade brasileira da urgência da Reforma Política. Ficou demonstrado que a continuidade do projeto transformador em curso no Brasil e seu aprofundamento dependerão de desembaraçarmos nosso sistema político de todos os obstáculos para a legítima manifestação da vontade popular.
A Reforma Política ocupa atualmente o centro do palco das questões estratégicas em debate no país, nenhuma força política pode levar a frente a sua ação desconsiderando o tema. Este é o mais notório resultado do elevado acirramento político vivido pelo país durante esta campanha eleitoral.
As duas dimensões da Reforma Política
O tema da reforma política deve ser encarado em duas dimensões, a primeira é o mérito da nova legislação e a segunda é o potencial de formação de um amplo bloco social de Esquerda na sociedade brasileira. Tomamos como referência, a proposta de Reforma Política elaborada pela Coalizão Democrática composta pela OAB, UNE, CNBB e mais de cem outra entidades [7]. Esta é proposta concreta construída de forma mais ampla até o presente momento e que se propõe desde já a apresentar um conteúdo determinado a ser debatido com a sociedade.
Na primeira dimensão, a do mérito, demolir a principal fonte de corrupção do país é o dever inarredável de uma reforma política democrática. Por fim aos canais ilegais de comunicação entre o dinheiro público e empresas é um passo necessário para a constituição de um novo padrão de relacionamento entre o Estado e a iniciativa privada. Não há outro mecanismo para atingir este objetivo a não ser o fim do financiamento de campanhas eleitorais feitos por empresas privadas.
Ainda sobre o mérito da reforma, a formação de alianças nas disputas majoritárias que se norteiem por convergências em torno de um programa político compartilhado e assim diminuindo as alianças casuísticas, também compõe os objetivos centrais a serem alcançados por uma reforma política democrática. Para alcançar este efeito, a reforma deve tocar no tema para o qual a formação de alianças é decisiva, o tempo da propaganda eleitoral na TV e no Rádio. O mecanismo é extinguir a soma do tempo de cada partido para a totalização do tempo do candidato da coligação. O tempo do candidato seria igual ao tempo do maior partido da coligação somado ao tempo distribuído igualmente entre os candidatos em disputa.
A valorização dos partidos programáticos, ou seja, aqueles que têm sua ação política orientada por um projeto de sociedade democraticamente construído entre seus membros, é outro aspecto na dimensão do mérito da reforma. Por meio do voto em lista em dois turnos nas eleições proporcionais este objetivo pode ser atingido. No primeiro turno a votação não será em pessoais, mas sim nos partidos ou coligações. Deste modo, a opinião dos partidos sobre os temas de interesse das diferentes classes sociais que compõem a sociedade estará em primeiro plano.
No segundo turno, os eleitores escolheram os candidatos a partir de uma lista preordenada com paridade e alternância de gênero. A lista preordenada traz também a vantagem, entre outras, de o eleitor saber quais candidatos de um determinado partido tem maior probabilidade de serem eleitos.
A formação de um amplo bloco político de Esquerda envolvendo setores diversos, entidades e partidos é uma necessidade que a acirrada disputa política, presenciada durante a campanha eleitoral deste ano, não nos permite que fechemos os olhos para ela. A reforma política democrática contém este potencial.
Esta é sua segunda dimensão. Esta dimensão, naturalmente é consequência da primeira, entretanto, toma vida própria por ter a condição de gerar profundas mudanças na cultura política brasileira.
Com o fim das doações milionárias aos candidatos realizadas pelas empresas privadas e o maior peso da opinião dos partidos nas disputas eleitorais, o êxito das campanhas dependerá mais da inserção de candidatos e partidos entre as camadas do povo brasileiro e menos dos espetáculos de marketing que presenciamos atualmente. A longo prazo, poderão ser beneficiados os partidos que agem para ampliar sua inserção social e enfraquecidos os partidos que agem com apêndices do Estado, sem lastro social.
O mesmo conjunto de medidas descrito acima possibilitaria a ampliação do peso relativo dos movimentos sociais politicamente organizados na definição das batalhas eleitorais. Este é um aspecto extremamente relevante, visto que pode levar a ter uma sociedade mais politicamente organizada, com o enorme beneficio de mais cidadãos e cidadãs participando da vida pública do país. A conjugação de partidos mais vinculados ao povo e o maior peso do movimento social certamente possuirá o poder de enfrentar a ideologia das classes dominantes de criminalização da militância política, resultando em uma ampliação desta militância, o que forjaria uma nova capacidade das forças democráticas de levar a cabo as transformações mais profundas que estão pela frente.
