O golpe de
Estado
e o estado de golpe
Teria a sanha golpista do antipetismo criado um mecanismo autofágico para um permanente estado de golpe?
Sergio Saraiva, em seu blog
“A Câmara dos Deputados começou a abrir caminho para o julgamento das contas de 2014 do governo Dilma Rousseff... Os auditores do TCU apontaram várias irregularidades... e tudo indica que o tribunal recomendará ao Congresso sua rejeição em agosto. Se a recomendação do tribunal for seguida pelos parlamentares, qualquer cidadão poderá usar a reprovação das contas como justificativa para pedir à Câmara o impeachment de Dilma...”.
Lendo a matéria da Folha de S. Paulo(AQUI), neste domingo-12jul2015, parece que estamos, como se tornou comum desde o dia 27 de outubro de 2014, mais uma vez, às vésperas do golpe institucional que irá retirar Dilma Rousseff do poder.
Nada mais verdadeiro e nada mais falso.
Realmente, a Lei Complementar 101/2000 – a lei de responsabilidade fiscal, que seria utilizada, segundo a Folha, pelo TCU – Tribunal de Contas da União para recomendar a rejeição das contas de 2014 do governo Dilma, determina punições inclusive pela Lei 1079/50 - a lei do impeachment. E a lei do impeachment permite a qualquer cidadão apresentar perante a Câmara dos Deputados uma denúncia contra a Presidência da República.
Daí a que a denúncia possa ser aceita vai uma grande distância.
Abaixo veremos a necessidade para a estabilidade da governança de discutirmos se “pedaladas” - haja criatividade para a novilíngua da mídia de oposição, consideradas indevidas são de responsabilidade da Presidente, do Ministro da Fazenda ou do Secretário do Tesouro. É necessário que exista responsabilidade definida pelo ato condenável que dá causa ao processo de impeachment. Não é por menos que a lei não cita a cassação de mandato do vice-presidente da República. Vice-presidente só tem autoridade de facto, e, logo, responsabilidade, quando está presidente em exercício.
Mas, neste ponto, parece-me mais oportuno discutirmos o calendário.
O artigo 15 da Lei 1079/50 não deixa dúvidas: “a denúncia só poderá ser recebida enquanto o denunciado não tiver, por qualquer motivo, deixado definitivamente o cargo”.
E o motivo desse artigo não é apenas o óbvio de que não se pode cassar mandato que já não exista. Como a condenação produz efeitos para além da perda do mandato, inabilita o condenado para exercício de função pública posterior à condenação, tal artigo tem o objetivo de proteger o presidente de perseguição política, promovida no Legislativo, após o término de seu mandato.
E, a menos que eu tenha perdido algo muito importante nessa discussão, as contas de 2014 do governo Dilma referem-se ao mandato que se encerrou em 31 de dezembro daquele ano. E o atual mandato da presidente não guarda relação com o anterior, muito menos é extensão dele. Se o continua, é porque Dilma venceu uma nova eleição. O Presidente poderia ser Aécio, mas essa não foi a decisão da maioria dos eleitores. Alguém imaginaria responsabilizar um hipotético Presidente Aécio por atos do finado mandato de Dilma?
Logo, uma denúncia, neste instante, contra o mandato anterior de Dilma não poderia ser aceita com base na Lei 1079/50 e, por via de consequência, não teria o poder de iniciar um processo de impeachment que se aplicasse ao atual mandato.
Vivemos uma quadra em que a letra da lei parece não ter importância.
Já vimos o STF invocar autoconcessão de poder para cassar mandatos quando a Constituição diz que só quem tem voto pode fazê-lo. Já vimos Ministros do Supremo afirmar que a literatura jurídica substitui a necessidade de provas para condenação ou que o “domínio do fato” delas prescinde. Temos hoje nas cadeias prisioneiros não julgados cumprindo penas de prisão preventiva, ainda que isso mais seja afeito à teratologia do que ao Código de Processo Penal. E assistimos estarrecidos a decisões da Câmara dos Deputados tomadas ao meio-dia com as galerias lotadas serem revistas na calada da noite da madrugada do dia seguinte.
