Diretor do Vox Populi afirma que Datafolha usa amostra errada
Há duas semanas, este Blog publicou entrevista com Mauro Paulino, diretor do instituto Datafolha, sobre dúvidas que surgiram na Blogosfera sobre a última pesquisa daquele instituto sobre a imagem da presidente Dilma Rousseff e sobre a corrida para a sucessão presidencial.
Segundo alguns blogs, o Datafolha teria usado dados distorcidos sobre escolaridade dos entrevistados por diferirem dos dados oficiais do Tribunal Superior Eleitoral sobre o eleitorado. E como a pesquisa foi eleitoral haveria, aí, uma dúvida sobre sua veracidade.
O diretor do Datafolha argumentou que os dados do TSE são defasados e que pela sua própria metodologia o instituto constatou forte queda da presidente em todos os estratos sociais, regiões do país e em todas as faixas etárias e de gênero.
Surge, na terça-feira, pesquisa da Confederação Nacional dos Transportes (a 114ª) que deixou de ser feita com o instituto Sensus e agora se vale do instituto MDA. Essa pesquisa acaba confirmando o Datafolha, em larga medida.
Agora, o diretor do instituto Vox Populi, doutor Marcos Coimbra, fala ao blog sobre a metodologia do Datafolha, que considera errada, e sobre o quadro político, manifestações e sobre as eleições de 2014.
A longa entrevista, que durou cerca de uma hora, você confere abaixo.
Blog da Cidadania – Doutor Marcos, quero pedir que comente a pesquisa Datafolha divulgada recentemente e também a pesquisa MDA, feita para a Confederação Nacional dos Transportes e divulgada na última terça-feira.
Ambas mostraram uma pronunciada queda de aprovação da presidente Dilma Rousseff. Nesse aspecto, também peço seus comentários sobre a explicação que o diretor do Datafolha, doutor Mauro Paulino, deu a dúvidas que surgiram sobre a amostragem do nível de escolaridade de seus entrevistados, pois aquele instituto deu um peso muito maior aos eleitores com nível superior do que aquele que é dado pelo TSE.
Segundo o diretor do Datafolha, seu instituto usa uma outra amostragem porque a amostra do TSE, segundo ele, seria “defasada” em relação à realidade atual. O senhor concorda com ele?
Marcos Coimbra – Bom, Eduardo, o TSE não tem uma atualização das estatísticas sobre o eleitorado. As suas são baseadas no registro do eleitor ao se cadastrar ou se recadastrar como tal na Justiça Eleitoral a fim de tirar ou renovar o título de eleitor. Nesse sentido, acaba havendo uma sub-representação da parcela do eleitorado que adquire mais escolaridade depois de se registrar na Justiça Eleitoral.
Porém, a amostragem que o Datafolha utiliza em suas pesquisas difere alguma coisa da distribuição do eleitorado, a qual o instituto obtém através de fontes censitárias como as PNADs (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) feitas anualmente pelo IBGE…
Blog da Cidadania – Doutor Marcos, então o Datafolha usa dados da PNAD, é isso?
Marcos Coimbra – Não, não é bem isso. O Datafolha obtém no campo a escolaridade. Não vai para o campo com uma cota de escolaridade, como o Mauro Paulino respondeu à sua indagação. Eles têm apenas o sorteio de alguns setores censitários como o tamanho da população distribuído por diferentes categorias de porte urbano e em cada setor a cota é apenas de gênero e de idade. Então, o que eles têm é uma cota em que o entrevistador [do Datafolha] é obrigado a fazer uma determinada proporção de acordo com as faixas etárias e de acordo com o gênero, mas ele não vai para o campo com uma cota de escolaridade ou de renda ou de qualquer outra informação socioeconômica…
Blog da Cidadania – Mas isso não distorce a pesquisa? Porque na pesquisa Datafolha a amostragem de eleitores com nível superior é bem maior do que a do TSE.
Marcos Coimbra – É ligeiramente maior… Quer dizer, que a do TSE é realmente muito maior, como você diz, mas não muito maior do que no IBGE. A proporção no IBGE de eleitores com escolaridade superior é um pouco menor do que a do Datafolha, assim como a proporção de eleitores com ensino fundamental é maior. Mas concordo que a amostragem desses dados não deve ser feita com base no registro do eleitor no TSE porque esse registro é de fato defasado, pois conforme o tempo vai passando desde o registro do eleitor na Justiça Eleitoral as pessoas vão adquirindo mais escolaridade.
Blog da Cidadania – Sim, isso foi o que disse o doutor Paulino. Nesse aspecto, então a argumentação dele está correta?
Marcos Coimbra – Sim, mas o problema na amostra do Datafolha é a não representação da população residente em zona rural. Essa população não é incluída nas sondagens do instituto Datafolha e representa cerca de vinte por cento do eleitorado brasileiro.
