Evo Morales assume 3º
mandato, sem a presença
da chilena Bachelet
Frederico Füllgraf
Santiago do Chile – Especial para o Jornal GGN
Quem diria!
Nessa quarta-feira 21 de janeiro, Juan Evo Morales Ayma, o índio uru-aimará, nascido em berço pobre no arraial mineiro de Orinoca, departamento de Oruro, sagrou-se como o presidente mais longevo da república fundada por Simón Bolívar, em 1825, que entrou para a História sob o signo emancipador do sindicalista cocaleiro como Buliwya Mamallaqta, designação aimará que quer dizer “Estado Plurinacional da Bolivia”.
Em 12 de outubro de 2014, o artigo Morales emplaca 3º mandato com economia favorável e inclusão social fechava com a frase auspiciosa, “a Bolívia vai bem, obrigado!”.
A frase resumia o êxito dos primeiros oito anos da administração Morales, da que é emblema, entre outros, a taxa de crescimento econômico de 5% (dados da Comissão Econômica para América Latina e Caribe-Cepal) ou 5,5%, segundo o governo boliviano.
Enquanto a média regional do crescimento na América do Sul foi de 1,1%, sem falar do pífio índice de 0,2% registrado pela economia brasileira (mais de vinte e cinco vezes abaixo da excelente marca boliviana), a república plurinacional andina se destacou como locomotiva do desempenho continental em 2014.
Crise e oportunidade
Três meses atrás, escrevíamos que, apesar do excelente performance boliviano, sua “fixação na velha matriz energéica dos combustívedis fósseis, o calcanhar de Aquiles de todo boom baseado no extrativismo exportador de commodities, é sua perigosa exposição à volatilidade do mercado internacional”.
A volatilidade sacudiu o mercado mundial, outubro era apenas o início da queda livre das cotações do preço do petróleo, provocado pela inundação premeditada do mercado mundial por superprodução saudita, supostamente para frear os concorrentes do fracking do xisto; suposição ingênua que a cada dia mais evidenciou uma trama política urdida com a finalidade de sabotar a Economia russa, também perigosamente amarrada ao desempenho de sua conta de petróleo.
Luis Arce, ministro da Economia e Finanças boliviano, afugenta fantasmas, enxergando “um efeito negativo, mas também um efeito positivo” na maré brava do mercado dos combustíveis. Explica que, por um lado, a Bolívia exporta gás, cujos maiores compradores são o Brasil e a Argentina, mas cujo preço caiu 40% em cinco meses, obviamente prejudicando a conta de exportações Porém, no mesmo período, a queda do preço do barril de petróleo foi de 52%. Como a Bolívia importa gasolina e diesel, vendidos no mercado interno a preços subsidiados pelo governo, o país consegue safar-se, reduzindo notavelmente o impacto da conta do gás.
Bolívia exporta gás e gente
Nem tudo são rosas no desempenho econômico boliviano, que cobra políticas urgentes de diversificação da matriz produtiva, principalmente com o traçado de um rigoroso vetor tecnológico e a dinamização do setor agro-exportador.
Aspecto dramático, raramente comentado pelas análises oficiais, são os mais de 700.000 bolivianos, cerca de 7,0% de toda a população, residentes fora do país, principalmente como mão-de-obra barata e suja, na Argentina, España e Estados Unidos, seguidos de perto por São Paulo, no Brasil, onde o número de bolivianos registrados pelo último censo aumentou 173%, saltando de 6.578 para 17.960 – estatística colocada em dúvida pelo próprio consulado da Bolívia, que estima em mais 100 mil seus compatriotas imigrantes, sobretudo se computados os ilegais.
Atraídas por empresas de contratação e terceirização de mão-de-obra jovem e barata, principalmente para a indústria têxtil e o mercado de empregadas domésticas, na Argentina, no interior da Bolívia operam redes sociais que incentivam a emigração de notáveis contingentes que não conseguem ser absorvidos pelo mercado de trabalho interno, mas cujas remessas do exterior – segundo estimativa da Organização Internacional para as Migrações (OIM) - já são responsáveis por 5% do PIB boliviano.