Mesmo assim, parece-me que o artigo 15 da Lei 1079/50 não deixa margem para qualquer interpretação feita de boa fé.
Vejamos, então, 2014 não tira o mandato de Dilma. Mas 2015 sim. E 2016 e ...
Teríamos criado o mecanismo para um golpe de Estado oriundo de um permanente estado de golpe?
A Lei Complementar 101/2000 é bastante extensa e o governo federal complexo o suficiente para que relatores do TCU que não se pejem em emitir pareceres usando verbos no futuro do pretérito possam recomendar a rejeição da mais pura das prestações de contas. Um desafeto na presidência da Câmara dos Deputados completaria o estrago.
Mas poderíamos responsabilizar a Presidência da República por quaisquer dos atos administrativos do governo que fossem considerados para a rejeição das contas?
Não creio.
Responsabilização com o sentido de culpabilidade exige ato com nome e número de documento definidos.
Por mais que algumas pessoas, incluindo de jornalista a juízes, pareçam acreditar que os artigos das leis não necessitam ser aplicados na sua íntegra quando se trata de atribuir culpa ao PT, a se admitir a possibilidade da aplicação combinada da Lei Complementar 101/2000 com a Lei 1079/50 sem a necessária individualização das responsabilidades, não haveria, a partir de então, mandato presidencial que durasse mais de um ano sem sofrer um pedido de impeachment, fosse ele do PT ou de qualquer outro partido que assumisse a presidência.
Claro está que nada é tão automático assim. A Lei que prevê a denúncia também prevê a necessidade de provas e a análise da validade dessas provas como condição para a aceitação ou não da denúncia. Prevê, como salvaguarda, que a Câmara dos Deputados decida pela aceitação da denúncia, mas que o julgamento seja feito pelo Senado, diligências, acusação e defesa. Isso tudo com a participação de todos os partidos representados no Congresso.
Mas qual o custo da instabilidade permanente de um impensável processo autofágico onde a oposição aplicaria no governo de hoje um golpe com o qual seria golpeada amanhã quando os papeis se invertessem?
Algo tão insólito que a sua simples cogitação já o torna um tema sobre o qual deverá ser estabelecido consenso se queremos o aperfeiçoamento institucional da nossa democracia.
COMENTÁRIO DO INTERNAUTA GILSON RASLAN:
Para configuração do crime de responsabilidade são exigidos três requisitos, a saber:
1) DOLO, que é a vontade livre e deliberada de praticar um ato juridicamente relevante. Como se sabe, a Presidenta Dilma não autorizou e não determinou as Instituições Financeiras Públicas (Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal) a efetuarem os pagamentos dos benefícios sociais, sem que o Tesouro tivesse fundos para aqueles pagamentos. Tais pagamento, com ou sem fundos do Tesouro nas instituições financeiras federais, eram praxes desde o governo FHC. Portanto dolo da Presidenta não houve, nem por omissão, já que não se pode exigir de um Presidente da República conhecimento de atos meramente contábeis.
2) VANTAGEM INDEVIDA DO AUTOR OU DE TERCEIROS: nem a Presidenta nem qualquer outra pessoa se locupletaram indevidamente com as verbas pagas pelas instituições financeiras.
3) PREJUÍZO AO ERÁRIO: os benefícios sociais pagos são vantagens garantidas por lei a determinadas pessoas ou grupos sociais. Portanto, não houve prejuízo da União.
Assim sendo, se o TCU rejeitar as contas da Presidência da República pelas tais "pedaladas fiscais" inventadas pelos tucanos, estará agindo ao arrepio da lei e por questões de engajamento político com a oposição, decisão que, se levado à apreciação do STF, mesmo antes da apreciação pelo Parlamento, se ainda houver Justiça neste país, com certeza, será liminarmente reformada."
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