Quem ganhou e quem perdeu na eleição presidencial
Flávio Aguiar
Tão importante quanto dizer quem ganhou e quem perdeu é dizer quem saiu ganhando e quem saiu perdendo. Nem sempre estas coisas coincidem, como se verá.
Dilma Rousseff – ganhou e saiu ganhando. O sucesso de sua candidatura dependeu muito de seu estoicismo (ao enfrentar os insultos no Itaquerão), da sua firmeza (ao responder de modo duro às acusações de Aécio nos debates), de sua capacidade de se comprometer com a manutenção (salário, empregos) e com a mudança (eventual correção no caso Petrobrás) de rumos. Provou e comprovou que tem luz própria e estofo de estadista.
Aécio Neves – perdeu e saiu perdendo. Provou que sua habilidade retórica não o protege de ataques porque não está preparado para isto. Achou que podia ganhar no grito, isto é, só atacando uma pauta negativa, sem se comprometer ou revelar seu verdadeiro programa para o país. Tergiversou. Conseguiu mais votos pelo antipetismo do que por si próprio. Não tem luz própria, e agora está ameaçado em seu arraial. José Serra já afia os caninos e Geraldo Alckmin planta seus chuchus na cerca de São Paulo para aprimorar seu picolé, ambos tendo em vista 2018. A vida de Aécio não será fácil.
Armínio Fraga – perdeu, mas se saiu perdendo é outra história. Cometeu um erro fatal. No debate com Guido Mantega, ao falr das dificuldades do cidadão brasileiro, falou de alguém que quer comprar ações na Bolsa. Mantega falou de quem quer trocar de geladeira. Claro: no Brasil tem mais gente preocupada em trocar de geladeira do que em comprar ações na Bolsa. Mas seu erro não foi este. Foi o de imaginar que quem assiste este tipo de debate hoje no Brasil é apenas quem quer comprar ações na Bolsa. Enterrou um pouquinho a candidatura de Aécio. Saiu perdendo? Ora ora, tem muito mundo financeiro pelo mundo afora querendo gente com Fraga.
Marina Silva – perdeu e saiu perdendo. Cresceu nas pesquisas depois da tragédia de Eduardo Campos e seus companheiros de vôo, mas se confundiu com o próprio crescimento. Atirou para todos os lados em busca de votos, rolou e enrolou, disse e desdisse, contradisse e entrou na dança e na contradança, mas o que ficou na lembrança é que quem tem poder sobre ela é o pastor Malafaia. Quem se curva à chantagem de pastor jamais vai chegar à presidência. De quebra, apresentou uma lista de reivindicações a Aécio para apoiá-lo, não viu nenhuma atendida e apoiou assim mesmo. Eu não votaria nela nem pra Associação de Pais e Mestres. Comprometeu a credibilidade de sua futura Rede, que pode virar uma rede para pescar goiabas. É pena. O Brasil precisa de um partido ambientalista forte.
PT – Empate técnico, graças à atuação e à vitória de Dilma Rousseff. Na verdade saiu perdendo. Perdeu cadeiras no Parlamento, mas não só isto. Em alguns momentos, em alguns lugares (sobretudo São Paulo) lembrou aquele ditado nordestino: “em tempo de murici, cada um cuide de si”. Murici vem do tupi-guarani e quer dizer “árvore pequena”. Pois é. O PT está se acostumando ao estilo “árvore pequena” tão característico da política brasileira. Fica pensando mais na próxima eleição do que nas utopias que o fundaram e o fundamentam. O PT precisa se reciclar (detesto o “refundar”, que me parece próximo do “afundar”). Ter uma política para a juventude mais efetiva. Uma política para o meio-ambiente mais visível e propositiva. Retomar a ideia de um projeto de futuro mais amplo, não apenas o de administrar este e aquele governo. Enfim…
PSDB – Desastre. Perdeu e saiu perdendo. Na mídia internacional, que pode ser conservadora em grande parte mas sempre chama os bois pelo seu nome verdadeiro, e não o de fantasia, o PSDB brasileiro é descrito como “business friendly”, o que deve ser traduzido por “amigo do mercado”. Isto quer dizer que o PSDB hoje é visto como estando à direita dos partidos da social-democracia europeia. Em termos de Alemanha, por exemplo, o PSDB de hoje é um clube misto de União Democrata Cristã, da chanceler Angela Merkel e do FDP, uma espécie de DEM (PFL) sem coronéis nordestinos por detrás. Periga entrar para a história dentro de um sarcófago de múmias sagradas. Para não dizer vacas.
Geraldo Alckmin – ganhou, mas saiu perdendo. Sua gestão da água em São Paulo foi, é e será um desastre. Ajudou Aécio a perder votos no segundo turno. Bom, pode ser que isto seja bom para ele e seu projeto. Em tempo de murici…
Lula – não ganhou porque não concorria. Mas saiu ganhando: continua sendo a principal referência de unidade do PT e seu maior cabo eleitoral, além de não se entregar à política das “árvores pequenas”. Jogou um bolão. Vão querer pegá-lo na volta da esquina e por na geladeira. Pode vir processo judicial em cima dele.
