Vozes de baixo e vacilos de cima
O fato da semana que passou foi Dilma ter consolidado a iniciativa ao propor a realização do plebiscito, como forma de dar vazão à voz das ruas. O mecanismo é atacado pela direita no Congresso, pelos reacionários de sempre na mídia e por espantosos setores de extrema esquerda. Entre os partidos, PT, PCdoB e PSOL abraçaram a causa.
Gilberto Maringoni (*)
2. Para se tomar a iniciativa em disputas na sociedade é necessário, antes de tudo, definir a agenda dos enfrentamentos. Ou seja, mais do que impor sua vontade ou opinião sobre determinado tema, é importante convencer à maioria das pessoas o que seria interessante debater. Isso envolve o público em geral, instituições políticas – Executivo, Legislativo e Judiciário – além de espaços privados, como os meios de comunicação. No momento em que o tema principal é definido, o proponente da agenda tem a iniciativa política.
3. Assim, o fato da semana foi Dilma ter consolidado a iniciativa ao propor a realização do plebiscito, como forma de dar vazão à voz das ruas. O mecanismo é atacado pela direita no Congresso, pelos reacionários de sempre na mídia e por espantosos setores de extrema esquerda. Entre os partidos, PT, PCdoB e PSOL abraçaram a causa. As centrais sindicais e os mais importantes movimentos sociais defendem essa modalidade de consulta popular. Ou seja, há quem fale mal, muito mal até, e há quem acendradamente coloque o mecanismo como ponto central em suas reivindicações. O ponto comum é: todos debatem o plebiscito. A agenda agora é a do governo.
4. Dilma fez um lance ousado, ao propor a constituinte exclusiva. Talvez fosse o bode na sala, que saiu de cena em favor de algo mais limitado, mas de boa eficiência.
5. O plebiscito representa metade do lance presidencial. A melhor parte foi remeter a mercadoria ao Congresso. Senadores e deputados de situação e oposição se esmeram em buscar argumentos para mostrar a inviabilidade de se buscar conhecer o que pensa o povo. As perguntas das cédulas serão o segundo tempo da batalha, se o plebiscito prosperar. Se isso não acontecer, o governo também não perde. Alegará que investiu para que as multidões decidissem os rumos do país e foi bloqueado por juízes, deputados, senadores e pela mídia. O desgaste não ficará com o Executivo.
6. É possível que a sofrível equipe de articulação política oficial produza trapalhadas no meio do caminho. Mesmo assim, o governo teve um respiro e conseguiu sair da defensiva dos primeiros dias.
7. O PMDB, relatam jornais, vocifera contra a presidenta em privado. Certamente cobrará alta fatura pela batata quente que sua fração parlamentar recebeu. No entanto, o partido entrou na alça de mira do clamor popular, ao ter dois de seus mais proeminentes dirigentes – Renan Calheiros e Henrique Eduardo Alves – pegos com a boca na botija dos voos graciosos em jatinhos da FAB, para cumprirem agendas pessoais. Em dias convulsionados, a enrolação sobre métodos e procedimentos da vida política sublinha com lápis vermelho a condenação “a tudo isso que está aí”.
8. O desabamento dos índices de popularidade do governo e a queda nas intenções de voto em Dilma para 2014 têm de ser relativizados. É um retrato do estado da arte. Pode se aprofundar, como pode ser revertido, a depender da capacidade governamental de manter a ofensiva.
9. Deve-se levar em conta que nenhuma liderança da oposição saiu beneficiada nas sondagens. Nas perspectivas para o ano que vem, houve um crescimento dos indecisos. Claro que a queda de Dilma anima adversários, mas ainda é cedo para se alardear vantagens.
10. De mais a mais, o governo conta com uma bala de prata para as eleições: se tudo der errado, resta o “volta Lula”. Apesar de também ter sido atingido por respingos da crise, o ex-presidente ostenta invejáveis 65% de popularidade. O “volta Lula”, como se sabe, é uma operação casada com “fora Dilma”, fatal para qualquer pretensão petista no médio prazo. Profissional da área, o ex-presidente tomou distância das turbulências em providencial viagem internacional.
