ruy castro - Folha de São Paulo
Quadro em branco
(Sugestão do camarada Carlos Alberto, de Maceió, integrante da famosa 'família SILVA')
RIO DE JANEIRO - Sem saber se dizia ou se se desdizia, Roberto Carlos declarou na última sexta-feira, 8, que é a favor de biografias não autorizadas --desde que comportem alguns "ajustes". Supondo que sua sugestão passe à legislação, e esquecendo os "ajustes" que ele imporia aos seus próprios biógrafos, como se daria isso na prática?
Os herdeiros do presidente Emílio Garrastazu Médici, por exemplo, talvez tolerassem uma biografia do seu parente, mas exigiriam "ajustes" nas referências à tortura durante o seu mandato. O Médici pai ou avô que eles conheceram não se identificaria com o homem descrito pelo biógrafo como responsável pelo pior período da ditadura. Afinal, quem conheceu papai ou vovô Emílio melhor do que eles, que privaram de sua intimidade? "Ajustes" teriam de ser feitos.
A medida beneficiaria também os herdeiros do delegado Sérgio Fleury --eles não gostariam de ver o seu ilustre parente mostrado como o maior torturador da história do Brasil. Donde, "ajustes". E o mesmo quanto a possíveis biografias de Luiz Carlos Prestes, Carlos Lacerda, Jânio Quadros, Costa e Silva, Tancredo Neves e outros personagens centrais da política brasileira --quem, aos olhos de seus filhos e netos, não será merecedor de "ajustes"?
Todos os citados já morreram e, mesmo assim, por intermédio de seus herdeiros, continuariam interferindo no contar a história do Brasil. O que torna ociosa outra medida que intentam sugerir: a necessidade de esperar xis anos após a morte da pessoa para ser possível biografá-la --com o consequente impedimento a se biografar vivos.
É outra jabuticaba jurídica. Por ela, não apenas José Sarney, Paulo Maluf e Fernando Collor continuariam proibidos aos biógrafos e historiadores, mas também Fernando Henrique Cardoso, Lula, Eike Batista. Melhor passar logo o apagador no Brasil e deixá-lo um grande quadro em branco.
Do AMgóes - Ancelmo Góis, no Globo, informa que o 'rei' Roberto Carlos já teria desembolsado 2 milhões em nossa moeda(irrisórios, convenhamos, diante da sempre inflacionada 'tabela de convencimento' de seus 'súditos' parlamentares) para bancar o 'lobby' dos tais 'ajustes' ao projeto que tramita no Congresso sobre a polêmica das 'biografias não autorizadas'.
Ruy Castro, escritor e jornalista, já trabalhou nos jornais e nas revistas mais importantes do Rio e de São Paulo. Considerado um dos maiores biógrafos brasileiros, escreveu sobre Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmen Miranda. Escreve às segundas, quartas, sextas e sábados na Página A2 da versão impressa da Folha.
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