Quando o arcaísmo se
apresenta como novidade:
a história de Aécio Neves
O segundo turno das eleições presidenciais chega aos seus momentos finais com os ânimos acirrados. A sociedade está dividida entre o projeto do PT e o do PSDB. O PT está há 12 anos no poder e, mais uma vez, os tucanos se colocam como alternativa, como a possibilidade de “mudança”. O lulopetismo em sua versão com Dilma já é conhecido e é dele que Aécio quer afastar o Brasil, para “mudar”. Mas que mudança é essa proposta pelo tucano? Qual é a substância política de transformação de Aécio Neves?
Para responder, é preciso ouvir o que ele diz sobre política econômica e os rumos da cidadania e dos serviços públicos no país. Nas entrevistas durante a campanha, Aécio repetiu a receita macroeconômica dos oito anos de governo FHC: prioridade total na economia para o controle da inflação, corte de investimentos do poder público, redução dos concursos públicos e “austeridade” (o que quer dizer, arrocho).
Ou seja, Aécio não surpreende e propõe o que já se esperava dele: uma política que acredita na redução da ação do Estado na sua capacidade de produzir desenvolvimento e cidadania. Para ele, é o mercado, e não o Estado, o agente fundamental do desenvolvimento, e é a eficiência, e não a cidadania, o objetivo final desse agente. Nesse sentido, o projeto aecista é o já velho neoliberalismo e cheira ainda mais a anos 90 quando ele diz que Armínio Fraga seria seu ministro da economia num eventual governo.
No fundo, o que está em jogo neste caso é a dificuldade que os liberais tucanos demonstram de renovar seu projeto político depois de seguidas derrotas em eleições nacionais e, acima de tudo, após o colapso em 2008, no centro do mundo capitalista, de países europeus adeptos deste mesmo modelo.
Neste importante episódio histórico ficou mais do que claro que o mercado completamente desregulado gera concentração de riqueza, deterioração dos serviços públicos, redução de salários, desemprego e crise.
Mais ainda, foi exatamente por conta destas consequências do modelo liberal que os tucanos perderam o poder em 2002 e viram a América Latina experimentar a emergência de uma onda contra hegemônica no início do século XXI. Mas, curiosamente, esse modelo é o pilar do “novo Estado brasileiro” que Aécio diz ter para o país.
Por ser velha e estar repleta de “medidas impopulares”, essa agenda não pode ser explicitada claramente no debate eleitoral. Assim, quando solicitado a falar sobre suas propostas concretas em economia, Aécio apresentou platitudes: “Tomarei as medidas necessárias para o país voltar a crescer”.
Pois bem, e que medidas são essas? E ele responde: “São as medidas que o governo precisa tomar para alavancar a economia e fazer o país voltar a crescer”. Aqui, Aécio revela sua falta de consistência para debater os assuntos nacionais em profundidade. Neste momento, José Serra ri, e mesmo os jornalistas mais simpáticos ao tucanato ficam inquietos nas sabatinas midiáticas. Há até um certo constrangimento com a superficialidade do candidato. Aqui, Aécio é mal preparado.
Se na política econômica o PSDB mantém sua adesão ao projeto liberal, do ponto de vista dos costumes Aécio, que tem vida social noturna ativa, mora em Ipanema e se diz um sujeito “de bem com a vida”, não é um liberal. O tucano é contra a descriminalização da maconha e encampa a política de drogas proibicionista, também dos anos 90 – essa que até Luciano Huck, amigo do candidato, sabe que não funcionou na tentativa de eliminar o tráfico.
Nesse ponto, Aécio é regressivo e quer reforçar as penas para traficantes. Na verdade, o tucano de Minas pertence a uma linhagem clássica de políticos brasileiros de direita: aqueles que são liberais e privatistas na economia, mas são conservadores nas questões das liberdades individuais.
Desta forma, o que está acontecendo é que o neto de Tancredo Neves está reapresentando ao país a mesma agenda tucana de centro-direita de eleições passadas. Há muito pouco de novo nisso. Mas há, no entanto, uma diferença entre Aécio e todas as lideranças nacionais tucanas e mesmo as não tucanas que disputaram efetivamente a presidência desde a redemocratização.
Tanto FHC e Serra, como Lula, Dilma e Marina são quadros forjados no processo de modernização da sociedade brasileira. São figuras políticas oriundas da luta contra a ditadura, da batalha pelo restabelecimento da democracia representativa no país e do movimento social nascido nos anos 70 e 80 após um surto de desenvolvimento econômico.
São algo que poderíamos chamar de lideranças “sociológicas”, urbanas e ligadas ao Brasil contemporâneo. Já Aécio Neves remete ao passado político do pais, já que é de uma família tradicional de políticos profissionais do interior de Minas Gerais. O avô, do PSD, foi presidente eleito e governador e o pai, deputado federal do partido da ditadura.
O primo foi ministro da Economia e todos sempre arranjaram empregos para Aécio dentro da máquina pública. Nesse sentido, o tucano é uma caricatura do político brasileiro conservador do século XX: esteve sempre alojado no aparelho do Estado por conta do poder da família, teve cargos públicos por indicação, recebeu concessões de rádio do presidente e pertence a uma dinastia proprietária rural que controla politicamente diversos territórios há décadas no segundo maior colégio eleitoral do país.
Aqui, o jovem Aécio é um retrato novo do que há de mais arcaico e fisiológico na política brasileira. Nesse sentido, a equivalência possível na história das disputas presidenciais é com Fernando Collor. Por detrás da imagem marquetada de novidade, o atraso.
Talvez por isso, por representar tamanho atraso político sob uma publicidade ilusória de “mudança”, a presença de Aécio na disputa esteja despertando um dos traços mais retrógrados da cultura política brasileira: o ódio de classe, aquele que – numa sociedade de base escravista – não pode tolerar programas sociais que reduzem a miséria. E que acredita que os problemas do país estão relacionados ao fato dos mais pobres receberem algum tipo de proteção social.
Nesse sentido, não há nada de novo no front. As forças do atraso estão a pleno vapor na candidatura aecista e têm como propósito frear o lento processo de nascimento do novo: um Estado de bem-estar brasileiro.
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