Todas as medidas mencionadas que compõe uma reforma política democrática, somadas, contribuirão também para o enfraquecimento de um aspecto muito nocivo à consolidação de qualquer nação. Trata-se da ideologia liberal de que o Estado é intrinsicamente corrupto e ineficiente. Em especial o fim do financiamento de campanha por parte de empresas privadas, mas também o fortalecimento dos Partidos e movimentos sociais poderá, com o passar dos anos, trazer às claras que a corrupção deriva de um padrão de relacionamento entre poder público e capital privado nocivo aos interesses nacionais. Poderão também demonstrar que as prioridades dos governos e sua eficiência derivam dos interesses das classes e frações de classes que dirigem o bloco no poder em cada período histórico.
Cabe ressaltar que somente o curso da batalha política será capaz de anunciar se teremos uma reforma política democrática, pois do outro lado há os que preparam uma contrarreforma que mais retroceda que avance ou que passe ao largo das questões centrais. Vale mencionar também que não se trata de estabelecer um ranking das Reformas e colocar a reforma política no topo. Foi o processo político vivido nos últimos anos e sua radicalização nos últimos meses que forjaram as condições para que neste momento a reforma que toma o centro do palco, polarizando todas as forças políticas e assumindo lugar de destaque nas falas da Presidenta reeleita, seja a reforma política.
Ganhar tempo no front econômico e redobrar
o vigor para a realização da Reforma Política
Como foi dito no inicio deste texto, o primeiro governo Dilma tomou importantes medidas no caminho de uma nova estratégia de desenvolvimento. Acontece que o fator tempo é decisivo para o sucesso das medidas tomadas. O caso dos investimentos em infraestrutura é emblemático. Entre 2015 e 2017, serão investidos nada menos que R$ 300 bilhões nos projetos de infraestrutura [8]. Serão R$ 93,3 bilhões em 2015, R$ 102 bilhões em 2016 e R$103,9 bilhões em 2017.
Esses valores se dividem entre investimentos rodovias, ferrovias, aeroportos, portos, geração e transmissão de energia e telecomunicações. Se forem incluídos os investimentos 2014, o total investido se aproxima de R$ 400 bilhões. Esses valores ainda estão subestimados, pois não incluem as obras de saneamento básico e mobilidade urbana realizadas pelos governos estaduais e prefeituras.
Levará alguns anos para que seja realizado todo o potencial de criação de encadeamentos produtivos que estes investimentos possuem. Outra variável estratégica impactada é a produtividade da economia. Quanto mais obras forem sendo concluídas, maior será a redução de custos e tempo no transporte de mercadorias entre o local de produção e comercialização. Os primeiros efeitos deste grande volume de investimentos serão sentidos no próximo governo Dilma, em especial na geração de empregos diretos e indiretos. O mesmo pode ser dito a respeito dos projetos de investimentos financiados nos últimos anos pelo BNDES.
A desvalorização cambial que já teria passado os 25% no acumulado dos últimos três anos também não se traduzirá em um ciclo generalizado e simultâneo de ampliação das exportações, isto leva tempo. Primeiramente porque a alta valorização do real nos anos anteriores ao inicio da desvalorização faz com que a resposta dos exportadores fique mais lenta, pois estes perderam posições no período de real sobrevalorizado. Em segundo lugar, os setores industriais se encontram em posições diferentes em relação à sua capacidade de reação ao câmbio desvalorizado. Em terceiro lugar, a previsibilidade da trajetória futura da taxa de câmbio se torna mais relevante para a decisão de produção que o seu próprio nível, em um momento de muita flutuação [9]. A conclusão das obras de infraestrutura é outra variável relevante para a retomada das exportações.
Na área fiscal, intensamente atacada no ultimo período, o segundo governo Dilma terá que tomar medidas que, sem prejuízo dos projetos de investimento e das conquistas sociais alcançadas até aqui, busquem reduzir o gasto público.