11. A variável que pode ser fatal para o governo é o andar da economia. Os horizontes não são bons. Não se pode culpar apenas a crise internacional. É preciso ver que o governo Dilma, apesar de estar no ar há dois anos e meio, ainda não parece ter começado nessa área.
12. Depois de fazer uma opção preferencial pelo contracionismo em seu primeiro ano de mandato – elevando cinco vezes os juros e efetuando cortes de R$ 55 milhões no orçamento –, o oficialismo alcançou o objetivo a que se propôs ao tomar posse: desaquecer o crescimento, que alcançara 7,5% em 2010. A administração federal atendeu às vozes interessadas que alertavam para a volta da inflação e a gastança orçamentária.
13. Como economia não é ciência exata, o que era para ter efeito pontual está derrubando um cavalo. Desastradas desonerações – que aumentam lucros privados, mas não o investimento –, anúncios de “responsabilidade fiscal” e de elevação continuada das taxas de juros prenunciam o contrário do que a própria presidente diz quando fala em elevação de gastos nas áreas sociais.
14. O governo brinca com fogo, juntamente com membros de sua base aliada. Crescimento medíocre, cortes orçamentários, passeios de parlamentares e juízes nas asas da FAB e aprofundamento da crise podem gerar um repique da ira popular, com desfecho para lá de imprevisto.
15. As ruas não parecem estar muito interessadas nos meandros regimentais do poder. Embora não tão maciças, as manifestações continuam vigorosas e se espalharam geograficamente.
16. Os setores organizados – sindicatos e movimentos sociais – entram em cena com pauta própria, que envolve a ampliação de direitos trabalhistas. O choque aqui não é contra o governo, mas especialmente com o empresariado. Um pacto desenvolvimentista, esboçado entre as centrais sindicais e entidades patronais contra a alta de juros em 2011 está rompido. Implicitamente, as centrais também se colocam contra as políticas de desonerações na folha de salários, cujos efeitos serão sentidos mais adiante. O teste se dará na próxima quarta (11), numa paralisação nacional que tem grandes chances de sucesso.
17. Apesar da supremacia da pauta progressista nas ruas, há focos de conservadorismo, no caso dos médicos. Estes se recusam a aceitar a vinda de profissionais estrangeiros para suprir lacunas na saúde pública em lugares onde poucos se dispõem a trabalhar.
3. Assim, o fato da semana foi Dilma ter consolidado a iniciativa ao propor a realização do plebiscito, como forma de dar vazão à voz das ruas. O mecanismo é atacado pela direita no Congresso, pelos reacionários de sempre na mídia e por espantosos setores de extrema esquerda. Entre os partidos, PT, PCdoB e PSOL abraçaram a causa. As centrais sindicais e os mais importantes movimentos sociais defendem essa modalidade de consulta popular. Ou seja, há quem fale mal, muito mal até, e há quem acendradamente coloque o mecanismo como ponto central em suas reivindicações. O ponto comum é: todos debatem o plebiscito. A agenda agora é a do governo.
4. Dilma fez um lance ousado, ao propor a constituinte exclusiva. Talvez fosse o bode na sala, que saiu de cena em favor de algo mais limitado, mas de boa eficiência.
5. O plebiscito representa metade do lance presidencial. A melhor parte foi remeter a mercadoria ao Congresso. Senadores e deputados de situação e oposição se esmeram em buscar argumentos para mostrar a inviabilidade de se buscar conhecer o que pensa o povo. As perguntas das cédulas serão o segundo tempo da batalha, se o plebiscito prosperar. Se isso não acontecer, o governo também não perde. Alegará que investiu para que as multidões decidissem os rumos do país e foi bloqueado por juízes, deputados, senadores e pela mídia. O desgaste não ficará com o Executivo.
6. É possível que a sofrível equipe de articulação política oficial produza trapalhadas no meio do caminho. Mesmo assim, o governo teve um respiro e conseguiu sair da defensiva dos primeiros dias.
