O futuro do pré-sal e a vergonhosa história do petróleo no mundo
Paulo Metri (*)
Pico do petróleo
O artigo de Colin Campbell e Jean Laherrère, intitulado “The End of Cheap Oil”, de março de 1998, teve certa repercussão à época. Eles afirmavam que a produção mundial de petróleo convencional começaria a declinar dentro de uns dez anos, ou seja, ela passaria por um máximo por volta de 2008. A partir desta data, haveria uma demanda insatisfeita e, como consequência, o preço do barril tenderia a subir. O Fundo Monetário Internacional, no seu documento “World Economic Outlook” de abril de 2011 (1), admitiu um quadro de futura escassez de petróleo, quando a demanda mundial não conseguiria ser atendida pela produção.
Contudo, Campbell e Laherrère se referiram a um quadro de escassez do petróleo convencional. Eles não incluíram, por exemplo, o uso de óleo e gás de xisto. Outra crítica que pode ser feita a este trabalho é o fato deles não terem avaliado corretamente a possibilidade de novas fronteiras petrolíferas serem descobertas. A avaliação da produção futura das descobertas passadas nas diversas regiões do mundo foi perfeita. Mas, à medida que novas tecnologias eram desenvolvidas, foi possível melhorar a análise de dados e a prospecção, o que resultou em novas descobertas, como foi o caso da descoberta do Pré-Sal.
Inversão do quadro
No entanto, hoje há um quadro de superprodução de petróleo no mundo, com a concomitante diminuição da demanda, o que acarreta a queda no preço do barril. Assim, o barril, que custava US$ 115, durante o conflito no Iraque, passou a custar US$ 85, em outubro último, e existe a perspectiva que irá decrescer mais ainda. A Agência Internacional de Energia, após a quarta redução da projeção do consumo de petróleo para 2014, chegou à média anual de 92,4 milhões de barris por dia (MM bpd) e a oferta em setembro deste ano foi de 93,8 MM bpd. No presente artigo, são usados muitos dados do artigo de Ghirardi(2), cuja leitura é recomendada.
A crise econômica pela qual passam quase todas as economias do mundo, continuação da crise financeira de 2008, certamente contribui para a diminuição da demanda mundial por petróleo. Até a China, que cresce a 7% ao ano, ainda assim pode ser considerada como estando em crise, pois cresceu em torno de 10% durante mais de uma década.
Fora isso, os países do Oriente Médio, que compõem a maioria dos membros da OPEP, de uma forma geral, não aceitaram a proposta de redução das suas cotas de produção na última reunião da organização. A proposta era que esta redução viesse a segurar o preço do barril em torno de US$ 100. No entanto, existiram países da região que aumentaram a produção. O Iraque, depois da introdução do modelo que incluiu empresas estrangeiras no setor, aumentou sua produção em 700 mil bpd, pois saiu de 2,4 MM bpd no início de 2011 e chegou a 3,1 MM bpd nos dias atuais. Fora da OPEP, pode-se salientar o pequeno aumento da produção do Brasil. Entretanto, é esperado que o país esteja exportando 1 MM bpd em 2020.
Fora do petróleo convencional, surpreendeu o acréscimo de produção de gás e petróleo de xisto nos Estados Unidos de 2008 até o momento presente, correspondendo a reduções na necessidade de importação de petróleo deste país. A média anual de importações de petróleo dos Estados Unidos caiu de 11 MM bpd em 2008 para 6,5 MM bpd em 2013.
Cada país exportador tem um valor mínimo para o preço do barril a ser exportado, a partir do qual qualquer diminuição adicional do preço significará a não atratividade da exportação. Deste preço mínimo de exportação, é retirada a receita da empresa produtora, obtendo-se a arrecadação limite de tributos ainda aceitável para satisfazer os gastos previstos de governo. A Arábia Saudita se diz confortável com preços do barril entre US$ 90 e US$ 80. O Kuwait pode aceitar preços abaixo de US$ 80.
As empresas petrolíferas têm também seus limites para o negócio. Os custos relacionados com os investimentos e os de produção, adicionados aos tributos pagos e ao lucro mínimo visado pela empresa, nunca podem alcançar a receita da produção, que é função do preço de venda do barril. Resumindo, o preço do barril é primordial para a definição da atratividade, em nível governamental, da arrecadação de tributos do país e a permanência de empresas do ramo no país. A primeira conclusão é que está ocorrendo uma brutal briga de concorrentes supridores de petróleo ao mercado mundial, restando saber quais os verdadeiros objetivos desta briga.
