(Hylda Cavalcanti)
Dominado por agenda à direita, PSDB se firma como oposição sem projeto
Para
especialistas, nova geração detucanos perdeu de vez raízes com a
social-democracia de centro-esquerda e tenta se viabilizar eleitoralmente por
meio da adesão ao conservadorismo...
Brasília – Votação maciça pela redução
da maioridade penal, apoio a presos da Venezuela acusados de tentativa de golpe
contra o governo de Nicolás Maduro, articulação pelo pedido
de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, convocação de
manifestações contra Dilma ao lado de extremistas que querem a volta da
ditadura, redução da participação da Petrobras no pré-sal, apoio à legalização
da terceirização e dos financiamentos de empresas a partidos em campanha. A
agenda conservadora tomou conta do cotidiano do PSDB na política brasileira –
no Congresso, em governos estaduais como os de São Paulo e do Paraná, nas ruas
e nas redes sociais.
As constantes trocas de posição e
posturas dúbias observadas pela legenda têm levado antigos dirigentes e
cientistas políticos a questionar como pensa e age a nova geração de tucanos,
distanciada cada vez mais se comparadas as raízes da social-democracia de
centro-esquerda que marcaram a criação do partido, na década de 1980. É sob
esse rosto desfigurado que, neste domingo (5), o PSDB realiza sua 12ª convenção
nacional, para definir os nomes de sua nova direção.
A posição dos deputados tucanos foi
fundamental para a aprovação da proposta de redução da maioridade penal durante
a votação da PEC 171, na semana passada, na Câmara. Antes, os tucanos haviam
acenado para a possibilidade de se unir ao governo e fechar questão contra a
redução da maioridade penal. Até porque uma proposta considerada alternativa,
que tramita no Senado e sugere, em vez da redução o aumento de medidas
socioeducativas para menores infratores por meio da alteração do Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA), é de autoria do senador José Serra (PSDB-SP).
Mas não teve jeito: recuaram da articulação e se uniram ao presidente da
Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), pela redução na apreciação do relatório da
PEC.
Também pesaram contradições observadas
nos últimos meses, como o comportamento adotado pela sigla em relação ao fator
previdenciário, no início de junho, e a desastrosa iniciativa de coordenar a
viagem de um grupo de senadores até a Venezuela para interferir nas decisões
políticas do governo democraticamente eleito de um outro país. O atrapalho
rendeu piadas em redes sociais e depoimentos irônicos contra os integrantes da
sigla.
Os tucanos votaram, ainda, pela
derrubada do fator previdenciário (criado no governo Fernando Henrique Cardoso
e considerado uma das principais bandeiras para contenção do déficit da
previdência) durante a votação da Medida Provisória 664 e a iniciativa, que
chegou a ser chamada de “populista” pelo próprio ex-presidente, provocou
bate-boca entre os parlamentares da legenda.
Sem projeto de país
Na avaliação do cientista político
Leonardo Barreto, da Universidade de Brasília (UnB), a mudança de postura dos
tucanos é observada porque o partido tem atuado com foco principal nas
eleições. O estímulo aos discursos de ódio e intolerância, mais fortemente
presente nas duas últimas derrotas presidenciais, em 2010 com Serra e 2014 com
Aécio, se intensifica agora com vistas a 2018. Em todos os casos, os ataques
aos governos petistas prevaleceram sobre o que o eleitorado mais costuma
apreciar: propostas.
“O PSDB não tem um projeto de país na
cabeça e sim, uma eleição, que é a de 2018. As decisões tomadas agora objetivam
levar a legenda a estar bem posicionada até lá. Como o governo Dilma Rousseff
adotou uma agenda impopular, os tucanos querem aproveitar isso para expor o PT
e desgastá-lo ao máximo, mesmo que para isso comprometam suas agendas
históricas”, acentuou.
Barreto também considera que a legenda
procura “surfar na onda” de insatisfação da classe média com o governo, numa
tentativa de ser protagonista das reclamações. “O perigo dessa estratégia é que
os tucanos, dessa maneira, abolem totalmente bandeiras que os aproximavam da
centro-esquerda e correm o risco de ficar a reboque de organizações da direita,
como as que pedem o impeachment da Dilma e a intervenção militar no país”,
afirmou.
O especialista em marketing político
Alexandre Bandeira, da Strattegia Consultoria, lembrou que não existe mais no
país a polarização entre esquerda ou direita, em função, inclusive, dos rumos
tomados nos últimos anos pelos próprios governos do PT e das coligações
firmadas pelos petistas com vários partidos. Como resultado, agora, o PSDB
busca esse espaço despolitizado. “O que está pesando nas decisões para a
população neste momento é ter mais no prato. E o PSDB está seguindo a tendência
para ficar mais próximo da população. Os partidos estão tentando ver qual deles
se identifica melhor com as ruas e está mais conectado com a população”,
afirmou.
Segundo Bandeira, os tucanos não
conseguiram assumir a posição de oposição nos dois governos Lula nem no
primeiro governo Dilma, porque havia uma média de aprovação grande por parte da
população em relação ao Executivo. “As oposições eram frágeis porque não tinham
audiência nas ruas, mas isso mudou depois das manifestações de 2013 e aumentou
neste início do segundo governo Dilma. E é aí que eles pegam o gancho de
oposição mais forte. Até porque não se trata apenas de uma mobilização da
classe média, mas também da base da pirâmide. Não é questão ideológica apenas,
é de busca pelo poder nas próximas eleições”, ressaltou.
