terça-feira, 2 de dezembro de 2014

O maior desafio de Dilma


O maior desafio da presidenta não é o de derrotar a oposição, nem o de recuperar a economia, nem garantir maioria no Congresso. É o de fazer o governo fluir...

Antônio Lassance (*)     

                                 

A caneta de presidente é para ser usada

Para quem tem o desafio de realizar um governo novo com ideias novas, a presidenta tem que fazer diferente do que fez em seu primeiro mandato.


Durante a II Conferência Internacional de Estudos Presidenciais (UFMG, 13 e 14/11), mostrei um gráfico que considero deveria ser objeto de preocupação política, mais do que de curiosidade acadêmica:


                       


Gráfico - Número de atos presidenciais
por tempo de mandato

O gráfico demonstra o quanto os presidentes da República tomaram decisões em nível suficiente para responder às situações que enfrentaram, dar rumo ao governo, fazer coisas novas ou desfazer o que não andava bem ou não fazia mais sentido.

É preciso descontar alguns exageros. O pico da curva é a curta presidência de José Linhares, o presidente do STF que, tutelado por militares, sucedeu Getúlio Vargas quando este foi derrubado em 1945.

Muitos presidentes gastaram seu tempo não só construindo um novo governo, mas desfazendo a herança de governos anteriores - caso dos presidentes generais de 1964 a 1985, do governo Sarney e do citado Linhares.

Fora isso, o gráfico é um bom indicador da capacidade presidencial de tomar decisões e implementá-las por meio de seus atos (decretos, medidas provisórias e, nos casos mais antigos, decretos-lei).

Analisando desde Deodoro (o primeiro), Dilma (a última da linha) está, até agora, entre uma das presidências que menos tomou e implementou decisões.

Entre os presidentes de maior atividade, fora os da ditadura e Vargas - no Estado Novo - está o presidente JK. Ou seja, presidências democráticas também podem e devem fazer uso do poder que têm à disposição, e podem fazê-lo da forma mais amigável possível - sem melindrar o Congresso.

Lula, extremamente cuteloso em seu primeiro mandato, imprimiu ao segundo uma trajetória ascendente de reformismo. Passou a usar mais e melhor suas canetadas.


Essa curva ascendente foi não apenas interrompida no primeiro mandato de Dilma.

 
A presidenta hoje figura entre aqueles de menor ativismo, junto com a maioria dos presidentes da República Velha, a época em que a República era sobretudo comandada pela chamada "política dos governadores".

É preciso trocar o remo pelo leme

Como Dilma está longe de ter uma concepção de governo minimalista, muito pelo contrário, o diagnóstico mais provável do que está acontecendo não é muito difícil de ser extraído.

A Presidência acumulou para si mais tarefas do que consegue lidar, com um grau de concentração e gosto pelos detalhes que tornam qualquer mudança e melhoria incremental um verdadeiro parto.

Os ministérios, que são os grandes responsáveis por propor tais melhorias e patrocinar ajustes na administração, se sentem esvaziados e desestimulados a propor, a não ser em casos graves, muitas vezes, quando a porta já foi arrombada.

Paradoxalmente, Dilma usou pouco a caneta de presidente por conta do excesso de centralismo de sua presidência. Por isso há tinta sobrando.

No seu dia a dia, a preocupação maior do governo não tem sido a de navegar, mas simplesmente remar.

Salvo pela criação de alguns novos programas, o que aconteceu nas demais situações é que a principal atividade do governo tem sido apenas a de tocar a máquina, pondo lenha na fogueira e confiando que tudo o mais já está devidamente nos trilhos.

O retrospecto da política de comunicação, ela própria não tendo passado por qualquer grande mudança institucional, mostra que o governo mal se preocupou em melhorar até mesmo o apito do trem.

Já passou da hora de descer do umbuzeiro

O caso do decreto da política e do sistema nacional de participação popular (Decreto nº 8.243/2014) é um exemplo.

O governo demorou quase um ano, desde as manifestações de junho de 2013, para baixar uma norma interna quase banal.

Quando finalmente o decretou saiu, o governo já havia perdido o famoso "timing".
 
A janela ("policy window") aberta pelas manifestações, que pediam maior abertura, transparência e participação aos governos, já se havia fechado e o clima de campanha tomava conta do país.

A proposta virou polêmica e foi duramente criticada não por suas linhas ou entrelinhas, mas pelo momento e por supostas intenções. Há inúmeros outros exemplos similares.

Por isso, o maior desafio da presidenta não é o de derrotar a oposição, nem o de recuperar a economia, nem o de garantir maioria no Congresso. Antes, é o de fazer o governo fluir para que todas as demais coisas possam acontecer.

Dizem que Dilma leu e gostou da biografia de Getúlio Vargas escrita por Lira Neto.

Um dos achados do biógrafo, em seu primeiro livro, foi a descoberta da primeira lição política aprendida por Vargas.

Quando criança, sempre que seu pai queria castigá-lo - em uma época em que espancar crianças era tido como parte da educação familiar -, Getúlio aprendeu a se esconder no alto de um umbuzeiro e só descer quando todos se desesperavam com seu sumiço.

Era então a hora de descer do umbuzeiro. O castigo já tinha sido deixado de lado e a preocupação com o menino dava a ele a oportunidade de ser recebido de braços abertos.

Getúlio está entre os presidentes que melhor souberam usar sua caneta de presidente, mesmo quando estava escondido em cima do umbuzeiro.

Hoje, o que se espera de quem prometeu um governo novo e com ideias novas é entender que já passou da hora de descer do umbuzeiro. Principalmente quando já se vê uma oposição disposta a golpear o tronco com machados.


(*) Antonio Lassance é cientista político.

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