Ora, se nós estamos discutindo a imagem da presidente Dilma, a população que reside em zona rural – que o Vox Populi e o Ibope pesquisam – dá uma aprovação bem mais alta a ela do que a população residente em zona urbana.
Mas também há uma outra discrepância na amostra do Datafolha, na distribuição da população em pequenos municípios, com menos de cinco mil eleitores, onde também é maior a aprovação de Dilma.
Então, a discrepância no nível de escolaridade do entrevistado pelo Datafolha é menos impactante do que a discrepância nessas outras variáveis a que me referi.
Blog da Cidadania – Então o problema seria quanto aos pequenos municípios e à zona rural?
Marcos Coimbra – Explico melhor: o problema é que nós, do Vox Populi, trabalhamos com a distribuição do eleitorado e o Datafolha trabalha com a distribuição da população. Por isso é que existe uma discrepância na representação da parcela residente em municípios pequenos, porque a proporção de eleitores nesses municípios é desproporcional em relação à população em geral.
Blog da Cidadania – Isso inclui a zona rural, também, que não aparece…
Marcos Coimbra – A zona rural definitivamente não entra na amostra do Datafolha. E existe uma sub-representação de eleitores residentes em municípios de pequeno porte. Em municípios de vinte mil eleitores para baixo, a representação no Datafolha é inadequada.
Blog da Cidadania – Doutor Marcos, o Vox Populi vai fazer alguma sondagem sobre a popularidade da presidente e sobre a corrida eleitoral?
Marcos Coimbra – Nós vamos divulgar, nos próximos dias, uma sondagem feita em parceria com a revista Carta Capital. Nós já fizemos uma primeira rodada no mês passado e agora estamos fazendo a programação de campo para uma segunda rodada no final de julho.
Blog da Cidadania – Sobre a pesquisa MDA, feita para a CNT e divulgada nesta semana – e que apontou quase a mesma forte queda de Dilma –, o senhor sabe se esse instituto usa os parâmetros do Vox Populi ou se usa os do Datafolha?
Marcos Coimbra – Não conheço a metodologia do instituto MDA. É apenas a segunda vez que esse instituto divulga um resultado nacional. Até então vinha fazendo pesquisas regionais. [Nota do Blog: o instituto MDA só fez pesquisas para a CNT em junho e em julho].
Blog da Cidadania – Seja como for, então o senhor entende que, mesmo havendo uma queda maior ou menor, houve, sim, uma queda forte na popularidade da presidente Dilma…
Marcos Coimbra – Nós concluímos no dia 11 de junho aquela primeira pesquisa que fizemos em parceria com a revista Carta Capital. Foi pouco antes de uma manifestação do Movimento Passe Livre. Então, cerca de dois dias antes daquela manifestação, já se percebia que estava ocorrendo um processo de queda na avaliação positiva do governo e da presidente da República. Em grande parte, aquela queda vinha sendo provocada pela deterioração das expectativas relativas à economia e pela percepção de problemas no que se refere à inflação.
Antes de começar esse ciclo de protestos e manifestações o governo federal já estava enfrentando problemas de imagem. Em relação a outras pesquisas nossas, a presidente já vinha enfrentando uma queda mínima de 10 pontos em praticamente todos os setores [Nota do Blog: setores por escolaridade, renda, região, idade e gênero]
Blog da Cidadania – Mas doutor Marcos, o noticiário sobre problemas na economia e a própria percepção das pessoas sobre problemas nessa mesma economia não se alterou em maio ou em junho, é uma coisa que já se arrasta há algum tempo. Agora, houve uma queda muito mais abrupta no espaço, vá lá, dos 30 dias de junho. Até que ponto, então, o senhor acredita que as manifestações aprofundaram e aceleraram esse processo de desgaste de imagem de Dilma?
Marcos Coimbra – O que ocorre é que o governo entrou nesse momento novo já fragilizado. É verdade que essa fragilização se deveu muito mais à deterioração subjetiva do que objetiva da economia brasileira. Um problema de certa forma crônico que há na economia brasileira e com o qual convivemos desde o Plano Real, que é um nível de inflação na casa de 4, 5 ou 6 por cento ao ano, foi transformado por ação política em um problema agudo, como se estivéssemos atravessando um período de descontrole, descalabro, ameaça de hiperinflação.
O alarmismo foi tão grande que no começo do ano começou-se a falar em apagão elétrico, do nada…
Blog da Cidadania – Ou seja, o senhor atribui à mídia, ao noticiário, um certo efeito de exacerbar uma situação que não chega a ser tão grave?
