2014, o ano que não
deveria ter
existido
2014 não deveria ter começado e talvez nunca acabe. Mas 2015 já começou. E vem a jato. Aliás, Lava Jato. A direita vai continuar presa ao passado, querendo fazer o relógio da história andar para trás
Flávio Aguiar
Este foi um dos piores anos da minha vida. Só há paralelos no ano do golpe, em 1964, ou no período que vai de 1972 a 1974. Assim mesmo, do ponto de vista pessoal, houve diferenças signifcativas. Em 64 acabei saindo do país e passando um ano nos Estados Unidos. Entre 72 e 74 tornei-me pai. Foram vetores para o futuro. Em 1965, voltei ao Brasil tendo me tornado um pacifista convicto. Nosso país mergulhava na sombra, mas os Estados Unidos (!) vibravam com as primeiras manifestações contra a guerra do Vietnã, Martin Luther King...
Em 1973, a paternidade me deu alento para seguir até 74, quando a ditadura começou a se esvair. Nossa ditadura não caiu: saiu pelo ralo, deixando feridas abertas, além das cicatrizes indeléveis.
Já em 2014 foi diferente – embora, como em 64, eu estivesse vivendo no exterior.
Acontece que este ano na Alemanha foi uma tortura. Estive no Brasil em março. Quando voltei, deparei-me com a intensa campanha na mídia europeia contra o governo brasileiro, contra a Copa do Mundo no Brasil, contra o próprio Brasil. Tudo embrulhado no pacote “agora nós vamos mostrar o verdadeiro Brasil”.
E o verdadeiro Brasil – o deles e delas, as mídias europeias, ecoando e alimentando as tradicionais do Brasil – era uma catástrofe: um país de narcotraficantes, eternos favelados, um povo incompetente para tudo, inapetente para outra coisa que não seja a pobreza ilimitada e a vitimização, perdulário, gastando o que não tinha em estádios absurdos, em obras sem direção, devastador da natureza, inviável, colonizado mas imperialista em relação aos vizinhos mais fracos, um mau exemplo para a civilização e um bom exemplo para a barbárie... Enfim, deparei-me com uma torcida generalizada contra o Brasil, os brasileiros e para que a Copa fosse uma catástrofe.
Pois bem, foi uma catástrofe – e merecida –, mas apenas no jogo contra a Alemanha, que, diga-se de passagem, mereceu a vitória e a Copa depois. Fora deste Mineirazo, a Copa foi um sucesso insuportável para seus inimigos e para os inimigos do Brasil, do governo, e do povo brasileiro. Sim, a Copa foi um desastre – mas para eles,bem como para os inimigos da Copa, do governo e do povo dentro do Brasil.
Mas ficou aquele gosto amargo. Para amigos, confiei que pela primeira vez senti vontade de arrepanhar as coisas e ir embora da Europa. Ficou só no impulso passageiro. Afinal, aqui também há muita coisa e muita gente boa até a medula.
Mas aí vieram as eleições. A campanha contra mudou de rumo e de tom, mas ressoando o que já vinha sendo alimentado. E como dizia o finado presidente Figueiredo, recrudesceu. Nunca houve uma campanha tão violenta contra o governo e contra a esquerda, tão ressentida, tão energúmena, tão mentirosa, tão odienta e semeadora de ódios babantes.
Foi o pináculo de tudo – os médicos que uivavam contra o Mais Médicos, dando alguns mostras de fascismo explícito, a mídia econômica internacional bradando contra o intervencionismo de Brasília e louvando sem parar o falido e despedaçado México, louvando o pífio Acordo do Pacífico e malhando o Mercosul, e por aí afora.
Dentro do país, a situação foi tenebrosa, com a maré de lama da mídia e da campanha das oposições trazendo seus miasmas fétidos até o exterior, culminando com aquela capa de Veja, um misto de calúnia premiada e de filme de terror classe D, porque os B até que são bons. Mentiras sobre a inflação, um tratamento do tal de “pibinho” brasileiro completamente descolado da realidade mundial em crise global, tudo emoldurado pela maior mobilização internacional contra um governo latino-americano dos últimos tempos, reunindo os arautos da City londrina, os de Wall Street, a torcida das grandes corporações, a tentativa de sufoco pela sonegação e a sabotagem de investimentos.
Porém, 53 milhões de brasileiros não se deixaram enganar. Bom, foi um consolo: o 2014 deles também não deveria ter começado, e ainda para azar deles não terminou nem vai terminar tão cedo. Eles perderam a eleição que não podiam perder. Vão continuar jogando o terceiro turno. Vão tentar fechar o governo sim, ou manietando-o ou pelo impeachment ou através de uma tramoia judicial. Vai ser necessária muita mobilização e luta para que o governo Dilma II se mantenha de pé. Este é o sinal de que 2014, se sequer deveria ter começado, passou.
A direita vai continuar presa ao passado, querendo fazer o relógio da história andar para trás. Mas o PSDB está rachado. Alckmin quer se tornar o novo líder, com seu ar de chuchu bem comportado. Aécio ainda não engoliu a derrota, a gente vê no seu rosto. Marina é uma incógnita. Aliás, por isso mesmo sequer passou ao segundo turno. O PSB está sem leme nem timoneiro.
O PMDB está onde sempre esteve: no centrão, atirando anzóis para todo lado. Pesca em águas claras e em águas turvas. Há sinais evidentes de que na Polícia Federal – ala tucana – e em setores do Judiciário se trama alguma tramoia, na falta da possibilidade de um levante militar.
E o PT, gente? Não sei se vai aprender as lições. Não tem conversa nem para os jovens, isto é grave. Vai perder o diálogo com o contingente de juventude que a política inclusiva do governo trouxe para dentro da arena política. Como dizia o velho filósofo da buzina televisiva, “quem não se comunica se trumbica”. O mesmo vale para o governo.
2014 não deveria ter começado e talvez nunca acabe. Mas 2015 já começou. E vem a jato. Aliás, 'Lava Jato'.
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