Parar cidades não é um direito
Eduardo Guimarães Blog da Cidadania
O artigo 5º, inciso XVI da Constituição Federal de 1988 reza que “Todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”.
O direito de reunião e de manifestação coletiva da liberdade de expressão confere aos cidadãos o direito de se associarem temporariamente diante de um interesse comum àquele grupo social ou mesmo ao conjunto da sociedade.
O texto constitucional em questão não se refere tão somente às reuniões estáticas, em específico local aberto ao público, mas, também, a manifestações em percurso como passeatas, comícios, desfiles etc.
O direito constitucional de reunião e manifestação, porém, protege a outra parte, o indivíduo que não quer se unir àquele ato ou que não concorda com as ideias dos manifestantes.
Trocando em miúdos: o meu direito termina onde começa o seu.
Posso, assim, manifestar-me nos espaços que são de todos – ditos espaços públicos – contanto que não impeça que você use esses espaços da mesma forma sem ser afetado pelas minhas ações. Se para exercer o meu direito de manifestação e de expressão eu violo o seu, não há lei que me ampare.
Pode-se discordar da lei, pode-se pregar contra ela, pode-se querer mudá-la e tentar fazê-lo por meio de propaganda ou de ações nas instituições em que as leis são feitas, reformadas ou suprimidas – o que seja, nas Casas Legislativas.
Todavia, o que não se pode, em uma democracia, é o indivíduo simplesmente descumprir a lei ao seu bel prazer, pois fazê-lo equivale a sobrepor quem o faz ao restante da coletividade.
O Movimento Passe Livre e os partidos políticos que o orbitam têm convulsionado a capital paulista com vistas não só a anular o aumento das tarifas de ônibus e metrô recém-decretado pelos governos do Estado de São Paulo e pela prefeitura paulistana, mas implantar o transporte público gratuito no país.
Ressalva: essas organizações têm todo o direito de promover suas teses e de ocupar espaços públicos com esse fim.
O que o artigo 5º, inciso XVI da Constituição Federal não assegura, porém, é o porte de armas – sejam revólveres, bombas ou mesmo paus, pedras e até líquidos inflamáveis com vistas a provocar incêndios, cujo potencial de causar danos à integridade física das pessoas é absolutamente claro.
Mas as restrições da lei ao direito de reunião não terminam aí. O direito constitucional de reunião e manifestação não inclui obrigar alguém a se juntar àquela manifestação.
Ora, o mote das manifestações que estão intimidando a capital paulista é “Se a tarifa não baixar, a cidade vai parar”. Essa premissa afronta a Constituição Federal e subverte o direito que ela concede aos cidadãos de se reunirem e de se manifestarem em espaços públicos.
Parar uma cidade que congrega quase onze milhões de almas não é um direito de grupos isolados. Até o Estado só pode “parar” uma cidade diante da decretação de “Estado de Sítio”, “Estado de Defesa” ou “Toque de Recolher”, decretados por força de grave ameaça à segurança da coletividade.
O artigo 136 da Constituição Federal outorga ao Presidente da República a prerrogativa de, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar “Estado de Defesa” para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou por calamidades de grandes proporções na natureza.
Essa é a única situação admissível para se “parar” uma cidade. Interferir na vida de milhões de cidadãos “paralisando” uma cidade, portanto, não é um direito civil.
Quando um grupo de cidadãos impede o funcionamento e a circulação da coletividade sob uma decisão monocrática, trata-se de uma ilegalidade, de uma afronta ao texto constitucional e, acima de tudo, um ato de truculência.
Nem que um dos dirigentes do Movimento Passe Livre ou de um dos partidos que o orbitam estivesse no poder, que fosse o presidente da República, o governador do Estado ou o prefeito da capital paulista teria “direito” de paralisar São Paulo a fim de obrigar qualquer outra instância de poder a cumprir sua vontade. Seria preciso que existisse uma justificativa para essa paralisação.
