Por que a distribuição da publicidade do governo tem que mudar
O quadro atual reproduz distorções do passado
PAULO NOGUEIRA DIÁRIO DO CENTRO DO MUNDO
Num vídeo recente, Lula aparece falando num encontro do PT.
Ele se refere, em certo momento, à publicidade oficial. E diz que nenhum veículo deixou de receber dinheiro por criticá-lo.
Pela quantidade de vezes que volta ao tema, fica claro que Lula se orgulha disso.
Mas é um assunto um pouco mais complexo.
As administrações do PT seguiram, essencialmente, as placas na distribuição do dinheiro da publicidade.
O problema é que as placas refletiam práticas monopolistas — e muitas vezes corrompidas — em todas as mídias.
Na televisão, por exemplo, a Globo alcançara na publicidade uma dominância formidável graças a uma propina legalizada chamada BV, Bônus por Volume.
Foi uma invenção de Roberto Marinho, e o objetivo foi acorrentar as agências à Globo.
Quanto mais uma agência anuncia na Globo, maior o bônus – ou propina – que recebe.
Esta a lógica.
Quando a publicidade clássica entrou numa crise da qual jamais se recuperaria, em meados da década de 1980, o BV da Globo passou a ser um fator de sobrevivência para a maior parte das agências.
Isso configura, entre outras coisas, concorrência desleal, mas concorrer não é exatamente um atributo da Globo e demais companhias de mídia. Até hoje elas gozam de uma bizarra, anacrônica, patética reserva de mercado.
Como más práticas logo se espalham, as demais empresas seguiram Roberto Marinho na adoção do BV – sem jamais chegar perto, é verdade, dos resultados da Globo.
Este era o quadro quando o PT assumiu.
Fazia sentido manter uma distorção nascida de uma prática visceralmente corrupta, o BV?
Não fazia, mas foi o que ocorreu.
Nos dez anos de PT, segundo um levantamento oficial, a Globo – mesmo com audiências menores em todas as plataformas, bombardeadas pela internet – recebeu 6 bilhões de reais em publicidade do governo.
Isso mantém um exército jornalístico que vai de Arnaldo Jabor a Merval Pereira – e que é inteiramente dedicado a perpetuar um Brasil injusto, desigual, iníquo com uma pregação cotidiana enviesada, tendenciosa e desonesta.
A sociedade é prejudicada. Então de novo: a administração Lula não deveria ter levado decência para a distribuição da verba publicitária?
Ouça um vídeo de Jabor e você fatalmente dirá: claro que deveria.
Mas isso não foi feito.
Nada, aliás, foi feito.
O problema, por incrível que pareça, aumentou.
Considere. A internet é um freio à mídia corporativa. No mercado como um todo, a fatia da internet na publicidade brasileira já ultrapassa a marca de 12% do total.
Os anunciantes acompanham – com uma certa lentidão – o movimento de seus consumidores rumo à internet. Os consumidores ficam mais e mais na internet e menos nas demais mídias – jornais, revistas, rádio e mesmo tevê.
Mas nas verbas governamentais, conforme os números oficiais de 2012, a internet não vai além de 5%, e a maior parte disso termina nos sites da mídia corporativa.
Mais uma vez: faz sentido?
Não.
Primeiro porque o governo deveria, como os demais anunciantes, acompanhar a marcha rumo à internet, para que sua publicidade seja mais vista, mais lida e mais ouvida porque os consumidores estão conectados.
Segundo porque a sociedade precisa – desesperadamente – da voz alternativa do jornalismo digital.
Ela força, ela acelera o processo de transparência de que o país tanto necessita.
Sem a internet, não saberíamos que o STF pagou uma viagem com dinheiro público para uma jornalista da Globo para que escrevesse textos (favoráveis) sobre uma visita irrelevante de Joaquim Barbosa à Costa Rica.
Modéstia à parte, a revelação foi do Diário.
Sem a internet - e parabéns ao blog O Cafezinho - não saberíamos que a Receita multou a Globo em cerca de 250 milhões de reais por conta de uma trapaça fiscal na compra dos direitos da Copa de 2002.
A sociedade se beneficia da vigilância do jornalismo digital.
Os 5% da internet nas verbas governamentais, por tudo isso, são um erro, um grande erro – assim como tem sido um equívoco a manutenção da situação de dez anos atrás, nascida do monopólio, da propina que atende por BV e da falta de concorrência.
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