A própria Presidenta tem mencionado o seguro-desemprego como uma área em que é preciso reduzir gastos. De 2012 para 2013 houve um aumento de 13,8% nas despesas com este item. De janeiro a setembro deste ano houve um aumento de 14,8% em relação ao mesmo período do ano passado [10], o que pode levar a um gasto de quase R$ 50 bilhões neste ano. Este crescimento dos gastos com seguro-desemprego acontecem no momento em que o país atinge os menores índices de desemprego de sua história, chegando a 4,7% em outubro último [11]. Outra área que precisará de ajustes é a pensão por morte, também admitido pela presidenta [12], que chega a consumir 3% do PIB.
A redução destes gastos e de outras despesas que a presidenta menciona de forma inespecífica como “desajustadas” contribuirão para diminuir o bombardeio sobre a política fiscal do governo, especialmente aqueles vindos do mercado financeiro, e também poderá abrir espaço para uma nova trajetória de redução da taxa básica de juros.
Em síntese, as medidas econômicas tomadas pelo primeiro governo Dilma e as medidas que se anunciam para o inicio do próximo mandato precisam de tempo para surtir efeito. Não é o momento de uma nova rodada de enfrentamentos no campo econômico e sim de consolidação das medidas tomadas para adentrarmos em um novo ciclo de crescimento econômico e assim conquistarmos mais aliados para uma posterior nova etapa de avanços. A reaproximação com o setor produtivo é ponto determinante para o êxito da empreitada e o governo já sinaliza neste rumo [13].
No front especificamente político, todavia, o embate com o bloco conservador exige energias redobradas. Como dito acima, a disputa política alcançou novos e mais elevados patamares e não retornará a um nível inferior. As contradições no seio da sociedade brasileira estão mais expostas. O bloco conservador perdeu as eleições, mas não tem demonstrado que perdeu o ímpeto para sabotar e paralisar o governo como tática política.
A importância da Reforma Política como forma de aprofundar nossa Democracia e assim reduzir os espaços para o golpismo tem ficado ainda mais evidente nos acontecimentos pós-eleitorais. O pedido do PSDB de auditoria do resultado eleitoral; a participação de Aloísio Nunes, candidato à vice-presidente na chapa derrotada de Aécio Neves, em manifestação de rua ultrarreacionária; a distribuição da relatoria das contas de campanha da Presidenta Dilma ao expoente do bloco conservador no Judiciário, Gilmar Mendes, inclusive questionado pelo Ministério Público; e a manobra do PSDB e da Imprensa de Direita em colocar a operação Lava-Jato em direção de Lula e Dilma transmite o recado, claro como água, de que a interrupção do governo esta no horizonte estratégico do bloco conservador. A Operação Lava-Jato, especificamente, realiza o maior desmonte já visto do sistema de financiamento privado das campanhas eleitorais.
A saída para esta situação é o aprofundamento da Democracia brasileira. A Reforma Política emergiu durante a campanha eleitoral como o instrumento capaz de mobilizar a sociedade por uma vigilância democrática. O momento, portanto, exige das forças políticas e setores sociais avançados que não se percam na disputa do formato da Reforma Política – se Constituinte Exclusiva, Plebiscito ou Projeto de Lei de Iniciativa Popular – e sim que se concentrem em como combinar, nas ruas e no Estado, todas as formas de lutas coletivas por mais direitos civis, sociais, econômicos, mobilidade urbana e manifestações de cultura popular em torno da compreensão que somente um novo sistema politico será capaz de abrir caminho a todas estas conquistas. Esta tática poderá ter efeitos decisivos sobre qual Reforma Política prevalecerá, mas também contribuirá para a vigilância democrática necessária aos dias que correm.
O novo ciclo político aberto com o acirramento dessas últimas eleições não está imune a retrocessos, por isso a constituição de um amplo campo de Esquerda e forças democráticas é imprescindível para que se realizem todas as esperanças que brotaram em nosso país nos últimos meses. Produzir esta síntese entre as diversas reivindicações que ganharam lastro social nos últimos anos e a necessidade de um novo sistema político é a prova de fogo das forças dirigentes deste campo de Esquerda que dá apenas seus primeiros passos.
(*) Diogo Santos é Graduando em Economia pela UFMG, membro da Sessão Mineira da Fundação Maurício Grabois e Membro da Comissão Política do PCdoB em Minas.
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