Marcos Coimbra – Completamente. Nós tivemos uma ação deliberada de desconstrução da imagem do governo fundamentalmente a partir de uma crítica à política econômica que acabou transformando a realidade em um cenário de problema agudo e descontrolado.
Blog da Cidadania – Mas doutor Marcos, aí o que a gente não entende é o seguinte: a mídia exacerba os problemas da economia há muito tempo, desde o governo Lula. Por que só agora esse comportamento dos meios de comunicação surtiu efeito?
Marcos Coimbra – Bom, primeiro acho que tem havido uma dose “a maior” nessa “cartelização” de opiniões sobre o problema econômico. E acredito que nós estamos chegando a um ano de um período de maior bombardeio e de consequente mais intenso desgaste da imagem do governo.
A coalizão governista, o Partido dos Trabalhadores e as lideranças do Partido dos Trabalhadores começaram a sofrer no meio do ano passado com o julgamento do mensalão, que se tornou um assunto obsessivo para a imprensa brasileira. Do ano passado até agora, eu não tenho memória de um período análogo durante o governo Lula. A não ser durante o período de 2005…
Blog da Cidadania – Exatamente…
Marcos Coimbra – Fora do período de 2005, nem antes e nem depois Lula enfrentou um ano de desgaste tão intenso quanto Dilma enfrentou do julgamento do mensalão em diante, com essa sucessão de críticas à capacidade gerencial do seu governo e, agora, com essas manifestações, vistas claramente, pela mídia, como um sinal de desejo de mudança. E desejo de mudança obviamente que torna alvo quem está no Poder central.
Blog da Cidadania – Eu só não entendo, doutor Marcos, é que o problema de mobilidade urbana é um problema que tem muito mais relação com os governos estaduais e municipais do que com o governo federal. E a polícia que intensificou os protestos por conta de sua violência, da sua truculência em São Paulo, é uma polícia controlada pelo governo do Estado de São Paulo. Ora, foi essa polícia que fez essas manifestações adquirirem a dimensão que adquiriram. Então o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, põe a polícia dele na rua para bater no povo e a presidente da República é quem paga o pato?
Marcos Coimbra – Não, quem paga é todo mundo. Também houve queda de aprovação de prefeitos e governadores pelo país afora e essa queda tem a ver com uma distribuição mais ou menos difusa de responsabilidades…
Blog da Cidadania – Mas a queda da presidente foi muito maior…
Marcos Coimbra – No nosso sistema político, a presidente da República acaba sendo mais responsabilizada. A população se acostumou a achar que “isso é coisa da Dilma”, é “coisa do governo federal”. Enfim, é tudo “culpa deles” e nesse “deles” quem se destaca é o presidente, ou, no caso, a presidente da República.
Blog da Cidadania – Agora o senhor veja uma coisa. Levantei um dado muito interessante. A entrevista de Roberto Jefferson à Folha de São Paulo em 2005, que foi o que detonou o escândalo do mensalão, foi publicada no dia 6 de junho daquele ano, e foi no mesmo dia 6 de junho deste ano que ocorreu a primeira grande manifestação do Movimento Passe Livre em São Paulo.
Em 2005, a popularidade do presidente Lula foi caindo desde junho até dezembro e já no comecinho de 2006 ele se recuperou e venceu a eleição. Que paralelo o senhor traçaria sobre essa coincidência? Afinal, é exatamente ao mesmo tempo de distância da eleição que surge um terremoto político que causa exatamente o mesmo efeito na popularidade do governo e na de seu – ou da sua – titular.
Enfim, o senhor acredita em uma recuperação da imagem da presidente ou acha que vivemos um momento novo e que, por isso, não dá para fazer esse link com 2006?
Marcos Coimbra – Bom, primeiro acho que é semelhante, sim. Em 2005, as oposições políticas e civis consideraram que o governo não conseguiria chegar a 2006 em condições competitivas. Mas agora, conhecendo a experiência de 2006, acredito que não voltaremos a ter uma coisa semelhante, no sentido de as oposições se acomodarem e esperarem Dilma “sangrar” naturalmente. Elas insistirão na estratégia – ou em uma soma de estratégias – de não dar trégua, de forma a não perderem a eleição de 2014.
Temos que entender que a derrota no ano que vem seria muito complicada para as oposições, porque significaria que elas chegariam a 2018 em condições muito difíceis de disputa. Seria preciso até balizar com que nomes elas chegariam até lá.
Assim sendo, como Dilma foi adquirindo uma popularidade muito alta, passou a ser fundamental intervir o quanto antes para evitar que o cenário de uma vitória dela em 2014 se consolidasse.
Blog da Cidadania – O senhor acha que essas manifestações foram espontâneas ou o senhor vê uma estratégia política, uma utilização dessas massas na luta para recuperar o poder?