Quando digo que vou “parar” uma cidade, estou negando à sua população o direito de transitar por ela, de prosseguir com sua vida. E, se tomo tal medida com base na visão sectária do meu grupo (político ou não) e, ainda pior, sem ter a legitimidade que advém do voto, estou cometendo uma violência contra a coletividade.
Os integrantes do Movimento Passe Livre, aliás, deixam claro que “o problema não são os vinte centavos a mais na passagem, mas os R$ 3,20 que ela custa”. O que esse movimento quer, pois, é passagem gratuita para todos.
Ninguém pode ser contra a que uma megalópole como São Paulo ofereça ao seu povo transporte gratuito. Contudo, que país ou cidade em todo mundo conseguiu essa façanha? Que cidade do porte da capital paulista, seja de que parte do mundo for, consegue oferecer transporte cem por cento gratuito à população?
Não é uma ambição pequena que o Movimento Passe Livre acalenta. E por certo não pode ser satisfeita por meio da chantagem e da intimidação.
O Movimento Passe Livre impõe como condição para suspender as tentativas de paralisar São Paulo que a tarifa de ônibus e metrô volte a R$ 3.
Outras cidades cederam a esse movimento. Se não fosse a ameaça de “parar a cidade”, portanto, o governo paulista e a prefeitura paulistana poderiam ceder, ao menos temporariamente, enquanto as negociações avançam.
O grande problema é ceder sob chantagem, sob uma postura dos manifestantes que afronta a lei.
Se o Estado e a prefeitura cederem, que outras chantagens serão impostas?
Um exemplo: e se cinco mil motociclistas decidirem que devem ter reservadas para si 50% das vias públicas e os automóveis, ônibus e caminhões que se virem com o resto? E se, para obterem tal privilégio, decidirem “parar a cidade”?
Cedendo ao Movimento Passe Livre, qualquer grupo que conseguir reunir um pequeno batalhão de cinco mil pessoas poderá chantagear esta ou qualquer outra cidade com qualquer tipo de pleito, dos mais justos aos mais absurdos, pois pode-se fazer chantagem sob qualquer tipo de motivação.
Coquetel Molotov
Militantes do Movimento Passe Livre e dos partidos políticos seus aliados acorreram a este Blog para afirmar que não haveria provas da acusação da Polícia Militar de que coquetéis molotov foram usados nas manifestações que convulsionaram São Paulo recentemente.
De fato, trata-se de uma afirmação de um oficial da PM que comandou a repressão às manifestações. Não há prova de que esse artefato específico foi usado.
Por conta disso, um desses militantes acusou este Blog de “mentir”. Todavia, a afirmação se baseou em farto noticiário que dava conta de que coquetéis molotov teriam sido usados.
Sendo ou não coquetel molotov o que desencadeou incêndios de ônibus, guaritas da Polícia, sacos de lixo e outros materiais na região central de São Paulo, o fato é que não se provoca incêndios usando um insqueirinho – é preciso algum líquido inflamável, no mínimo.
Dessa maneira, mantém-se, aqui, pergunta feita em postagem anterior: para que levar a manifestação pacífica inflamáveis, paus, pedras e rojões (que foram vistos e ouvidos nas manifestações) como o que tirou a vida de um boliviano durante uma partida de futebol?
Independência ou morte
Há muito, este blogueiro optou pela liberdade total – ou quase total, porque liberdade total não existe – para decidir a sua própria vida.
Minha vida não é fácil do ponto de vista financeiro, como a de tantos outros brasileiros. Mas poderia ser mais fácil se eu trabalhasse em uma empresa.
Em nome da minha liberdade, porém, há quase duas décadas decidi trabalhar por conta própria, ganhando menos, mas sendo feliz.
A liberdade de decidir sobre o que penso ou faço é o bem que mais prezo. Prefiro morrer a me submeter aos ditames de qualquer um.
Posso ser convencido a mudar de ideia ou a fazer qualquer coisa que inicialmente não queira, mas não posso ser obrigado. Só, talvez, sob tortura.
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