Contudo, o performance econômico é apenas uma das três pernas que movem o novo paradigma histórico boliviano, os outros dois são a ascensão ao poder do indigenismo e a tenaz campanha pelo mar boliviano, tema de duas reportagens publicadas proximamente neste espaço.
Tensões e boicote chileno
Na véspera da posse de Morales, a chancelaria chilena emitiu uma curiosa – e contraditória – nota para justificar a ausência da presidenta Michelle Bachelet ao ato festivo em La Paz, pretextando, primeiro, que a mandatária “não costuma prestigiar posses de mandatos consecutivos” e, segundo, que sua agenda estaria tomada com viagens a Nova York e ao Vaticano.
As excusas enviesadas do gabinete do chanceler Heraldo Muñoz são risíveis, pois Bachelet consagrou com sua presença tanto a segunda posse de Morales, em 2010, como a de Dilma Rousseff, no último dia 1º. de janeiro, e retornou de sua viagem à Nova York na manhã da quarta-feira, 21.
Sobrava-lhe tempo para reeembarcar rumo a La Paz, mas uma estranha nota à imprensa anunciou seu reembarque com destino a Roma, nesta manhã de 22 de janeiro, que tampouco confere, uma vez que a segunda visita ao Vaticano (a primeira foi em 2009, ao Papa Benedito XVI) em companhia de Cristina Fernández de Kirchner, foi cancelada na véspera do Ano Novo, devido a uma fratura de tornozelo da presidenta argentina, e vagamente reagendada para “o mês de janeiro” - reagendamento agora agravado pela misteriosa morte em Buenos Aires do promotor Alberto Nisman.
A rigor, uma visita de Bachelet, sozinha, ao Vaticano, não faria sentido, pois a agenda prevê a celebração conjunta das presidentas do 30º. aniversário do Tratado de Paz e Amizade, assinado com a mediação do então papa João Paulo II, que evitou a “Guerra do Beagle”, entre as ditaduras argentina e chilena.
Este seria o pretexto oficial para a visita, e talvez o verão tórrido, dos Andes Centrais ao Atlàntico, faça das suas para esquentar cabeças, pois reinam os desencontros e o nervosismo nos gabinetes palacianos.
A verdadeira missão de Bachelet no Vaticano, não admitida publicamente pela diplomacia chilena, tem pressa e consiste em contrabalançar o encontro de Evo Morales com o Papa Francisco, ocorrido em meados de 2014, ocasião em que o Pontífice confirmou sua visita à Bolívia em 2015, visita que por sua vez gerou nervosismo no palácio La Moneda e na chancelaria chilena.
Pano de fundo da competição pela bênção – e quem sabe, pela mediação - do Papa é a ação protocolada em abril de 2013 pela Bolívia na Corte Internacional de Justiça (CIJ), de Haia, que obejtiva obrigar o Chile a sentar à mesa e negociar uma saída soberana da Bolívia ao Pacífico, perdida na Guerra do Salitre (1879-1883).
Cordiais durante o primeiro mandato de Bachelet (2006-2010), desde o final da gestão Sebastián Piñera e neste primeiro ano do segundo mandato da presidenta socialista, as relações entre a Bolívia e o Chile se tornaram tensas, subindo de tom – tom agravado com o apoio declarado à Bolívia pelos países da ALBA e o presidente uruguaio, José Mujica.
Perdedor da disputa marítima com o Peru na mesma CIJ, em 2014, e assustado com a bancada de juristas internacionais de primeira linha, contratados pela Bolívia e coordenados por Phillip Sands - o inglês com máster da Universidade de Cambridge que em 1999 rejeitou uma proposta indecorosa para defender o ditador Augusto Pinochet, durante sua prisão domiciliar em Londres, e que, ao contrário, tentou forçar sua extradição à Espanha - o Chile teme perder mais uma batalha limítrofe, na qual os assessores de Bachelet não querem ceder um dedo, com medo de perder a mão. Na verdade, a bagatela de 5 km do total de 400 km de litoral boliviano “incorporados” pelo Chile em 1883.
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