Até onde se sabe, alguns partidos de esquerda como o PSOL e o PSTU influenciaram as manifestações. Depois essas manifestações foram tomadas, praticamente, pela direita e inclusive por movimentos de ultradireita, tais como neonazistas etc.
Haveria alguma estratégia política por trás das manifestações?
Marcos Coimbra – Não tenho nenhuma informação que comprove que tudo se deu a partir de uma estratégia concentrada a partir de um núcleo político qualquer, mas isso não quer dizer que as manifestações não acabaram tendo essa consequência de minar a popularidade do governo. Porque, a meu ver, a grande maioria dos manifestantes Brasil afora, o grosso dessas manifestações, sempre foi para o antipetismo.
Blog da Cidadania – Daqui até as eleições, que possibilidades o senhor enxerga para o governo retomar a boa condição política que tinha até meados de maio?
Marcos Coimbra – Primeiro, nós temos um ano e alguns meses até a eleição. Em um ano, como já vimos em governos anteriores, foi possível se recuperarem.
A questão é que os problemas não são basicamente econômicos. Os sinais são confusos. Tenho visto, nos últimos dias, pessoas que não têm nenhuma simpatia pelo governo ou pelo PT dizendo que é muito provável que tenhamos um crescimento na economia deste ano bem maior do que o do ano passado. Assim como é muito provável que tenhamos inflação sob controle até o final do ano.
Então, com inflação sob controle, pleno emprego, população com poder de compra alto e crescimento melhor será muito difícil insistir na argumentação de que o país está indo à bancarrota, que foi praticamente o tema desses últimos 3 ou 4 meses.
Além disso, a favor de Dilma tem um fator que é muito forte em nossa cultura que é a inércia da reeleição. As pessoas refletem que é até possível que este governo não seja o ideal, mas sabem que os outros políticos que conhecem não fizeram muito melhor.
Blog da Cidadania – Só o que preocupa, doutor Marcos, é que não se acredita que a população tenha sentido na pele qualquer tipo de problema antes de ocorrer o terremoto político dos últimos meses. O emprego vem crescendo há muito tempo. Até aqui, o país vem vivendo uma situação de pleno emprego e crescimento da renda.
Então, a pergunta é: o que levou um setor da sociedade – acho que o senhor irá concordar que foi uma classe social que foi à rua e não “o povo” – a se manifestar não foi um sentimento de piora na qualidade de vida.
A população em geral não perdeu qualidade de vida. Ainda assim, comprou essa ideia de que o país estava indo mal. A queda da popularidade do governo, então, pode ter sido causada por um pico de inflação, aquela história do tomate, ou o que mais, de concreto, pode ter gerado tanto descontentamento?
Marcos Coimbra – Veja que não houve uma deterioração objetiva da economia, no sentido de as pessoas sentirem problemas na pele. O que nós estamos falando é que foi construída uma imagem – que é muito mais subjetiva do que objetiva – de que o país estava “indo mal” e um dos “sintomas” desse “estar indo mal” vêm sendo o baixo crescimento da economia e o aumento da inflação. E então esses dois temas foram insistentemente tratados por toda indústria da comunicação nos últimos seis meses e isso teve efeito.
Não que as pessoas estivessem vivendo uma crise, mas ficaram com a sensação de que as coisas estavam “indo mal”. Ficaram inseguras em relação ao futuro imediato. É disso que estamos falando.
Além disso, a confusão que se criou em algumas cidades, isso contribui para essa sensação de insegurança.
Você ver na televisão, ler no jornal, perceber através da internet que tem gente dando tiro… Tem fogo, tem bala, tem fumaça, tem gente morrendo na rua. Isso aumenta muito a sensação de insegurança também entre a parcela da população que não foi para a rua e que não está vivendo uma situação objetiva de piora da própria qualidade de vida. Isso faz a população sentir-se menos satisfeita.
Essas pessoas já estavam inseguras com relação à economia, por conta do noticiário, e ficaram mais inseguras ainda quando viram esse cenário que eu não conhecia na história política brasileira a não ser nas manifestações contra a ditadura em 1968, uma coisa remota.
Blog da Cidadania – Então o senhor entende que a mídia teve um papel preponderante nessa, digamos assim, desmoralização do governo, valendo-SE de alguns fatos concretos como inflação, baixo crescimento. E o tiro de misericórdia, então, teria sido a ida de um setor da sociedade – ou de uma classe social – à rua, conferindo verossimilhança ao que a mídia diz.
Seria mais ou menos isso, doutor Marcos?
Marcos Coimbra – É, mais ou menos isso… E, aliás, não é por outra razão que exatamente esses mesmos veículos de comunicação se transformaram em defensores do povo na rua. Coisa que jamais tinham sido na história brasileira.
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