Para o sociólogo Marcelo Zero, analista
legislativo do Senado Federal, o PSDB se transformou num partido que hoje em
dia possui posições muito conservadoras, em grande parte, como forma de ocupar
mais espaço. “Vejo uma guinada à direita, em virtude dessa necessidade do PSDB
de buscar a classe média conservadora e o eleitorado evangélico para se
capitalizar politicamente”, disse.
“Não me surpreende que o partido tenha
dúvidas ou se posicione pela redução da maioridade penal. Isso é visto como
oportunidade para crescer politicamente e não é novidade na conduta dos
tucanos. Tivemos isso nas eleições de 2002, quando a Regina Duarte foi à TV
dizer que tinha medo de um novo governo; tivemos em 2010, quando houve grande
movimento contra o aborto, numa tentativa de vincular a questão politicamente e
estamos tendo agora, quando o Congresso caminha para um viés mais conservador.
O partido tem adotado uma posição à direita para buscar o voto da classe média
mais tradicional”, acentuou Marcelo Zero.
Diferença de gerações
O líder do PSDB na Câmara, Carlos
Sampaio (SP), em declarações diversas, costuma rebater esse tipo de avaliação
com acusações ao governo. “O discurso do governo é alienado, arrogante e
afronta a sociedade”, chegou a afirmar.
Mas o que mais chama a atenção na
trajetória do partido, segundo Leonardo Barreto, é a segunda geração de
políticos da legenda, de formação diferente da dos políticos que a criaram, na
época de Franco Montoro e Mário Covas. De acordo com Barreto, “o PSDB vive hoje
uma outra história”. E mesmo o retorno de alguns caciques ao Congresso nas
últimas eleições, como é o caso dos senadores Tarso Jereissati (CE) e José
Serra (SP), foi cercado por diferenças contextuais.
“Os que voltaram à política estão sem poder.
Quem manda, hoje, é Aécio Neves (MG), que mesmo sendo da turma lá de trás, não
possui a mesma forma de pensar dos históricos que fundaram a legenda. A turma
que está no poder, como o Carlos Sampaio (SP), já nasceu politicamente na
oposição e não está enraizada com os ideais iniciais do partido”, ressaltou.
Para Barreto, enquanto o PT tem
políticos que podem ser considerados uma segunda geração da legenda, como é o
caso do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, da senadora Gleisi Hoffmann
(PT-PR) e do ex-ministro Alexandre Padilha (Saúde), por outro lado a nova
geração do PSDB se destacou, nos últimos anos, muito mais pela perda ou ameaça
de saída de lideranças.
Da mesma opinião, o cientista político
Alexandre Ramalho, também da Universidade de Brasília (UnB), credita, por sua
vez, a postura dúbia do partido à necessidade dos tucanos de baterem na tecla
do anti-lulo-petismo, em vez de defenderem os ideais históricos que levaram à
formação da legenda, na década de 1980. “Os novos não conseguiram ficar à altura
dos que iniciaram o partido, e os nomes importantes têm idade média na faixa
dos 70 anos. Isso é ruim para a formação de novas lideranças”, enfatizou.
Crise antiga de
identidade
O pesquisador do Centro de Estudos
Avançados da Unicamp José Augusto Guilhon Albuquerque, que realizou trabalho
sobre o tema, disse que “o PSDB foi vítima do seu próprio sucesso”. “O
partido nasceu como uma federação de dissidências regionais do PMDB e do antigo
PFL, logrou conquistar o eleitorado de centro graças ao gênio político de
Franco Montoro, que lhe deu voz e horizonte político, reunindo um leque
admirável de lideranças regionais com experiência e capacidade governativa.”
Mas, depois que chegou à presidência,
em 1995, segundo Albuquerque, a legenda cresceu demais, o que provocou desde
esse tempo uma crise de identidade. Numa forma de completar ainda mais tais
avaliações, a senadora Lúcia Vânia (GO), que deixou a sigla recentemente,
argumentou que seu gesto de saída se deu pelo que chamou de “busca por um novo
espaço”.
“Não acredito em uma oposição movida a
ódio. Na minha visão, esse confronto que se estabeleceu no Congresso Nacional
entre situação e oposição para dar resposta a uma sociedade órfã de lideranças
é simplesmente irracional”, disse. Foi uma declaração curta, mas que deu um bom
exemplo das divisões e dubiedades existentes, hoje, dentro do PSDB.
O cientista político David Fleisher, da
UnB, acredita que a mudança ideológica na comparação com a década de 1980 não é
característica única do partido. “O PT também mudou muito ao longo desse
período”, acentuou, acrescentando que considera normal esse processo da
legenda.
“Eles (os tucanos) estão querendo
conquistar a fatia do eleitorado que tem aparecido depois da redução dos
índices de popularidade do governo, e isso é legítimo. Mas o caminho é duro por
conta da própria divisão existente dentro do partido, principalmente entre os
grupos de Geraldo Alckmin e de Aécio Neves”, avaliou o cientista. De acordo com
Fleisher, as eleições para 2018 não serão fáceis para ninguém. “Vejo um cenário
difícil para o próprio PSDB, no sentido de aparar arestas internamente até lá.
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