sexta-feira, 5 de julho de 2013

PREFEITO DO PT COMEÇA A ENQUADRAR BARÕES DOS ÔNIBUS PAULISTANOS

São Paulo: o impensável

tornou-se obrigatório     


   


O júbilo conservador, que sepultou o mandato do prefeito Fernando Haddad nos protestos de junho em São Paulo, talvez tenha cometido o erro de colocar o uivo à frente do discernimento. 

A exemplo do universo político brasileiro, o prefeito subestimou o alcance da insatisfação contida em um reajuste de 20 centavos que resistiu em revogar.

A grandeza revelada nas ruas, antes de afrontar talvez tenha adicionado o impulso que faltava à identidade de esquerda da nova gestão.

Haddad precisa refundar seu governo.

A boa notícia é que ele dispõe de tempo para isso mas, sobretudo, as circunstancias agora o favorecem.

O recomeço involuntário encerra um espaço de coerência política de que antes não dispunha.

Outra boa notícia é que ele já está sacando o bônus propiciado pelas ruas.

Entre o carro e o ônibus o prefeito não precisa mais incluir reticências na escolha.

Antes que a poeira baixasse, suspendeu a maior licitação de linhas de ônibus da cidade.

Planeja rediscutir as bases dos contratos com uma cidadania organizada, devidamente informada pela abertura do caixa preta das empresas.

Na sequência, lançou o maior corredor de ônibus da história de SP.

Quase simultaneamente, suspendeu o gasto com a construção de um túnel projetado pelo antecessor, idealizado para encurtar a rota dos automóveis ao litoral. 

Quanto mais rápido reordenar as coisas, mais consistente será o seu renascimento.

E mais surpreendente pode vir a ser a progressão de seu mandato.

Não só.

Todo acerto de Haddad em São Paulo dificultará a escalada do esbulho, com o qual a restauração conservadora quer revestir de veludo os sinos da mudança repicados nas ruas. 

Para reverter esse jogo pesado, o prefeito deve armar-se do desassombro que a hora pede e permite.

Como tem feito, por exemplo, o governador gaúcho, Tarso Genro (leia nesta pág. as iniciativas de diálogo com sociedade criadas no RS). 

Os protestos demonstraram que SP tem uma déficit estrutural de canais de 'escuta forte da cidadania'. 

Ótimo: expandir a democracia não exige licitação; pode ser feito imediatamente. 

O requisito é que não seja um penduricalho ornamental do poder, mas possa incidir, de fato, na gestão da metrópole.

O prefeito pode fazer desse alicerce uma construção pedagógica.

E aprender junto com movimentos e lideranças sociais, inclusive aquelas portadoras de mandato. 

Por exemplo, elegendo obra ou benfeitoria referencial em cada região, para construí-las juntamente com moradores, em reuniões periódicas de projeto e acompanhamento.

O orçamento participativo a ser reinventado em grandes concentrações urbanas requer um misto de tecnologia de consulta massiva e participação presencial nos bairros. 

É a combinação que dará escala política e densidade organizativa à população para escrutinar e sustentar escolhas e diretrizes que afetam interesses incrustrados no poder da metrópole.

Ela permitirá a Haddad, ainda, contemplar um imperativo impostergável: revolucionar o sentido prático da palavra 'ônibus' na vida da população. 

Não é exagero preconizar aqui um plano de gestão com objetivos próprios e outros transversais a toda administração. 

O prefeito só consolidará seu mandato se melhorar substancialmente os indicadores em torno desse emblema negativo, no qual milhões de pessoas passam algumas das horas mais infelizes de suas vidas.

O principal, e antes de mais nada: a velocidade dos deslocamentos pode registrar uma inflexão a curto prazo.

Despida da restrição imposta pela hegemonia política do transporte individual, a rede de corredores de ônibus, pela primeira vez, tem respaldo para se impor como eixo central do sistema viário paulistano. 

Mas não basta velocidade. 

O ônibus e o ponto de embarque foram incorporados ao relógio biológico de milhões de paulistanos como ponteiros de uma recarga de desumanização cotidiana. 

Há que se afrontar essa danação sócio-metabólica.

A bordo, com TVs, noticiosos, livros, cursos rápidos, exposições, um novo design e veto à superlotação.

Nos pontos, com serviços acessíveis, através do cartão do bilhete único mensal: telefone, internet, correio;venda automática de ingressos culturais, livros etc. E informações em tempo real sobre o trânsito e o posicionamento dos carros da linha.

Uma reversão como essa não pode depender da lógica exclusiva do interesse privado na reciclagem do transporte coletivo. 

Uma empresa espelho, de natureza pública, terá que ser criada para funcionar como laboratório de inovações, capaz de testar e validar diretrizes a serem implantadas e exigidas do conjunto das concessionárias .

Uma refundação como essa, fortemente apoiada em um tripé feito de mais democracia, mais mobilidade, mais dignidade e acesso crescente a serviços e cultura não ocorrerá sem uma rede abrangente de comunicação.

Ela é indispensável para traduzir avanços administrativos em densidade política incremental. 

A mídia conservadora não será esse canal. Ao contrário. 

Esse papel cabe à mídia progressista que precisa, ela mesma, despertar para a pauta de uma São Paulo onde o impensável se tornou obrigatório.

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