Cúpula do BRICS abrirá espaço
para a discussão da questão grega
Antônio Gelis passou uma semana em Atenas, participando do Congresso do Grupo Europeu de Estudos Organizacionais, que reuniu milhares de acadêmicos.
A seguir, a entrevista com o Professor Gelis.
Sputnik: Que impressão o senhor colheu junto aos seus colegas participantes do seminário? Teve oportunidade de conversar com algumas pessoas para que falassem do seu dia a dia, como está o sofrimento do povo grego diante desta crise que parece interminável?
Antônio Gelis: Tive oportunidade, sim. Obviamente foi um assunto muito importante para todos. Acompanhei presencialmente duas das manifestações da população, inclusive a primeira, a favor do “não”, que foi na segunda-feira logo após o anúncio do referendo. Conversei com tantos gregos quanto pude. Procurei sair um pouquinho das áreas mais turísticas, que são muito bonitas e onde você não sente nada, mas quando a gente começa a conversar e a se afastar do centro percebe-se o nível de pobreza, de destruição da sociedade grega que a austeridade dos últimos anos causou. Sendo assim, não foi surpresa, para mim, a vitória do “não”.
S: O senhor esteve na Grécia numa semana que talvez tenha sido a mais difícil vivida pelo povo grego. Uma semana em que os bancos começaram fechados e depois abriram só para atender aposentados e pensionistas, e ainda assim limitando seus saques. O que o senhor percebeu desta movimentação e como os gregos com os quais o senhor conversou estão conseguindo sobreviver?
AG: É bastante triste. O que nós temos na Grécia hoje é uma pequena parte da população que tem emprego em período integral, que consegue pagar suas contas, que possui propriedades para isso. O restante da população, muitas vezes pessoas com mestrado, com doutorado, pessoas que se prepararam para o mercado de trabalho mas que não conseguem encontrar emprego ou que estão trabalhando por 200 ou 300 euros por mês, o que é absolutamente nada dado o custo de vida na Europa, e muitas famílias dependendo da pensão de algum dos integrantes – do pai, da mãe, do avô, da avó –, pensões que têm sido reduzidas pelo Governo. Então, é uma situação de um povo educado – em momento algum acompanhei qualquer cena ou manifestação de violência, foi tudo muito bonito – mas que percebe que está sendo roubado em relação ao seu futuro. Um fato interessante, e isso as pesquisas já mostravam, é que o maior apoio ao “não” veio dos jovens, que não percebem nenhum futuro no modelo atual, sabem que vai ser muito difícil se eventualmente a Grécia sair da Zona do Euro, que ainda não é uma certeza, mas falam abertamente “é melhor nós passarmos por uma década ou duas décadas de muita dificuldade, mas sermos capazes de reconstruir o futuro”. Porque o que existe, a proposta de austeridade da Europa, é cruel, parece que a proposta da troika – Comissão da União Europeia, Fundo Monetário Internacional e Banco Central Europeu – tem uma função punitiva para a Grécia. Inclusive, vazou um documento do FMI dizendo que a Grécia não tem condições de pagar suas dívidas atuais, e, portanto, o povo grego percebeu, e o “não” foi uma mensagem muito clara em relação a isso.
S: O que lhe disseram seus colegas participantes do encontro sobre o Governo do Alexis Tsipras e sobre o Partido Syriza? Eles veem no Tsipras e no Syriza uma forma ideal de governo?
AG: Eu acho que talvez não ideal, mas o Syriza é uma coligação, é uma frente de diferentes partidos de esquerda, desde partidos socialdemocratas até partidos mais radicais de esquerda. Essa frente sai desse referendo extremamente fortalecida. Eu havia conversado com algumas pessoas, inclusive uma que dizia, muito pessimista, que achava que apesar de tudo o “sim” ganharia, que era um passo grande demais e que isso seria um grande problema para a nação grega. Eu imagino como essa pessoa esteja feliz depois do resultado absolutamente – dada a sua dimensão – surpreendente. Eu esperava que o “não” pudesse ganhar, mas não da maneira como ganhou. Então, acho que o Syriza sai muito fortalecido mas vai ter que mostrar resultado.
S: O desemprego está muito alto na Grécia?
AG: Depende de como se medir. Podemos considerar empregada uma pessoa que trabalha só sete horas por semana? As diferentes medidas na Grécia indicam que 25% até 30% da população em geral estão desempregados, e entre os jovens o nível de desemprego é inacreditável, chega a passar de 50%. Estamos falando de uma geração inteira que não tem perspectiva, embora tenha sido bem preparada. É muito alto e muito triste.
S: A Grécia, que tem um passado brilhante, é hoje um país sem futuro?