Fernando Henrique Cardoso – não perdeu, porque não concorreu. Mas saiu perdendo feio, sobretudo por ter perdido várias oportunidades de ficar quieto e não dizer nada. As mais evidentes foram a de dizer que pobre (nordestino, leia-se) vota mal não porque é pobre, mas porque é desinformado (por acaso quando pobre nordestino votava no PFL ele era bem informado?) e que o salário mínimo no seu governo era muito maior do que no governo Dilma, uma ofensa à aritmética, à geometria, à álgebra e à trigonometria, sem falar na teoria da relatividade e na física quântica. Disse tanta bobagem que foi rebaixado: de Príncipe da Sociologia (seu apelido nos meios acadêmicos, tanto pela elegância no falar e no trajar, quanto pela qualidade de seus trabalhos e seu apreço pela corte que lhe faziam admiradores, colegas e alunos, mais do que merecida) passou a Barão de Higienópolis. Que se cuide, pode virar Juiz de Luta-Livre, entre Geraldo, Aécio e José. O tempo dirá.
Luciana Genro – perdeu, mas saiu ganhando. Os elogios à sua campanha superaram as hostes 'psolistas'. Deu demonstração de coerência e consistência. Aguentou dedo na cara de Aécio (o que não o ajudou) e se saiu bem nas perguntas e nas respostas. É verdade que no segundo turno se enrolou brabo nas palavras, para não declarar apoio à Dilma. Seu correligionário, candidato ao governo de São Paulo, Gilberto Maringoni, se saiu melhor: “voto contra o Aécio”, e ponto. Sem vírgula.
Eduardo Jorge e o Partido Verde – que vergonha! Apoiar o Aécio no segundo turno! Viraram um puxadinho, o biocapitalismo do capitalismo selvagem. Bom, muitas cúpulas do PV aqui na Europa se comportam assim. Precisavam ter mais contato com a esquerda verde por aqui. Para não dar vexame.
Extrema-direita – saiu ganhando. Malafaia chantageou Marina com sucesso. Feliciano e Bolsonaro tiveram votações consagradoras. Levy Felix, o candidato do conduto excretor, triplicou seus votos. O Pastor Everaldo tanto latiu que mereceu audiência especial com Aécio. Esse pessoal tem um poder de fogo notável. Dá engulhos e medos.
PMDB – Empate técnico, o que para ele é vitória. Saiu ganhando. Continua sendo um partido-esponja, que tudo absorve. Parece um polvo, com tentáculos em toda a parte. É capaz de compor até com Levy Felix, Pastor Everaldo e Luciana Genro ao mesmo tempo. Tem vida longa.
PIG e Veja em particular – perderam feio, a ver se saíram perdendo. Puseram todas as suas fichas em derrubar Dilma e o PT desta vez por todas. Não deu certo. Esqueceram de combinar com o povo brasileiro, que, acham, são o círculo externo da teoria da pedra no lago: como são ignorantes mesmo, o importante é atingir os “esclarecidos” que “esclarecerão” a “gente diferenciada”. Como a base do PIG é o Rio e São Paulo, desconfio que vão enviar seus copiadores no Norte e no Nordeste para um campo de reeducação em Miami. Daqui pra frente vão começar a pregar primeiro veladamente depois com velas acesas o impeachment, a condenação do Lula (afinal, ele não fez nada para impedir o afundamento do Titanic nem a crise econômica europeia) e coisas assim. Pode apostar. Quando digo que não sei se saíram perdendo, é porque o PIG é como o vampiro: morreu nesta eleição, mas vai renascer mais cruento e sanguinário na próxima. Com verbas de publicidade do governo e das estatais.
O camarote do Itaú no Itaquerão – perdeu, saiu perdendo, deu vexame internacional. Foi se roçar nas ostras, como se diz.
Gilmar Mendes, Joaquim Barbosa e Sérgio Moro – não perderam, porque não concorriam. Mas saíram perdendo. Gilmar Mendes suspendeu um dos direitos de resposta conseguidos pelo PT em relação à Veja numa decisão por 7 x 0, postergando-a para depois das eleições. Joaquim Barbosa sumiu, depois de ser o grande herói do linchamento conhecido como processo 470 (do “mensalão”, sem provas). Pode se recuperar. Se quiser se candidatar a vereador em 2016, talvez seja eleito. Sérgio Moro vai se candidatar ao título de “Juiz Transparência”, tal é a quantidade de vazamentos em suas audiências. Deve ser coisa da National Security Agency, um caso para Snowden e Assange juntos.
O povo brasileiro – ganhou e saiu ganhando. Não precisa explicar.
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