Do trocado
para o cafezinho
ao ‘laranja’ de Deus-me-livre
Antônio Manoel Góes
Corruptores e corruptos constam às pencas na História do mundo, desde tempos
imemoriais. Há dois mil anos, fariseus de Jerusalém
meteram trinta pratas na mochila de
Judas Escariotes, que lhes entregou de
bandeja Jesus de Nazaré. Deu no que
deu. Muito
antes, a libertina serpente,
para ‘melar’ a obra do Criador, convenceu Adão a cair de
boca na maçã de Eva,
subvertendo a paz no Paraíso. Prova de
que o crime jamais
compensou, o primeiro varão bíblico carregou às costas, para sempre,
o peso do pecado
original no planeta Terra.
Aqui no Brasil, nossas estruturas
sociopolíticas nasceram contaminadas por uma tríade
perversa - patrimonialismo, clientelismo e coronelismo
-, invenção ibérica de
dominação importada de Portugal. Assim, El-rei de lá implantou entre nós o sistema feudal
de sesmarias, favorecendo notórios apaniguados com as capitanias hereditárias. Não deu
certo e a corte de Lisboa tratou de
criar o governo-geral, a fim de apertar o cerco na
arrecadação de impostos e
exploração predatória de nossos recursos naturais.
A corja de aristocratas lusitanos, parasitas
grudados na jugular dos negociantes da colônia,
apenas fiscalizava, arrecadava
e consumia. Os gajos nada produziam, exceto a ruína da
metrópole. O regime
patrimonialista não fazia distinção entre o público e o privado. A
relação
clientelista ensejava permanente troca de favores e apoio político.
Instaurou-se
o mando das oligarquias e os cargos oficiais eram objeto de
apropriação(indébita). Após a
Independência, foi criada a Guarda Nacional,
depois que Pedro I se mandou(a fim de não
ser despejado) e promovido um
festival de patentes de ‘coronel’ para os oligarcas locais,
oficializados
militarmente, com poder de vida e morte sobre a população.
Instituto originário da ganância e extrema voracidade do ser humano, a
corrupção
sempre existiu em toda parte, desde que o mundo é mundo. No Brasil-colônia, o modelo
administrativo
propiciava a rapinagem geral. Para não perder os dedos, a vassalagem
entregava
os anéis, barganhando a liberação do osso, como obediente cão-de-guarda.
Joaquim Silvério dos Reis, flagrado de calça arriada pelo fisco real, era
devedor
remisso do famigerado ‘quinto dos infernos’. Para tirar o ‘seu’ da
reta, delatou Tiradentes
e toda a turma da conjuração de Minas Gerais.
Naquele tempo, segunda metade do século XVIII, já era
‘normal’ levar ‘algum’ por fora e
os barões das terras ‘lavaram a égua’. O
mote, sempre o mesmo: ‘Vosmecê facilite o meu
lado, que não vai se
arrepender...’ O expediente de ‘molhar a
mão’ dos arrecadadores
de impostos ensejava o sumiço de processos contra
notórios inadimplentes da Coroa. Já
naquela
época, o
artifício da ‘taxa de pressa’ acelerava, com olímpica
velocidade, qualquer demanda de interesse dos chefes
políticos e seus periféricos.
Herdamos dos portugueses a burocracia cartorial. As
repartições públicas, com suas
exigências documentais, controlavam a vida dos exauridos
contribuintes. Com a
República, consolidou-se no balcão oficial a ‘indústria’ do ‘trocado para o cafezinho’,
depois com sua variação ‘para a cervejinha’, que ninguém era de ferro. A
‘propina’ foi
admitida como instituição nacional, eficaz ‘amolecedora’ de
servidores intransigentes na
rigorosa observância dos trâmites burocráticos.
Nascia, ‘na baixa’, sem alarde, por trás da
moita, o proverbial ‘jeitinho
brasileiro’.
O hábito de ‘levar algum’ nem sequer poupou a
rigidez eclesiástica, das igrejas-matrizes
no interior às catedrais das metrópoles. Por conta de piedosa
‘espórtula’, oficialmente
destinada à redenção dos pecadores, sacristães expediam batistérios para
acobertar
relações adúlteras de conhecidos benfeitores das obras eclesiais. O
generoso ‘óbulo’ extra
se sobrepunha(providencialmente) a eventuais vexames
que, de repente, poderiam abalar
a ‘reputação’ de vetustos cidadãos, tidos como exemplares
pais de família, na verdade
dissimulados garanhões que passavam ‘nas armas’
indefesas e pobres mocinhas do lugar.
Desde antigamente, o ‘homem da mala’ tem
sido o mais desejado personagem a
percorrer, sorrateiro, os corredores e
labirintos oficiais. Nos gabinetes de governantes,
ministérios e secretarias,
assembleias estaduais, , câmaras de vereadores e(claro!) no
Congresso Nacional,
usam-se envelopes dos grandes, malotes e similares, abarrotados de
grana firme,
a depender do ‘câmbio’ de cada um. No
caso de empreiteiras(construtoras
de estradas, pontes e edificações públicas), envolvendo
propinas milionárias,
convencionou-se o salutar depósito na conta de ‘laranjas’,
preferencialmente em remota
agência bancária, situada em ‘Deus-me-livre’, para não
deixar rastro.
No manual da corrupção, capítulo primeiro, a máxima’ de que, por
enquanto, só não se dá
jeito na morte. Por enquanto. Um dia – quem sabe? ,
dobraremos o incorruptível ‘anjo’da
própria e ele baterá asas sem consumar o
‘aviso prévio’ que, rotineiramente, é
endereçado aos mortais.
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