sábado, 18 de outubro de 2014

Separatismo de São Paulo incorpora antipetismo      

Atual formação da identidade paulista mescla aversão ao PT e ao Estado.   Peso   econômico  do  'mercado'  e monopólio   político  do   PSDB   alimentam    fenômeno

André Barrocal                     

                                
O Movimento República de São Paulo foi fundado em 2001 em defesa da independência do estado e sua separação do Brasil. Na manhã seguinte às eleições do domingo 5, o grupo compartilhou em sua página no Facebook uma mensagem de satisfação com o resultado das urnas em seu território. “Orgulho paulista. Tiramos dos petistas o senador, o governador, 20 deputados federais e vamos tirar a Presidência. São Paulo – em breve, o primeiro estado 100% imunizado do PT”.
O grupo separatista tem pouca representatividade. Em um estado de 44 milhões de habitantes, conta com 1.078 membros, conforme sua última mediação. É ilustrativo, porém, de um fenômeno curioso. A formação da identidade paulista contemporânea parece ter incorporado o sentimento antipetista como traço característico. Uma mistura alimentada pelo peso do mercado financeiro na economia local e pelo monopólio político do PSDB há 20 anos.
O resultado da eleição em São Paulo foi arrasador para o PT. Seus candidatos a presidente, Dilma Rousseff, e governador, Alexandre Padilha, tiveram no estado o pior desempenho petista em duas décadas. Depois de três vitórias seguidas, o senador Eduardo Suplicy fracassou ao tentar um novo mandato. A bancada de deputados federais e estaduais do partido encolheu consideravelmente.
Encerrada a apuração, o Facebook registrou a seguinte mensagem na conta de um de seus membros: “Mais uma vez e de forma contundente o povo bandeirante mostrou que, nessa terra que prosperou capitalista, se valoriza o trabalho, a meritocracia e o empreendedorismo. E não o assistencialismo, o Estado-provedor e a cultura do jeitinho”.
O texto foi publicado na página pessoal de Silvio Campos Neto, economista-sênior da Tendências Consultoria, uma das mais conhecidas e influentes de São Paulo. A empresa faz parte do sistema financeiro, setor concentrado em São Paulo e colecionador de desavenças com o governo federal.
A antipatia começou em 2008, quando o Ministério da Fazenda adotou contra a crise financeira global remédios que o “mercado” não receitaria. E piorou a partir de 2011. Dilma enfrentou os interesses da banca como nenhum outro presidente na história recente do Brasil. O Banco Central reduziu os juros a pisos inéditos. A Fazenda taxou a especulação com dólar no mercado de derivativos. Os bancos estatais baratearam os empréstimos e tomaram clientes dos privados.
A reação do “mercado” foi assumir uma postura oposicionista. Compreensível. São Paulo é a sexta cidade do planeta em número de bilionários, informa uma pesquisa recentemente divulgada. Abriga 36 pessoas nesta condição, donas de um patrimônio estimado em 91 bilhões de dólares. Dez delas atuam prioritariamente nos setores financeiro e bancário, dos quais o PIB paulista é dependente.
Em entrevista à Folha de S. Paulo em setembro, Murilo Ferreira, presidente da Vale, uma das maiores companhias do país, afirmou que a disputa política contra o PT em São Paulo “está muito rancorosa”, por culpa do sistema financeiro. “Esse Fla-Flu permanente é irradiado da Faria Lima”, disse, referindo-se à avenida famosa por sediar bancos e consultorias.
O vídeo “O fim do Brasil?” é um exemplo do que diz o empresário. Circula pela web por iniciativa da Empiricus, consultoria localizada nas imediações da Faria Lima. O país, segundo o vídeo, está à beira de um colapso econômico por ter recorrido a medidas heterodoxas depois da crise global de 2008. E mais: caminha para algum tipo de regime autoritário.
O “mercado” também dissemina seu oposicionismo por meio dos órgãos de comunicação. Analistas como os da Tendências ou de bancos como o Santander – este último responsável por um sombrio prognóstico em caso de reeleição de Dilma distribuído a clientes ricos – são entrevistas todos os dias. E propagam uma mesma visão liberal: o governo toma decisões erradas e atrapalha os negócios os privados e o empreendedorismo.
São Paulo é o estado com o mais acentuado sentimento meritocrático do país, afirma Renato Meirelles, diretor do Data Popular, instituto especializado na classe C. Seus habitantes creditam as conquistas ao esforço individual, sem considerar as políticas federais um facilitador. É por isso, diz Meirelles, que nenhuma outra região repudia tanto o Bolsa Família, encarado como símbolo de recompensa imerecida e de indevida ação estatal. (Curiosidade: São Paulo é o segundo estado com o maior número de beneficiários do programa, 1,2 milhão de famílias).
As constatações do Data Popular ajudam a enxergar a combinação entre a formação da ideologia paulista e o antipetismo. Se o mercado financeiro economicamente dominante prega a livre iniciativa; se o governo federal atrapalha os negócios privados; se a população local valoriza o mérito próprio acima de tudo; se o Bolsa Família premia a falta de esforço e sustenta eleitoralmente o PT; conclui-se que ser paulista é ser antipetista.
O monopólio político do PSDB em São Paulo contribui para reforçar a contaminação da ideologia paulista pelo contraste com o PT. Os tucanos ocupam o Palácio dos Bandeirantes há duas décadas. Com a reeleição do governador Geraldo Alckmin, completarão 24 anos. É o mais longo caso de poder regional ininterrupto desde o fim da ditadura. Até o Maranhão da família Sarney, derrotada este ano pelo comunista Flavio Dino, já tinha experimentado alternância de poder.
No sábado 4, véspera da eleição, Alckmin publicou na Folha de S. Paulo um artigo a estimular e saudar o individualismo paulista desde as duas primeiras frases. “O desenvolvimento de São Paulo é, antes de tudo, fruto das melhorias alcançadas pela própria população. A cada decisão individual, de busca por mais estudo ou abertura de negócio próprio, quem ganha é São Paulo.”
As características econômicas e políticas de São Paulo dão pistas sobre a razão do fracasso eleitoral do PT no estado. Permitem desconfiar também de que o segundo turno da eleição presidencial entre o tucano Aécio Neves e a petista Dilma parece ser uma disputa entre São Paulo e o Brasil.

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