A última grande CPI
CPIs, quando não provocam o fim do mundo, são objeto de frustração.
A mídia, acostumada aos espetáculos que por um triz não redundam em agressões físicas, fica sem manchetes, sem cenas mirabolantes e sem as falas empolgantes que atraem a atenção do público.
O Brasil parou para ver e ouvir a CPI do PC Farias, em 1992, a CPI da Corrupção, em 2001, e a CPMI dos Correios, em 2005. Os depoimentos eram empolgantes e, sobretudo no caso das duas primeiras, traziam muitas novidades.
A última das CPIs que ainda funcionou à moda antiga, já em uma fase de transição, foi justamente a dos Correios, em 2005, sobre o caso do mensalão.
Ainda assim, grande parte do frisson foi garantido não tanto por grandes descobertas, mas pela performance espetaculosa do delator, Roberto Jefferson.
Mas, tirando suas frases de efeito, bordões e o olho roxo nos depoimentos, o fato é que as grandes revelações de Jefferson foram feitas em seus pronunciamentos de plenário e em entrevistas à imprensa, apenas depois repetidas na comissão.
O lado bom das CPIs que não dão em nada
O maior problema das CPIs de hoje não são os governos, embora governos sempre atuem para minimizar danos em CPIs.
O verdadeiro bom problema é a Polícia Federal, os órgãos de controle e o Poder Judiciário.
No passado, quando não havia CGU, nem delação premiada, quando a Polícia Federal era dirigida por delegados filiados ao PSDB e vivia de pires na mão - tinha até parte de suas contas pagas por órgãos do governo dos Estados Unidos - e quando o principal departamento do Ministério Público Federal era a gaveta do Procurador-Geral, eram as CPIs as responsáveis por boa parte das revelações.
Só depois que as denúncias e evidências vinham à tona, expostas nos inquéritos parlamentares, é que a PF corria atrás para verificar fatos, colher depoimentos, buscar provas e montar os inquéritos.
As CPIs faziam as vezes de PF, CGU e Ministério Público. Por isso seu sucesso estrondoso no passado.
Quando imperavam a fragilidade da PF, a inexistência de um robusto sistema de controle interno e externo do Executivo (mesmo o TCU tinha uma tímida atuação) e o Ministério Público era uma cova para enterrar escândalos, eram as CPIs que reinavam. Foi quando elas tiveram seus anos dourados.
Pelo menos desde 2005, o quadro se inverteu. As denúncias passaram a aparecer já como resultado de investigações bem mais esmiuçadas pela PF do que seria possível por meio das comissões parlamentares de inquérito.
Para azar do Legislativo, mas para a sorte do País, quando as CPIs hoje são instaladas, se debruçam sobre escândalos já investigados em profundidade.
As provas são mais do que suficientes para incriminar. Boa parte dessas provas é inclusive mantida fora do alcance do Legislativo, por conta dos acordos de delação premiada e do segredo de Justiça.
Os depoentes, quando não se calam por força desses acordos delação, chegam amparados em "habeas corpus" que resguardam suas declarações exclusivamente para o foro judicial. Ficam confortavelmente protegidos da pressão para que, com declarações, produzam provas contra si mesmos.
Um teatro que não leva a nada
As CPIs fazem hoje o papel triste, sonolento e improdutivo de chover no molhado. Por isso, quando terminam, deixam a sensação de que nada foi devidamente investigado pelos parlamentares e que só se descobriu o que já se sabia.
De fato, é isso mesmo. As CPIs são montadas para serem autodesmoralizadas, pois os parlamentares do governo e da oposição ainda raciocinam sob um velho padrão.
Os governistas fazem das tripas coração para que não se decida nada de relevante, com a ajuda do Judiciário, que reserva o que há de informação importante só para si mesmo.
A oposição, por sua vez, faz de tudo para usar as CPIs como meros palanques contra o governo e seus parlamentares aliados.
Com essa combinação, o resultado não poderia ser outro que não o mais pífio possível.
De negativo, junto com as CPIs, o próprio Legislativo se desmoraliza mais um pouco.
De positivo, isso pode contribuir, quem sabe um dia, para o fim da banalização das CPIs como instrumento de autopromoção de parlamentares e como atividade considerada de maior destaque no Congresso do que a própria formulação de políticas.
Mais cedo ou mais tarde, o esgotamento do velho padrão de CPIs pode forçar a que o Legislativo passe a escolher, doravante, CPIs mais temáticas e propositivas, fundadas ou não em denúncias, mas orientadas a buscar soluções.
É bom que o Congresso deixe para a Polícia Federal, a CGU, o TCU, o Ministério Público e a Justiça a incumbência de achar culpados.
As CPIs, se quiserem evitar uma das facetas mais deprimentes do Legislativo, precisarão no futuro se orientar menos por inquirir pessoas e mais por investigar políticas públicas.
Os parlamentares deveriam fazer menos o papel de delegados de polícia e mais o de parlamentares mesmo.
A CPMI da Petrobrás que ora se encerra não perde nada em não indiciar ninguém.
A oposição, com o seu teatro, ao fingir que iria indiciar alguém que a Justiça já não tenha denunciado, faz uma "mis-en-scène" patética, aplaudia ou por seus adeptos ou pelos trouxas que se deixam levar pelas aparências.
Para salvar as CPIs da desmoralização
A única maneira que haveria, por exemplo, de se "salvar" a CPMI da Petrobrás seria discutir não especificamente a Petrobrás e as empreiteiras.
Se os nomes dos políticos já estivessem explícitos, uma das obrigações seria a de recomendar a instalação dos ritos de cassação.
Muito mais relevante seria, ao invés de acusar pessoas, que a CPMI discutisse uma agenda prioritária de tramitação de projetos que pudessem dar fim ao financiamento empresarial de campanhas (claro que os políticos nem cogitam tal coisa), melhorasse o instrumento da delação premiada, discutisse o instituto do segredo de justiça (que critérios o presidem e a quem interessa), o peso e o gigantismo de muitas empreiteiras nas obras governamentais, o papel da Polícia Federal, do Ministério Público, da Justiça e do Tribunal de Contas %u20Be, claro, a famosa lei de licitações%u20B.
Projetos em andamento deveriam ser identificados pela CPMI e, por acordo ou maioria de partidos, serem postos no início da fila de tramitação para se transformarem o quanto antes em leis ou revogarem dispositivos anacrônicos.
Acabou-se o tempo das grandes CPIs de escândalos.
Chegaram ao fim as CPIs em que pessoas saíam presas por conta de contradições em seus depoimentos, ou por se recusarem a falar.
A última CPI em que ocorreu a prisão de um investigado foi a da pedofilia (2010), ainda assim, graças a uma decisão judicial expedida no mesmo momento em que um depoimento era colhido perante a comissão.
Isso não é ruim. É ótimo, desde que o Legislativo supere o vazio deixado e passe a ter uma atuação mais propositiva e menos celebrizada por baixarias.
E no dia em que os eleitores pararem de votar em políticos de baixo calão e preferirem aqueles que são capazes de debater um assunto de forma séria e propositiva.
(*) Antonio Lassance é cientista político.
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