(Miguel do Rosário)
No Brasil, o golpe nunca morre. Ponto. No máximo, é nocauteado por alguns meses, ou anos.
O Brasil é um dos países cujos ricos tem mais dinheiro guardado no exterior. Segundo a Tax Justice, os ricos brasileiros tem mais de um trilhão e meio de reais em paraísos fiscais.
Então, para estes, não importa que soframos um período de caos político e social. Ao contrário, se houver caos, a moeda se desvaloriza e eles ganham mais poder de compra no Brasil.
A mesma coisa vale para os exportadores de grãos e minério de ferro. Quanto mais caos, desde que os caminhos para exportação continuem liberados, melhor, por causa da desvalorização cambial.
Eles não são como eu e você, que morremos de medo do caos porque sabemos que seremos os primeiros a sofrer as consequências.
O alto funcionalismo público também não tem medo do golpe, porque o Estado brasileiro pode falir, a economia pode ruir, mas eles continuarão ganhando seus salários. O que explica o seu voluntarismo radical, à direita e à esquerda (nos últimos tempos, cada vez mais à direita).
Dito isto, vamos à agenda do golpe.
Ele poderá acontecer no próximo mês, em agosto, repetindo uma triste tradição brasileira, já vista em agosto de 1954.
A direita prepara nova grande manifestação pelo impeachment.
O TCU, cujo presidente foi flagrado recentemente jantando com Jorge Bornhausen, velha liderança de extrema direita, poderá rejeitar as contas de Dilma, tanto por motivos políticos próprios (maioria dos ministros é de direita), como por pressão da mídia.
O TSE, por sua vez, sob pressão midiática, aceitou ouvir delatores da Lava Jato para deporem. O conteúdo, já sabemos. Ricardo Pessoa dirá que doou ao PT por “pressão”. Esta é a tese que os procuradores e o juiz da Lava Jato estão usando para criminalizar o PT e manter seu ex-tesoureiro preso. Isso pode implicar também cassação da candidatura da Dilma.
Há recursos, claro, para todos esses processos, mas eles ajudam a deteriorar a situação política.
A Lava Jato dará início a 15º operação, prendendo novamente grandes empresários ou políticos e, com isso, promovendo um clima de terror que tensionará ainda mais a conjuntura.
Trata-se de uma ameaça explícita dos setores golpistas do Estado contra setores do poder econômico: juntem-se ao golpe, ou destruiremos suas fortunas.
O pior é que sabemos que todos esses grandes empreiteiros, por uma questão de classe, são tucanos e votam no PSDB. Convencê-los a entrar no jogo para criminalizar o PT não será tão difícil.
A mídia aperta o cerco contra o governo.
Não dá nem mais pôr a culpa em Dilma. Está claro que ela não sabe falar, não sabe se articular, não entende a conjuntura.
Dilma dá sinais de que só levará a sério a crise política após os portões do Planalto serem arrombados pela turba golpista. Neste momento, e só aí, ela virá a público fazer um pronunciamento tardio e inútil.
Os ministros de Dilma começam a trair a presidenta.
A entrevista do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, dizendo que poderá sair do cargo por “pressões do PT” é uma traição , porque joga água no moinho da Lava Jato.
Se tinha que sair por razões políticas, que saísse quieto. Até porque Cardozo, se sair (e oxalá saia logo; só falta essa agora, mais esse vácuo de poder), sabe que sairá por sua inacreditável incompetência em fazer a coordenação política da Polícia Federal e da relação do governo com o Judiciário e o Ministério Público. Pior: Cardozo sequer participa do debate acirrado que se faz no Brasil contra a judicialização da política, que criminaliza o seu próprio partido. Ao contrário, às vezes parece jogar no time adversário. Sua entrevista para a TV Veja (!) não ajudou em nada a evitar essa impressão.
Ao culpar o PT, Cardozo apenas comprova porque tem de sair: não tem jogado a favor do governo. É mais uma Marta Suplicy, um vaidoso, assim como Mercadante, outro que não se arrisca em nada, não se posiciona, não ajuda o governo.
A inclusão de Eduardo Cunha e Renan Calheiros na Lava Jato fez parte do jogo para mantê-los sob as rédeas do golpe. A prova é que, assim que souberam da inclusão de seu nome, passaram a fazer mais oposição ao governo.
Renan Calheiros, ironicamente, seria a tábua de salvação do governo, que obviamente precisa de aliados no Legislativo. Por isso o puseram na Lava Jato, para chantageá-lo e forçá-lo a obedecer a cartilha do golpe.
Cunha já mostrou, nas votações de financiamento de campanha e da maioridade penal, que não tem o mínimo escrúpulo em manipular, a seu bel prazer, o regimento interno da Câmara. Com isso, poderá fazer tramitar um pedido de impeachment da maneira mais truculenta possível. Golpe é com ele mesmo.
A prisão de Marcelo Odebrecht, presidente da maior construtora do Brasil, serve ao objeto explicitado acima: terrorismo político e econômico.
É como se o golpismo dissesse ao Brasil produtivo: iremos paralisar e destruir todas as atividades econômicas do país se o nosso objetivo, derrubar o governo, não for cumprido.
A divulgação de pesquisas negativas para o governo, pelos institutos controlados pela mídia (Datafolha e Ibope), ajuda a criar uma atmosfera favorável a uma ruptura.
É possível parar a marcha do golpe?
Sim, mas apenas uma iniciativa política firme da presidenta da república poderia fazê-lo neste momento.
Mas com a popularidade baixa, Dilma só poderia interromper a marcha com ação política concreta, porque os próprios movimentos sociais agora estão amarrados pela conjuntura péssima, pela própria inação e conservadorismo do governo.
Para isso, é preciso ser criativo.
Não adianta inaugurar 100 casas do Minha Casa Minha Vida na Bahia.
É preciso inaugurar um léxico novo.
Era isso o que deveria ter feito na transição de uma gestão para outra.
A solução me parece óbvia, embora (e isso também é óbvio) demande uma dose de coragem que o governo até agora não tem demonstrado.
1) O lançamento de uma plataforma de iniciativas progressistas. Sobre isso, valeria escrever um longo post, mas eu deixo para a imaginação dos leitores. O importante será uma agenda positiva, ampla e corajosa.
2) Reforma ministerial, trazendo nomes com prestígio social para o governo.
3) Mudança profunda no sistema de comunicação oficial, produzindo programas ousados em todos os meios de comunicação controlados pelo governo.
4) Convocação do Conselho da República, reunindo a presidencia da república, e o comando dos outros poderes, para contornar a crise política e dar racionalidade à atuação do Ministério Público.
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