terça-feira, 14 de maio de 2013


O 'único' problema do Brasil

Eduardo Guimarães       Blog da Cidadania
 Ao contrário do que diz o título, o Brasil é um país cheio de problemas. Temos problemas imensos na Educação, na Saúde, na Segurança Pública, na Habitação, no Transporte… E por aí vai. Todavia, nenhum desses problemas decorre da falta de meios para que sejam resolvidos.
Se não reduzimos esses tipos de problemas – porque sociedade alguma conseguiu acabar com todos eles cem por cento –, apesar de termos meios para fazê-lo, é por alguma razão que ainda teremos que detectar.
Este é um país muito rico em recursos naturais, tem uma indústria dinâmica e diversificada e um clima que só causa catástrofes por imprevidência, pois nossos problemas climáticos resumem-se a excesso ou falta de chuvas.
Muita chuva poderia não causar problemas se populações não habitassem áreas de risco ou se as urbes tivessem sistemas adequados de escoamento; a falta de chuva poderia não causar problemas se ao longo da história tivessem sido feitas obras para irrigar regiões áridas.
Dinheiro para pagar bons professores e construir boas escolas, para organizar forças policiais bem-treinadas, para implantar hospitais e clínicas de boa qualidade, para construir sistemas eficientes de transporte público etc., não falta.
O único problema do Brasil, portanto, é o de que os seus recursos naturais e financeiros não são usados como deveriam. Ou seja: não são usados para atender a todos. Pelo contrário, são usados fartamente em prol de poucos e escassamente em prol da imensa maioria.
Sem mais delongas, portanto, vamos ao ponto: o único problema do Brasil é o individualismo de seu povo. E existem até números para comprovar isso.
Somos uma sociedade em que poucos têm muito e muitos têm pouco ou, em certos casos, quase nada. É a chamada “desigualdade social” o que faz do Brasil um país que tem recursos para melhorar a vida de seu povo, mas que não melhora porque esse povo não quer.
Pode parecer exagero dizer que nosso povo tende ao egoísmo diante do fato de que só uma minoria ínfima concentra a parte do leão da renda – no caso da renda oriunda do trabalho, por exemplo, segundo a Pnad de 2011 (IBGE) os 10% com rendimentos mais elevados concentraram 41,5% da massa salarial do país.
O fato de uma minoria concentrar a renda, porém, não significa que a maioria que vive com as migalhas que caem das mesas dos ricos seja composta de pessoas generosas. A solidariedade não chega a ser uma característica nacional.
O individualismo do brasileiro se torna visível em seu cotidiano. Quando jogamos lixo nas ruas estamos demonstrando que tudo o que nos importa é nos afastarmos dele, deixando-o para os que vivem naquele ponto onde o jogamos.
No trânsito das nossas cidades, o sujeito pensa como pedestre enquanto não tem carro, mas basta comprar um para agir igualzinho a quem tem, desrespeitando quem anda a pé.
São fartos os exemplos de cidadãos que quando melhoram de vida mudam de vizinhança, de hábitos e de mentalidade.
O brasileiro não quer igualdade, quer mudar de lado.
Um dos fatores que induzem a essa conclusão é a opinião da maioria esmagadora sobre a idade de maioridade penal. Estudo recente do instituto Datafolha mostrou que 93% dos paulistanos querem que diminua – no resto do Brasil não é muito diferente.
Segundo o RELATÓRIO NACIONAL DO ESTADO BRASILEIRO feito em 2012 pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República, o Brasil possui cerca de 513.802 pessoas mantidas em unidades do sistema carcerário e da polícia e essa população carcerária, em média, é jovem, masculina, negra e de baixa escolaridade.
Sempre segundo esses dados oficiais, em 2011 53,6% da população no sistema penitenciário tinha entre 18 e 29 anos, 93,6% eram homens, 57,6% eram negros e pardos e 34,8% eram brancos. Além disso, 45,7% da população do sistema penitenciário possuía ensino fundamental incompleto, enquanto apenas 0,4% possuía ensino superior completo.
Esses números mostram, inequivocamente, que criminalidade e violência estão associadas à pobreza, à desigualdade e à baixa escolaridade. Não fosse assim, os de nível social mais alto deveriam estar nas prisões em proporção equivalente à dos de nível social mais baixo.
Contudo, o individualismo não pode aceitar a relação entre ignorância e pobreza, de um lado, e criminalidade de outro. Afinal, se essa for a conclusão haverá que colocar essas chagas sociais como prioridades.
Em vez de a sociedade, de ricos a pobres, abrir a mente para números inequívocos, porém, o que fazemos é culpar as leis “brandas” pela criminalidade e pela violência.
Vale atentar para o que diz Luís Carlos Valois, Juiz da Vara de Execuções Penais no Amazonas, doutorando em Criminologia pela USP e membro da Associação de Juízes para a Democracia e da LEAP-Low Enforcement against Proibition (Agentes da Lei contra a proibição das drogas).
Valois relata que segundo a Corte Interamericana de Direitos Humanos o sistema carcerário do Brasil é considerado um dos mais brutais no mundo. E o que mais cresce (!!).
A superlotação dos presídios brasileiros, segundo esse juiz, chegou a um ponto em que, em lugares como o Estado do Espírito Santo, contêineres chegam a ser utilizados como celas. Outro dado estarrecedor: mais de 1/3 da população carcerária tem HIV.
E aos que, a exemplo de quem pede “redução da maioridade penal”, pregam a pena de morte como “solução” para a criminalidade, uma notícia: já existe pena de morte no Brasil.
