domingo, 4 de agosto de 2013

Do trocado para o cafezinho  
 ao ‘laranja’ de Deus-me-livre
                                                                                                                 Antônio Manoel Góes
                                              

Corruptores e corruptos constam às pencas na História do mundo, desde tempos 
imemoriais. Há dois mil anos, fariseus de Jerusalém meteram trinta pratas na mochila de 
Judas Escariotes, que lhes entregou de bandeja Jesus de Nazaré.  Deu no que deu.  Muito
antes, a libertina serpente, para ‘melar’ a obra do Criador, convenceu Adão a cair de 
boca na maçã de Eva, subvertendo a paz no  Paraíso. Prova de que o crime jamais 
compensou, o primeiro varão bíblico carregou às costas, para sempre, o peso do pecado
original no planeta Terra.

Aqui no Brasil, nossas estruturas sociopolíticas nasceram contaminadas por uma tríade 
perversa  - patrimonialismo, clientelismo e coronelismo -,  invenção ibérica de 
dominação importada de Portugal. Assim, El-rei de lá implantou entre nós o sistema feudal 
de sesmarias, favorecendo notórios apaniguados com as capitanias hereditárias.  Não deu 
certo e a corte de Lisboa tratou de criar o governo-geral, a fim de apertar o cerco na 
arrecadação de impostos e exploração predatória de nossos recursos naturais.

A corja de aristocratas lusitanos, parasitas grudados na jugular dos negociantes da colônia, 
apenas fiscalizava, arrecadava e consumia. Os gajos nada produziam, exceto a ruína da 
metrópole. O regime patrimonialista não fazia distinção entre o público e o privado. A 
relação clientelista ensejava permanente troca de favores e apoio político. Instaurou-se
o mando das oligarquias e os cargos oficiais eram objeto de apropriação(indébita). Após a 
Independência, foi criada a Guarda Nacional, depois que Pedro I se mandou(a fim de não 
ser despejado) e promovido um festival de patentes de ‘coronel’ para os oligarcas locais, 
oficializados militarmente, com poder de vida e morte sobre a população.

Instituto originário da ganância  e extrema voracidade do ser humano, a corrupção
sempre existiu  em toda parte, desde que o mundo é mundo.  No Brasil-colônia, o modelo 
administrativo propiciava a rapinagem geral. Para não perder os dedos, a vassalagem 
entregava os anéis, barganhando a liberação do osso, como obediente cão-de-guarda. 
Joaquim Silvério dos Reis, flagrado de calça arriada pelo fisco real, era devedor 
remisso do famigerado ‘quinto dos infernos’. Para tirar o ‘seu’ da reta, delatou Tiradentes 
e toda a turma da conjuração de Minas Gerais.

Naquele tempo, segunda metade do século XVIII, já era ‘normal’ levar ‘algum’ por fora e 
os barões das terras ‘lavaram a égua’. O mote, sempre o mesmo: ‘Vosmecê facilite o meu 
lado, que não vai se arrepender...’  O expediente de ‘molhar a mão’ dos arrecadadores 
de impostos ensejava o sumiço de processos contra notórios inadimplentes da Coroa.    Já 
naquela época,  o   artifício  da ‘taxa  de pressa’       acelerava, com olímpica 
velocidade, qualquer demanda de interesse dos chefes políticos e seus periféricos.

Herdamos dos portugueses a burocracia cartorial. As repartições públicas, com suas 
exigências documentais, controlavam a vida dos exauridos contribuintes. Com a
República, consolidou-se no balcão oficial  a ‘indústria’ do ‘trocado para o cafezinho’, 
depois com sua variação ‘para a cervejinha’, que ninguém era de ferro. A ‘propina’ foi 
admitida como instituição nacional, eficaz ‘amolecedora’ de servidores intransigentes na 
rigorosa observância dos trâmites burocráticos. Nascia, ‘na baixa’, sem alarde, por trás da 
moita, o proverbial ‘jeitinho brasileiro’.

O hábito de ‘levar algum’ nem sequer poupou a rigidez eclesiástica, das igrejas-matrizes 
no interior às catedrais das metrópoles. Por conta de piedosa ‘espórtula’, oficialmente 
destinada à redenção dos pecadores,  sacristães expediam batistérios para acobertar 
relações adúlteras de conhecidos benfeitores das obras eclesiais. O generoso ‘óbulo’ extra 
se sobrepunha(providencialmente) a eventuais vexames que, de repente, poderiam abalar 
a ‘reputação’ de  vetustos cidadãos, tidos como exemplares pais de família, na verdade 
dissimulados garanhões que passavam ‘nas armas’ indefesas e pobres mocinhas do lugar.

Desde antigamente, o ‘homem da mala’ tem sido o mais desejado personagem a 
percorrer, sorrateiro, os corredores e labirintos oficiais. Nos gabinetes de governantes,
ministérios e secretarias, assembleias estaduais, , câmaras de vereadores e(claro!) no 
Congresso Nacional, usam-se envelopes dos grandes, malotes e similares, abarrotados de 
grana firme, a depender do  ‘câmbio’ de cada um. No caso de empreiteiras(construtoras 
de estradas, pontes e edificações públicas), envolvendo propinas milionárias, 
convencionou-se o salutar depósito na conta de ‘laranjas’, preferencialmente em remota 
agência bancária, situada em ‘Deus-me-livre’, para não deixar rastro. 

No manual da corrupção, capítulo primeiro, a máxima’ de que, por enquanto, só não se dá 
jeito na morte. Por enquanto. Um dia – quem sabe? , dobraremos o incorruptível ‘anjo’da 
própria e ele baterá asas sem consumar o ‘aviso prévio’ que, rotineiramente, é 
endereçado aos  mortais.  

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