Ao novo ministro da educação Renato Janine Ribeiro
A educação não deve se prender ao formalismo do ensino ultrapassado que escolas e universidades ainda teimam em seguir...
José Carlos Peliano (*)
Antes de mais nada parabenizo-o pelo cargo e oportunidade de poder contribuir de forma consequente para melhorar a situação da educação nacional. Como filósofo e professor universitário, sua tarefa deverá obedecer aos seus conhecimentos teóricos e práticos adquiridos ao longo de sua carreira profissional.
Gostaria, no entanto, de levantar algumas questões que julgo importantes, primeiro por ter começado cedo no mundo do trabalho, meio tempo no ginásio e científico e meio tempo no comércio. Segundo por ter mais tarde cursado a universidade, tendo o tempo diário restante trabalhado igualmente no setor de serviços.
Neste período, cheguei brevemente a ministrar algumas aulas em cursos primários e ginasiais. Em seguida, mestrado, apenas estudando por meia bolsa de estudo, e finalmente o doutorado, enquanto desfrutava de licença correspondente no serviço público.
Após o doutorado, ao tempo em que já trabalhava no serviço público, fui diretor de uma escola experimental, organizada entre pais e mestres para o ensino pré-escolar, onde convivi com professores, alunos e muitas reuniões com os pais.
A experiência nessa escola me mostrou de um lado que o ensino pode ser um dom se bem e genuinamente aplicado, como pode ser um problema quando impera a “democratite”, onde todos querem dar seu palpite sem pensar na missão guia da instituição, tampouco no convívio e aprendizagem dos alunos.
Passei também pelo ensino universitário e pelo ensino técnico como professor. Momentos diferenciados que me mostraram as especificidades da proposta científica-universitária e da proposta tecnológica-profissional. Podem e devem ser melhor adequadas de sorte a se combinarem entre si para melhorar ambas: a universitária botando a mão na massa técnica e a profissional conhecendo mais de perto as noções básicas e fundamentais da ciência.
O breve currículo foi aí adicionado de propósito para mostrar que consegui obter uma experiência de estudo e trabalho suficiente para entender o que querem as empresas e o que pretende o ensino superior. Não são divergentes, mas têm características próprias, muitas vezes assimétricas e até mesmo conflitantes.
Minha experiência escolar, universitária e profissional me levou a considerar questões que me parecem importantes para melhorar o ensino nacional. Desde o nível pré-escolar, passando pelos demais até à universidade. Não vou entrar na discussão específica dos conteúdos respectivos aqui uma vez que merecem abordagem mais ampla e aprofundada. Comentarei apenas a ligação entre os níveis.
A educação não deve se prender ao formalismo do ensino ultrapassado de escolas e universidades que ainda teimam em seguir. Fugir das didáticas ortodoxas adeptas da cartilha “de cor e salteado”, da gravação de fórmulas, regras e teoremas, da repetição do que é apresentado em salas de aula. A internet chegou para ajudar. O aluno precisa aprender desde cedo a pesquisar por si próprio, embora com orientação, comparar, duvidar, debater, divergir, até formar sua opinião que se aproprie do que precisa ser aprendido e apreendido.
Nada de formação de robôs, meros repetidores das suficiências e insuficiências dos professores, livros-textos e padrões escolares. O mundo moderno exige há tempos alunos e professores, parceiros de conhecimento, pesquisa e elaboração técnica e científica.
Disciplinas modernas, tais como a biotecnologia, a robótica, a nanotecnologia, a astrobiologia, entre outras, requerem um conjunto de cientistas, técnicos e profissionais de várias áreas para levar à frente o conhecimento tendo o entendimento das relações entre as áreas como a base visceral do progresso científico e tecnológico.
Para tanto as velhas disciplinas como a biologia, química, matemática, física, desenho, precisam ser repensadas para voltarem a ser ensinadas de maneira mais eficiente e eficaz de acordo com o avanço do conhecimento. Minha sugestão é a de recuperar delas suas estruturas básicas, ou postulados estruturantes, se quiser, para que eles sim sejam aprendidos e apreendidos.
Não mais a ladainha de conceitos, definições, regras, postulados. Mas a fotografia fundamental de cada uma das velhas disciplinas de sorte a que elas sejam guardadas sob nova roupagem, sem esquecimento, sem raiva, sem frustação.
Quantos são os casos em que os profissionais usam, se muito, já no mundo do trabalho, apenas uns 10% do que aprenderam nos ensinos de primeiro e segundo graus, mesmo o universitário. É hora de a maioria guardar mais que 10% sob nova orientação didática e pedagógica; o restante fica para os profissionais que realmente quiserem seguir as carreiras nas quais esses conhecimentos são exigidos.
Agora, para que isto frutifique é necessário que a teoria venha junto com a prática. Sugestão que não é nova, mas pouco seguida. O conhecimento só ganha força e sinergia se ao aluno é dada a oportunidade de conhecer de perto como funciona o mecanismo ou a máquina, o qual foi concebido ou foi deduzido da teoria.
É preciso ver em sala de aula ou ler no livro e operar no chão de fábrica ou de oficina aquele mecanismo ou máquina. Há inúmeros casos de operários que contribuíram para suas empresas apenas observando o funcionamento do sistema de equipamentos e máquinas. Se tivessem conhecido antes a teoria com certeza se lhes expandiriam o conhecimento e suas respectivas contribuições.
Universidades e centros de pesquisa não são guetos fechados da ciência, tampouco as escolas técnicas e institutos tecnológicos são apêndices de conhecimento, assim como as fábricas são somente lugares onde a ciência e a tecnologia são aplicadas. A construção de naves espaciais, por exemplo, abriga vários cientistas, técnicos e profissionais especializados de vários níveis de conhecimento e formação.
Quase ao final, mas não menos importante, está mais que na hora de a professora e o professor, especialmente os dos ensinos básico, fundamental e médio, voltarem a ter a importância e o relevo social que merecem. Melhores condições de trabalho e salários são requisitos básicos de reconhecimento da sociedade e do estado pelo trabalho que desempenham na formação das meninas e meninos do nosso país.
Por fim, um breve relato. Ao final de uma de três palestras na cidade de Tefé, AM, no cinema da cidade, em 1970, fui abordado por um velho morador, pescador, que participara todo o tempo. Disse-me ele: “entendi tudo o que o senhor falou, bem explicado, só tem um problema, a cooperativa de consumo proposta para os pescadores fazerem aqui, não vai dar certo. Nós, sozinhos, não damos conta de enfrentar os comerciantes e a prelazia que se encarrega do transporte fluvial. A esperança minha e da maioria é que o senhor, quando voltar à capital, lembre da gente e faça alguma coisa por nós, especialmente na educação”.
Acho que muita coisa pude fazer ao longo de minha vida de servidor público e profissional de ensino superior para atender ao senhor Jatobá. Complemento aqui e agora com sugestões ao novo ministro a ser empossado para a área específica de educação.
(*) José Carlos Peliano é economista e colaborador da Carta Maior.
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