AG: O resultado do plebiscito no domingo traz mais esperança para a Grécia. Vamos colocar o que ele significou: não é um plebiscito “queremos ou não ficar no euro”, não é isto que está em jogo, é um plebiscito se a população aceita uma última proposta de austeridade que havia sido feita pela UE, FMI e Banco Central Europeu ou se eles recusam isso. E eles recusaram. Qual foi a mensagem aqui? A mensagem é: “o limite foi atingido, não aguentamos mais, nós queremos um outro tipo de política e, sim, estamos dispostos a pagar o preço que seja, pode ser até sair da Zona do Euro, o que ainda não está decidido, mas nós pagaremos este preço”. Acho que o futuro foi reconquistado, pelo menos enquanto esperança para o provo grego, esperança de que eles serão uma nação soberana que vai construir seu futuro. A mensagem para Bruxelas é clara. A UE tem passado por problemas enormes, deixou de ser aquele projeto lindo, de unificação de povos, um projeto da população, e cada vez se torna mais um projeto das elites econômicas europeias, e se continuar assim esse projeto vai acabar.
S: A União Europeia tende a se desmembrar? Dentro de dois anos teremos um referendo na Grã-Bretanha com a população britânica dizendo se quer ou não continuar na UE.
AG: Surpreendentemente, já há sinais em algumas pesquisas, ainda sinais isolados, de que talvez a população britânica diga “sim”. O projeto europeu só vai sobreviver se voltar a ser um projeto para o povo da Europa. Se continuar a ser um projeto para as elites, esse projeto vai acabar.
S: A União Europeia é um bloco cada vez mais nas mãos de Alemanha e França? E, sobretudo, da Alemanha?
AG: Eu diria que ele é um bloco cada vez mais nas mãos de uma pequenina elite que está distribuída pelo continente mas concentrada na Alemanha, França, nos países maiores, claro. Mas essa pequenina elite é que tem defendido a UE em todos os países. Por exemplo: foi essa elite que fez a campanha do “sim” na Grécia. O líder da campanha, Anthony Samaras, é um político impopular, que já perdeu uma eleição, cuja mensagem era basicamente que os gregos não tinham alternativa, que era só isso que dava para fazer, aceitar a austeridade – e pronto. E recebeu uma mensagem muito clara do povo grego de que não dá mais para fazer política assim.
S: Até a semana passada havia um esforço claro para que Anthony Samaras, ex-primeiro-ministro da Grécia, fosse reconduzido ao poder, em função de um eventual afastamento do Primeiro-Ministro Alexis Tsipras. Tenho a impressão de que não era essa a intenção do povo grego.
AG: Mais de 61% dos votos para o “não” mostraram sem sombra de dúvida que a maneira velha de conduzir a política econômica na Europa já começa a fazer água. A Grécia mandou uma mensagem importantíssima para toda a Europa.
S: Apesar de toda a dificuldade econômica que está vivendo...
AG: Especialmente por ser nesta circunstância de dificuldade, de eles saberem que o voto no “não”, diferentemente do que alguns órgãos de imprensa publicaram, não é um voto iludido, de que tudo vai se resolver, não é nada disso, eles sabem que vai ser difícil. Mas eles preferem o caminho da dificuldade com soberania e com a busca de uma justiça social maior do que ceder à pressão de Bruxelas e dos outros atores.
S: Falávamos há pouco sobre qual o futuro possível da Grécia. Vamos considerar que a Grécia e em especial Alexis Tsipras têm recebido um apoio político decisivo do presidente da Rússia, Vladimir Putin, e econômica e financeiramente parece que este auxílio de forma direta e imediata virá da China. O senhor tem esta avaliação?
AG: Existe uma grande mentira quando se fala que a Grécia não tem nada para exportar, é uma economia morta, um país atrasado. Isto é uma mentira. A Grécia é um país que tem muita coisa. Não é só a indústria turística, tem muitas possibilidades. Tenho a impressão de que Rússia e China enxergam essa possibilidade de ajudar a Grécia e de fazer bons negócios. Muita gente aciona a teoria da conspiração envolvendo Rússia e China, mas na verdade eles veem possibilidades de negócios que a Europa tem recusado para a Grécia. Tenho a impressão de que irá sair bastante negócio. Pode ser que num momento de maior desespero, se realmente a UE partir para “vamos destruir a Grécia”, o que também acho improvável, pode vir um auxílio econômico da China, mas certamente as conversas do Primeiro-Ministro Tsipras em Moscou, com Putin, também reforçaram sua posição. O que ele estava fazendo lá? Garantindo que, caso a Europa resolvesse realmente partir para o ataque mais frontal econômico com a Grécia, causando mais dor ainda ao povo grego, ele teria onde se socorrer. Tenho certeza de que esta conversa vai dar frutos mais para a frente.
S: Vai acontecer nesta semana em Ufá, na Rússia, a 7.ª Conferência de Cúpula dos BRICS. A questão grega será inevitavelmente abordada pelos chefes de Estado de Brasil, Rússia, China e África do Sul e o chefe de Governo da Índia, e a Rússia já havia convidado a Grécia para ser o primeiro cliente do Novo Banco de Desenvolvimento do BRICS. O senhor acredita que haverá espaço para discutir a questão grega nesta reunião de Cúpula do BRICS?
AG: Eu acho que será inevitável. Seria uma demonstração muito positiva de um processo de solidariedade que todos esperamos que o Banco do BRICS desempenhe no planeta. Se houvesse algum tipo de apoio, por menor que fosse, simbólico, seria muito forte. Eu espero que isso aconteça. Sem dúvida alguma a discussão acontecerá.
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