Autores passam a listar empreendimentos ao redor do mundo que estariam fadados à inviabilidade se o barril de petróleo ficar abaixo de determinados valores. Lembro que já se fala em o barril estabilizar em US$ 60. O mais visado, segundo alguns autores, seria a produção de petróleo e gás de xisto, mas outras iniciativas estariam também comprometidas. Os produtores de baixo custo do barril, os do Oriente Médio, estariam forçando a saída do negócio de concorrentes menos competitivos.
Por outro lado, o mais comum na economia é a formação de cartéis entre empresas do mesmo ramo para a proteção mútua dos seus integrantes, sendo a OPEP um cartel formado às claras com este objetivo. A Venezuela é um antigo membro da OPEP e a sua posição de redução das cotas, na última reunião da organização, não foi aceita. Poderia existir outra razão para a não redução das cotas e a consequente superprodução atual de petróleo?
Componente geopolítico
Não existe país que prescinda da importação de itens do exterior, cuja compra requer a posse de moeda forte. Assim, os países precisam ter superávit nas suas contas externas para que seja possível importar os itens de consumo que precisam e os bens de capital e serviços necessários para o desenvolvimento. Como é usualmente lido na literatura, a União Soviética sobreviveu durante muitos anos, em boa medida, graças à exportação do petróleo e gás de Surgut e Baku.
De “O Segredo das Sete Irmãs, a Vergonhosa História do Petróleo”(3), no capítulo “O Urso Dançarino”, obtém-se:
“O programa antimíssil ‘Guerra nas Estrelas’ dos Estados Unidos visava fornecer proteção contra uma guerra nuclear, mas o objetivo para Washington era, acima de tudo, forçar os soviéticos a entrarem numa frenética corrida armamentista. Ronald Reagan, eleito presidente em 1983, e William Cassey, seu diretor da CIA, planejaram a primeira fase da armadilha. Assim, começou a grande caçada ao urso, um ser assustador. Era o Exército Vermelho com cinco milhões de homens e armas nucleares. A vasta máquina de guerra era abastecida por dinheiro do petróleo”.
“François Roche, jornalista e escritor: ‘Para poder constantemente fazer frente ao avanço tecnológico dos EUA, o governo soviético foi obrigado a mobilizar somas muito significativas. E com que dinheiro os soviéticos financiaram o seu complexo militar e industrial de guerra? Com receitas de exportações de matérias-primas, essencialmente, petróleo e gás’”.
“A segunda parte da armadilha seria montada pelos sauditas. Reagan persuadiu o seu aliado rei Fahd a usar o petróleo como uma arma para desestabilizar a URSS. Em 1983, a Arábia Saudita abriu as comportas do petróleo e inundou o mercado. Ao encorajar os sauditas a produzirem de forma que a oferta mundial ficasse bem acima da demanda, Reagan baixou o preço do petróleo. O barril caiu para US$ 13. Isso ocorreu na década de 1980 e provocou um desastre em muitos países. Mas o maior efeito foi na União Soviética, que dependia quase inteiramente de petróleo e gás para ter receitas em divisas. As fraturas internas cresceram e o regime colapsou”.
“A União Soviética já não tinha dinheiro para pagar as pensões, para pagar aos mineiros, para comprar sabão para os mineiros, para pagar os serviços sociais que mantinham a população calada. Para comprar vodca. O urso soviético já não dançava. Estava de ressaca e falido. As lojas estavam vazias, os salários por pagar e anteviam-se problemas. Mikahail Gorbachev estava impotente. O país estava arruinado. O preço do petróleo tinha desmembrado definitivamente a União Soviética. Em 1989, cai o Muro de Berlim. Os Estados Bálticos da Geórgia e Armênia declaram as suas independências. No dia 25 de dezembro de 1991, Gorbachev demite-se do cargo de chefe de Estado. O império comunista rui”.
A história do desmonte da União Soviética lembra em parte o momento atual. Hoje, a mesma Arábia Saudita, eterna aliada dos Estados Unidos, com a ajuda do Iraque e da Líbia dominados e de outros países do Oriente Médio, inunda o mercado de petróleo. A pergunta correta a ser feita é: “Que países produtores irão sofrer mais com a queda e a permanência prolongada do preço do barril em US$ 50 (abaixo deste valor, as finanças dos próprios promotores do ‘dumping’ seriam também fortemente impactadas)?”
