Qual o custo social da
austeridade para cada
ganho financeiro?
Quantas empresas terão de fechar as portas com a austeridade de agora no País? Quantas relações industriais e comerciais serão desfeitas?
José Carlos Peliano (*)
Por mais que o secretário - geral da Presidência da República afirme que os direitos sociais são intocáveis, eles já estão tocados e acabarão sendo tocados mais a fundo pela guinada na política econômica do governo federal.
Houve, sim, mudança de propósitos a despeito das “correções de rumo” levadas a termo nas áreas fiscal e tributária. De boas intenções o inferno está cheio e quem acaba pagando o pato são os mais pobres, os menos protegidos pelo sistema.
Não há compatibilidade técnica ou política do ajuste com a política social. Não há o jeitinho brasileiro no desenho e aplicação de correções entre a estratégia da austeridade e a estratégia social (qual?) do governo federal. A de Mantega foi descorada pela de Levy.
Se a manteiga azeitava pontualmente a economia nos últimos anos na busca de um ajuste entre os interesses industriais e os dos rentistas, na atual administração federal a economia “levyta” acima dos ajustes anteriores em direção a um corte de gastos públicos e aumentos de tributos, incluindo as chamadas correções de rumo.
Vamos procurar entender o que aconteceu. A austeridade seguida por mais um “Chicago boy” vai segurar com certeza as asas curtas da economia brasileira que voava sim, mas não conseguia voar mais alto nos últimos anos. Receita conhecida dos manuais de economia e das experiências nefastas mundo afora.
O resultado de corte de gastos, aumento de tributos, completando com câmbio sem administração, ao sabor dos ventos, reduz a produção nacional, trava novos investimentos. O PIB recua e com ele a atividade econômica. Resultado: desemprego e expansão dos bolsões de pobreza.
Como o governo federal quer combater o desemprego? Com o seguro-desemprego, daí afirmar que os direitos sociais são intocáveis. Só que os efeitos do remédio austero pode fugir do controle e o aumento do número de desempregados ser muito maior e ameaçar os recursos disponíveis do seguro.
Pior, as próprias medidas econômicas de ajuste fiscal e tributário podem afetar a arrecadação do PIS/Pasep, de onde saem os recursos para comporem o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador). Uma vez que esses recursos advém de contribuições das empresas sobre seus faturamentos. Ou seja, sobre suas vendas a um mercado encolhido.
Se a economia resolver melhorar no curto-prazo, como?, o governo federal sai chamuscado dessa, mas ileso, quando as empresas vierem a recuperar as vendas e os faturamentos. Caso contrário, o aumento do desemprego pode pesar no bolso e na barriga dos trabalhadores, aportar nos levantamentos do IBGE e chegar aos ministérios ameaçando a permanência dos responsáveis. Ou não, como diria o “filósofo” baiano Caetano, o Veloso.
Ou não. Porque em economia a política conta muito mais do que imagina a vã filosofia. De fato, se houver um consenso tático e estratégico entre os grupos industriais poderosos, os grupos rentistas, incluindo o sistema bancário e financeiro, e o governo, é possível que uma retomada, mesmo que frágil e tímida, venha a ocorrer.
E se a oposição e a mídia resolverem não sabotar o tanto que vêm fazendo. Quando perceberem que o remédio pode matar o doente e ameaça-las de uma forma ou de outra/
O que conta no frigir dos ovos das contas econômicas é o balanço entre as taxas de retorno dos investimentos e os ganhos obtidos no mercado financeiro. A conta de chegar mais importante nos cálculos do vai-e-vem do dinheiro.
Caso a crise internacional continue, os mercados externo e interno não reagirem positivamente, os industriais deverão continuar aplicando seus lucros em papeis pré e pós fixados em detrimento da expansão de projetos antigos de investimento ou do lançamento de novos.
Mas uma concertação entre todos esses atores pode amenizar a compulsão ao rentismo em benefício da retomada industrial, desde que o governo ceda em benefícios, incentivos e coisas do gênero. Enquanto a indústria não se voltar ao fortalecimento e à consolidação do parque dos bens de capital, nada feito.
Nem mesmo a austeridade, que é a maneira mais dura e burra para o povo enfrentar um ajuste ortodoxo, mas é a mais fácil para destruir a economia desfazendo circuitos industriais e comerciais entre pequenas, médias e grandes empresas. A Zona do Euro está repleta de exemplos nos últimos anos.
Alternativas mais saudáveis existem e muitos já as apontaram para o Brasil vencer o remanso em que a economia se encontra. Lições de casa abundam em nossa história econômica. Insucessos no caminho da austeridade não faltam. Estiveram na fila dos austeros Simonsen, Roberto Campos, Armínio Fraga, entre outros. Períodos em que a economia brasileira catou cavaco.
Onde estão as trilhas promissoras dos BRICS, do Mercosul e de uma política industrial integrada, mas diferenciada? Uma diferença importante seria a concepção de ações de fomento e incentivo às pequenas e médias empresas industriais voltadas mais para o mercado interno.
A armação de um complexo industrial voltado preponderantemente para o fornecimento de bens de capital à parcela da indústria nacional de produtos e serviços de menor valor agregado é uma opção duradoura. Enquanto as grandes batalham também por espaços no setor externo, as demais cuidam de garantir o emprego, a renda e a arrecadação no front interno.
E não seria necessário o retrocesso traído com a austeridade. Nem a invenção recente da austeridade seletiva, que é a ilusão que toma conta do governo federal. Não existe meia cirurgia para curar um doente, ou opera-se o que se deve operar ou fecha-se e nada se faz.
Aliás destruir é muito fácil, nisto a austeridade é campeã imbatível. Mais sensato, trabalhoso, mas socialmente justo, é construir ou reconstruir com sapiência, perspicácia, conhecimento e justiça. Sem acabar com expectativas, sem frustrar projetos ou derrubar sonhos. Quantas empresas terão de fechar as portas com a austeridade de agora no País? Quantas relações industriais e comerciais serão desfeitas? Quanto se vai perder de iniciativas promissoras? Quando se perderá em arrecadação? Quantos trabalhadores na rua ou em posições piores?
Enquanto isto quanto dos serviços da dívida pública estarão sendo carreados aos bolsos dos rentistas industriais, da banca, dos proprietários? Quanto as ações terão suas cotações elevadas nos pregões com o enxugamento da dívida pública concomitante ao desemprego gerado? Qual o custo social para cada ganho financeiro?
(*) Economista, colaborador da Carta Maior
Nenhum comentário:
Postar um comentário