De segura para fragilizada,
a inversão da entrevista
de Dilma na Folha
Aspas soltas, falta de contexto e recortes de imagens conduzem a interpretações enviesadas de uma presidente tentando defender-se e apaziguar diálogo com oposição...
Por Patricia Faermann, no Jornal GGN
Reprodução
Ao contrário de: "Eu não quis me suicidar na hora em que eles estavam querendo me matar lá! A troco de que eu vou querer me suicidar agora?", na realidade, Dilma Rousseff proferiu: "Foi cem mil vezes pior ser presa e torturada. Vivemos numa democracia. Não dá para achar que isso aqui seja uma tortura. Não é. É uma luta para construir um país. Eu não quis me suicidar na hora em que eles estavam querendo me matar! A troco de quê vou querer me suicidar agora? É absolutamente desproporcional". Com a artimanha, na entrevista concedida nesta segunda (06), a Folha de S. Pauloescancarou em manchete e capa viés oposto às declarações da presidente.
Sob o título "'Eu não vou cair', diz Dilma", a Folha tentou apresentar uma presidente fragilizada, sem direcionamentos, isolada. Apesar do cenário que a cerca, na atual crise política e financeira do Brasil, Dilma foi firme e segura em suas respostas ao jornal. Ainda assim, os repórteres que a entrevistaram no Palácio do Planalto, em Brasília, preferiram destacar trechos descontextualizados, acompanhados de fotografias que revelam desespero da chefe maior de Estado.
As expressões faciais da presidente são, na realidade, de impaciência. Ao ler a transcrição da entrevista, é possível pressupor os motivos. "O ex-presidente Lula disse que ele e a sra. estavam no volume morto. Estão?" é a primeira pergunta dos jornalistas, seguida de: "Lula disse que ajuste fiscal é coisa de tucano, mas a sra fez". "A sra passa uma imagem forte, mas enfrenta uma fase difícil" é a terceira provocação.
Em função que a obriga estar preparada para os mais variados tipos de questionamentos, responde: "Respeito muito o presidente Lula. Ele tem todo o direito de dizer onde ele está e onde acha que eu estou. Mas não me sinto no volume morto não. Estou lutando incansavelmente para superar um momento bastante difícil na vida do país". Quando os repórteres contrariaram sua "imagem forte" à "fase difícil", respondeu que não, fazendo um paralelo entre a ditadura que enfrentou e a democracia atual, ainda que com todos os problemas.
Maria Cristina Frias, Valdo Cruz e Natuza Nery - equipe da Folha encaminhada ao gabinete da Presidência - também dirigiram: "A sra. fala que não tem relação com o petrolão, mas está pagando a conta?". "O Brasil merece que a gente apure coisas irregulares. Não vejo isso como pagar conta. É outro approach", respondeu Dilma.
Solicitada a analisar a prisão dos presidentes da Odebrecht e Andrade Gutierrez, mais uma vez posta em situação descontextualizada, a presidente afirmou que achava "estranho" e que "gostaria de maior fundamento para a prisão preventiva de pessoas conhecidas", e o jornal, mais uma vez, tornando parecer uma defesa prévia de Dilma aos executivos.
Contudo, as opiniões da presidente vão ao encontro de diversos especialistas do meio jurídico, como é o caso do próprio ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio de Mello. Em entrevista ao Correio Braziliense, na mesma linha, o ministro disse: "Não conheço as premissas lançadas pelo meu tão elogiado colega Sérgio Moro para prender o presidente da Odebrecht, para prender o presidente da Andrade Gutierrez".
Além de colocar, nas frases soltas, o ex-presidente Lula em posto de confronto, a Folha extrapolou as menções da presidente à oposição. Dilma não afirmou "que a oposição é golpista", tampouco "chamou adversários para a briga", conforme divulgou a edição, que ainda imprimiu recortes dos gestos da mão da presidente, pressupondo uma postura autoritária.
"A oposição prevê que a sra. não termina seu mandato", incitaram, recebendo a seguinte resposta: "Isso do ponto de vista de uma certa oposição um tanto quanto golpista", iniciou Dilma, completando: "Não acho que toda a oposição que seja assim. Assim como tem diferenças na base do governo, tem dentro da oposição. Alguns podem até tentar, não tenho controle disso. Não é necessário apenas querer, é necessário provar".
Quando Dilma pronunciou "eu não vou cair", de forma repetida, três vezes, a imagem da presidente incisiva, desesperada ou, até mesmo, teimosa dá lugar à outra que busca dar ponto final a um jogo de construção de imagem, da imprensa e da oposição, contra ela.
"Tem gente no PMDB querendo tirar a sra. do cargo", foi o primeiro apontamento do grupo de jornalistas. "Quem quer me tirar não é o PMDB", responde Dilma. "Parece que está todo mundo querendo derrubar a sra", insiste a equipe da Folha. "O que você quer que eu faça? Eu não vou cair. Eu não vou, eu não vou. Isso é moleza, isso é luta política", cortou ela.
"Não conte que eu vou ficar nervosa, com medo. Não me aterrorizam", completou a presidente, recebendo mais uma provocação: "E se mexerem na sua biografia?" - "Ô, querida, e vão mexer como? Vão reescrever? Vão provar que algum dia peguei um tostão? Vão? Quero ver algum deles provar. Todo mundo neste país sabe que não. Quando eles corrompem, eles sabem quem é corrompido", finalizou Dilma.
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