Creio que a resposta é: “A Rússia, o Irã e a Venezuela”. Estes países são produtores de petróleo e gás, cujas vendas são a principal fonte geradora de divisas, que acionam suas economias. A atual queda de preço do barril e a permanência no nível baixo do preço por um período razoável irá colocá-los em difícil situação econômica. O caso da Rússia é um pouco diferente porque a sua maior produção é de gás natural, que obriga maior fidelidade por parte de seus consumidores, no entanto, ainda assim, ela sofrerá consequências.
Dentre os Estados nacionais existentes no mundo, estes não são os únicos que buscam escapar da hegemonia norte-americana, mas eles têm atitudes confrontantes com os desígnios do império. Então, a baixa no preço do barril pode não ter sido decidida para feri-los e, sim, para inviabilizar o petróleo e gás de xisto, por exemplo. Mas a verdade é que a superprodução de petróleo tolhe também o crescimento destes países.
E o Pré-Sal?
Outra pergunta que surge é: “Como ficará o Pré-Sal com o barril a US$ 50?” A resposta é: “Ainda viável. O custo do petróleo do Pré-Sal está na casa de US$ 45 por barril, de forma que o consórcio que o estiver produzindo terá uma margem pequena, mas ainda será uma margem positiva. O petróleo da Bacia de Campos, com custo em torno de US$ 14 por barril, não estará de forma alguma ameaçado”. Esta posição privilegiada do Brasil é consequência, além da natureza, da capacidade técnica e empresarial da Petrobras.
Resta um pensamento. O petróleo na crosta terrestre é necessariamente finito. Não haverá desenvolvimentos tecnológicos que estenderão a produção de petróleo indefinidamente, ainda mais a produção de petróleo barato, como Campbell e Laherrère bem frisaram. Com a pressa inexplicável dos governos brasileiros em fazer leilões de áreas de petróleo e como há uma defasagem entre o momento do leilão e o início da produção oriunda daquele leilão, o Brasil estará colocando no mercado mundial seus excedentes de petróleo na pior hora possível.
Precisa ser compreendido pelo povo que os governos no afã de conseguirem fechar as contas anuais do superávit primário (portanto, contas de curtíssimo prazo), promovem leilões de áreas de petróleo para receberem o bônus da venda da área, no ato de assinatura das concessões e contratos de partilha, que irão acarretar enormes prejuízos para a sociedade durante mais de 30 anos. Prejuízos estes causados não só pelos fatores explicados à exaustão, em outros artigos, mas, agora, também devido à perda de receita com esta queda no preço do barril.
Em algum ponto do futuro, a Arábia Saudita e seus seguidores irão parar de tendenciar o mercado e o preço do barril voltará no mínimo ao nível anterior, em torno de US$ 100. Os excedentes do Pré-Sal podem, então, ser comercializados. O óbvio a ser feito é o governo não cair mais na tentação de promover leilões, até porque o mercado nacional estará fartamente satisfeito pela Petrobras durante os próximos 40 anos, no mínimo, e a ANP deve retirar a pressa do desenvolvimento de muitos campos da Petrobras, pois o mercado futuro de petróleo estará excessivamente ofertado. Esta medida virá também ao encontro de outros interesses nacionais, como livrará a Petrobras da necessidade de tomar novos empréstimos.
Com a queda do preço do barril, a Petrobrás terá reflexos em suas receitas, em um momento de fragilidade política devido à atitude de ladrões, que se apoderaram de alguns dos seus cargos de mando. Mas isto merece outro artigo.
Notas:
1) Jornalistas Andrea Murta e Alvaro Fagundes, notícia “FMI vê escassez de petróleo, com risco ao crescimento global”, Folha de São Paulo, caderno Mundo, 08/04/2011.
2) Engenheiro André Ghirardi, artigo “Petróleo: a virada nos mercados globais e o Pré-sal”, site “Correio da Cidadania”.
3) Produtores Frédéric Tonolli e Arnaud Hamelin, vídeo “O Segredo das Sete Irmãs, a Vergonhosa História do Petróleo”.
Abaixo os quatro vídeos da série O Segredo das Sete Irmãs, a Vergonhosa História do Petróleo. Todos legendados em português. Imperdível.
(*) Paulo Metri é conselheiro do Clube de Engenharia e colunista do 'Correio da Cidadania'.
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