Leonardo Boff: "Francisco é um libertador sem usar a expressão Teologia da Libertação"
"Esta visita será importante para o mundo inteiro", diz Boff por telefone, desde a serra. "Vai permitir ver a linha política, teológica. Ele vem num momento de grande inquietação da juventude. Já declarou em Roma que os políticos devem escutar a voz da rua e que os protestos são legítimos."
Resta ver como isso se confirmará: "Ele fará dois tipos de discursos. Um dirigido aos políticos, cobrando transparência, atenção à rua, abertura à participação popular. Outro dirigido aos jovens, com um apelo à vitalidade, para ajudar à transformação: não que sejam melhores cristãos, mas que sejam melhores pessoas. Fará uma crítica dura à violência dos vândalos, mas a tônica será positiva."
E não centrada no reforço da igreja. "O foco é a desigualdade, a fome, evitar uma possível catástrofe mundial. Como a igreja pode ajudar a humanidade a superar a sua crise." Uma visão diferente da anterior, diz. "Os dois últimos Papas viam a igreja como uma fortaleza sendo atacado por todos os lados, mas era uma fortaleza em ruínas, cheia de pedófilos, padres, bispos, três cardeais. E corrupção financeira, com os escândalos do Banco do Vaticano utilizado pelas máfias. Quando Bento XVI recebeu o relatório com tudo isso, disse: não tenho força psíquica nem física. E abdicou."
O seu sucessor "é um Papa do Terceiro Mundo, da América Latina, e a igreja aqui fez opções muito importantes pelos pobres desde os anos 50". Daí veio a Teologia da Libertação, movimento que o Vaticano condenara como 'pró-marxista'.
"Francisco é um libertador sem usar a expressão 'Teologia da Libertação'. É um Papa para reforçar as pastorais sociais, dos sem-tecto, das mulheres, dos indígenas, do ambiente. Ele vem desse tipo de igreja, que não é romana, europeia e vai continuar a linha dessa igreja. O discurso dele é o que fazemos há muitos anos. Ele próprio diz que é um peronista, da teologia da cultura popular. Faz críticas duras ao sistema capitalista global, que está a martirizar países como a Grécia e Portugal. Ele vai fazer polémica contra isso, reconciliando a comunidade teológica."
Conheceram-se em 1970. O atual Papa era então o padre Bergoglio. E Boff, franciscano, dá grande importância ao fato de, sendo jesuíta, ter escolhido chamar-se Francisco. "Não é um nome, é um projeto de igreja. Ele escutou esse apelo franciscano: vai e restaura a minha igreja arruinada. É um jesuíta sagaz com espírito franciscano, que pode fazer intervenções duras. Tem uma bondade, um desapego pessoal, e mão firme."
Fundamental para enfrentar "uma Cúria com mais de 1000 anos e 1000 mecanismos", sublinha. "Então ele escolheu oito cardeais do mundo inteiro. Será o primeiro governo colegial para dirigir a igreja. Juntos vão fazer a reforma."
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