No fim do ano passado em Genebra, na Suíça, os países do Conselho de Direitos Humanos da ONU pediramque o Brasil acabe com as execuções extrajudiciais cometidas pela Polícia Militar.
Os relatórios da ONU sobre execuções sumárias no país chamam atenção para as taxas “alarmantes” de violência policial. Veja só o adjetivo, leitor: “alarmante”. Isso porque a pena de morte extraoficial é “carne de vaca”, no país.
Todo aquele que infringe a lei, sobretudo se for pobre e negro, sabe que a chance de ser executado pela polícia, se for pego, é enorme. Sem julgamento, sem juiz e sem júri. Contudo, bandidos como os que entopem nossas prisões não têm medo de morrer.
Este blogueiro já visitou comunidades pobres – ou melhor, paupérrimas – em que adolescentes e até crianças dizem que preferem ter uma vida “boa” – leia-se uma vida que possa lhes dar bens materiais – e curta a uma vida longa e cheia de privações.
A mídia esconde esses dados. Ou melhor: não chega a esconder, mas esse tipo de informação sai bem discretamente nos jornais.
Como a desigualdade brasileira é tão grande e está na base da riqueza desproporcional de grupelhos minúsculos da sociedade, esses setores conseguem convencer todas as classes sociais inferiores – inclusive a média – de que repressão vai “resolver” o problema.
Ah, o individualismo brasileiro.
Na semana passada, uma manifestação de professores da rede pública pedindo melhores salários parou a avenida Paulista, em São Paulo. Uma pessoa humilde que foi prestar serviço em minha residência – alguém que tem filho em escola pública – chegou reclamando da manifestação porque estava no ônibus e perdeu tempo.
Não se trata de uma madame que estava indo ao cabeleireiro, mas uma pessoa simples. Perguntei-lhe, então, se não achava que seria melhor para seu filho que seus professores fossem melhor remunerados. A pessoa me olhou como se eu fosse de outro planeta.
O conservadorismo, as ideias elitistas e o apoio à repressão como forma de combater a criminalidade seduz a todas as classes sociais. Inclusive aquelas que são vítimas da repressão, que têm filhos chacinados por policiais doutrinados pelo preconceito contra pobres.
Alguns espertinhos, adeptos da teoria de que repressão resolverá a explosão de violência e criminalidade em curso no país, argumentam que a desigualdade caiu durante os governos Lula e Dilma e assim mesmo a violência aumentou.
De fato, no Brasil da década passada houve a maior queda da desigualdade em toda história do país.
Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), apesar de o índice de Gini (que mede a desigualdade no mundo) ter caído de 0,59 no fim do governo FHC (2001) para 0,503 em 2011, o Brasil ainda é o 12º país mais desigual do mundo – em 2002 era o 4º.
Ora, então quer dizer que a queda da desigualdade não resolveu nada? Balela. Como você acha que estaria o país em termos de violência e criminalidade, leitor, se a desigualdade não tivesse caído?
Provavelmente estaríamos em guerra civil, hoje.
Esse individualismo verde-amarelo está acabando com o país…
Nosso individualismo pode ser visto até no transporte público caótico de uma megalópole como São Paulo. As pessoas invadem os trens, empurram mulheres, idosos, crianças, gestantes, sentam-se nos lugares destinados a eles. É um caos.
Há algum tempo, o jornalista da TV Record Luiz Carlos Azenha fez uma matéria fantástica sobre os trens urbanos da grande São Paulo.
O repórter ficou dentro de uma composição filmando a entrada dos passageiros nas primeiras horas da manhã. O que se viu foi que os homens invadem o vagão à frente das mulheres valendo-se de sua maior força física. Resultado: elas acabam viajando em pé e só se vê homens sentados.
Ah, como somos individualistas. A pobreza não nos torna mais solidários. Pelo contrário, a luta pela sobrevivência tornou este povo adepto de lemas como “Salve-se quem puder” ou “Quem pode mais, chora menos”.
Esse, portanto, é o único problema do Brasil. O individualismo do nosso povo está nos conduzindo a uma situação cada vez mais explosiva. Enquanto não entendermos que somos uma nação só, a situação continuará piorando. Quem viver, verá.
Dos leitores
Leia, abaixo, o relato do leitor Claudio Kirsten
“Edu, boa tarde.
Estou morando em Fronteira – MG, a 60 Km de São José do Rio Preto – SP.
A Prefeitura mantém um ônibus às 6:00, gratuito, para S.J.Rio Preto e a procura pelo transporte é grande.
Há alguns dias estava na fila (na verdade, uma aglomeração) para entrar no ônibus e, na minha vez, dei passagem a uma senhora com o filho de colo. A seguir, fiz o mesmo com outras senhoras que estavam próximas.
Um rapaz, aparentando uns 20 anos, gritou pedindo para eu lhe dar passagem, não se conformando com minha atitude de respeito a algumas senhoras. O passo seguinte foi ele me empurrar e eu, com meus 61 anos, fui jogado de lado e o rapaz conseguiu embarcar, atropelando também pelo menos umas 4 senhoras.
Ninguém manifestou qualquer solidariedade e, para o meu assombro, vários outros rapazes entraram no ônibus à frente de todos nós.
Qual o futuro de um país em que nossos jovens se comportam como bárbaros, onde vale o “Salve-se quem puder?”.
Quando eu era jovem sempre cedíamos a vez para as mulheres de qualquer idade e homens idosos. Aprendíamos que era importante o respeito, hoje em desuso.
Claudio Kirsten

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