7. O PMDB, relatam jornais, vocifera contra a presidenta em privado. Certamente cobrará alta fatura pela batata quente que sua fração parlamentar recebeu. No entanto, o partido entrou na alça de mira do clamor popular, ao ter dois de seus mais proeminentes dirigentes – Renan Calheiros e Henrique Eduardo Alves – pegos com a boca na botija dos voos graciosos em jatinhos da FAB, para cumprirem agendas pessoais. Em dias convulsionados, a enrolação sobre métodos e procedimentos da vida política sublinha com lápis vermelho a condenação “a tudo isso que está aí”.
8. O desabamento dos índices de popularidade do governo e a queda nas intenções de voto em Dilma para 2014 têm de ser relativizados. É um retrato do estado da arte. Pode se aprofundar, como pode ser revertido, a depender da capacidade governamental de manter a ofensiva.
9. Deve-se levar em conta que nenhuma liderança da oposição saiu beneficiada nas sondagens. Nas perspectivas para o ano que vem, houve um crescimento dos indecisos. Claro que a queda de Dilma anima adversários, mas ainda é cedo para se alardear vantagens.
10. De mais a mais, o governo conta com uma bala de prata para as eleições: se tudo der errado, resta o “volta Lula”. Apesar de também ter sido atingido por respingos da crise, o ex-presidente ostenta invejáveis 65% de popularidade. O “volta Lula”, como se sabe, é uma operação casada com “fora Dilma”, fatal para qualquer pretensão petista no médio prazo. Profissional da área, o ex-presidente tomou distância das turbulências em providencial viagem internacional.
11. A variável que pode ser fatal para o governo é o andar da economia. Os horizontes não são bons. Não se pode culpar apenas a crise internacional. É preciso ver que o governo Dilma, apesar de estar no ar há dois anos e meio, ainda não parece ter começado nessa área.
12. Depois de fazer uma opção preferencial pelo contracionismo em seu primeiro ano de mandato – elevando cinco vezes os juros e efetuando cortes de R$ 55 milhões no orçamento –, o oficialismo alcançou o objetivo a que se propôs ao tomar posse: desaquecer o crescimento, que alcançara 7,5% em 2010. A administração federal atendeu às vozes interessadas que alertavam para a volta da inflação e a gastança orçamentária.
13. Como economia não é ciência exata, o que era para ter efeito pontual está derrubando um cavalo. Desastradas desonerações – que aumentam lucros privados, mas não o investimento –, anúncios de “responsabilidade fiscal” e de elevação continuada das taxas de juros prenunciam o contrário do que a própria presidente diz quando fala em elevação de gastos nas áreas sociais.
14. O governo brinca com fogo, juntamente com membros de sua base aliada. Crescimento medíocre, cortes orçamentários, passeios de parlamentares e juízes nas asas da FAB e aprofundamento da crise podem gerar um repique da ira popular, com desfecho para lá de imprevisto.
15. As ruas não parecem estar muito interessadas nos meandros regimentais do poder. Embora não tão maciças, as manifestações continuam vigorosas e se espalharam geograficamente.
16. Os setores organizados – sindicatos e movimentos sociais – entram em cena com pauta própria, que envolve a ampliação de direitos trabalhistas. O choque aqui não é contra o governo, mas especialmente com o empresariado. Um pacto desenvolvimentista, esboçado entre as centrais sindicais e entidades patronais contra a alta de juros em 2011 está rompido. Implicitamente, as centrais também se colocam contra as políticas de desonerações na folha de salários, cujos efeitos serão sentidos mais adiante. O teste se dará na próxima quarta (11), numa paralisação nacional que tem grandes chances de sucesso.
17. Apesar da supremacia da pauta progressista nas ruas, há focos de conservadorismo, no caso dos médicos. Estes se recusam a aceitar a vinda de profissionais estrangeiros para suprir lacunas na saúde pública em lugares onde poucos se dispõem a trabalhar.
(*) Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista, é professor de relações internacionais da Universidade Federal do ABC. Doutor em história pela Universidade de São Paulo, é autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo).
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