247 - Cinco anos atrás, o Itamaraty costurou um acordo diplomático com o Irã e a Turquia, que impunha estrita vigilância sobre o programa nuclear iraniano. O acordo previa que o Irã enviasse à Turquia 1,2 mil kg de urânio de baixo enriquecimento para que fosse substituído por urânio enriquecido a 20% para ser usado em pesquisas médicas. Pelo acordo, haveria supervisão de inspetores turcos e iranianos. À época, o presidente Lula classificou o entendimento como "uma vitória da diplomacia", num momento em que países ocidentais, influenciados por Israel, ameaçavam bombardear o Irã.
"Foi uma resposta de que é possível, com diálogo, a gente construir a paz, construir o desenvolvimento", disse Lula. "Há um milhão de razões para a gente ter argumento para construir a paz e não há nenhuma razão para a gente construir a guerra. O Brasil acreditou que era possível fazer o acordo. Mas o que é importante é que nós estabelecemos uma relação de confiança. E não é possível fazer política sem ter uma relação de confiança", acrescentou.
Aquele acordo, no entanto, não foi implementado por ter sido sabotado por países ocidentais. Alegava-se que o Irã não iria cumpri-lo e que o Brasil, além de ingênuo, estaria se metendo num território proibido, para o qual não havia sido chamado.
Nesta semana, no entanto, os países ocidentais assinaram na cidade de Lausanne, na Suíça, um acordo que foi classificado como "histórico" pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Segundo Obama, o acordo evita, definitivamente, que o Irã tenha a bomba atômica, embora o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, diga o contrário.
Ocorre que o acordo de Obama é bem menos ambicioso do que o negociado por Lula em 2010, conforme aponta o (insuspeito) jornalista Clóvis Rossi, especialista em questões internacionais, em seu artigo publicado na Folha/SP neste domingo.
"Se os Estados Unidos tivessem levado a sério o acordo Brasil/Turquia/Irã de 2010 em torno do programa nuclear iraniano, o mundo teria perdido menos tempo e enfrentado menos dificuldades ao enfrentar o tema. É a conclusão que emerge após o acordo preliminar da quinta-feira (2) entre as seis grandes potências e o Irã", diz ele no texto Quando o Brasil não foi 'anão diplomático', ABAIXO REPRODUZIDO.
"Comecemos por um detalhe técnico relevante: na carta que mandou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ao primeiro-ministro turco Recep Erdogan, Barack Obama dizia ser "fundamental" que o Irã enviasse ao exterior 1.200 quilos de urânio pobremente enriquecido para ser enriquecido a um ponto compatível com seu uso pacífico e incompatível com a bomba. Esse ponto constava explicitamente do acordo Brasil/Turquia/Irã. Agora, o tamanho do estoque iraniano de urânio pobremente enriquecido é de 10 mil quilos (será reduzido a 300 quilos nos termos do acordo de Lausanne). Vê-se, pois, que o Irã avançou bastante em seu programa nuclear nesse lapso de cinco anos. Se o acordo de 2010 tivesse sido usado como base de uma negociação entre as potências e o Irã, em tese seria mais fácil um entendimento, pois os iranianos não estariam tão avançados."
Rossi também criticou duramente a crítica feita ao Brasil, por observadores internos e externos, de que o país teria sido um 'anão diplomático'. "Fica claro, pois, que o Brasil não foi naquele momento o "anão diplomático" como o qualificou recentemente um porta-voz israelense. Pena que tenha sido tratado como tal pelos EUA.", afirmou.
Neste sábado, Celso Amorim conversou com o jornalista Paulo Henrique Amorim e deu sua visão sobre o porquê da sabotagem norte-americana ao acordo Brasil-Irã-Turquia. "A Hillary Clinton me dizia que não se pode confiar no Irã", afirmou. Ele condenou, ainda, que as sanções ocidentais tenham causado "cinco anos de privações" ao povo iraniano.
No passado, Lula também deu sua visão sobre a sabotagem americana. "Sabe qual é a minha conclusão? Que eles (os ricos) não querem que exista um novo ator! O Brasil ? Não! Não se meta! O Oriente Médio não é coisa pra você!"
Quando o Brasil não foi 'anão diplomático'
Intermediação do país para tentar acordo nuclear com Irã em 2010 poderia ter vingado se levada a sério pelos EUA
Obama dissera a lula que queria um país amigo para dialogar com Teerã, e o Brasil se dispôs
Se os Estados Unidos tivessem levado a sério o acordo Brasil/Turquia/Irã de 2010 em torno do programa nuclear iraniano, o mundo teria perdido menos tempo e enfrentado menos dificuldades ao enfrentar o tema.
É a conclusão que emerge após o acordo preliminar da quinta-feira (2) entre as seis grandes potências e o Irã.
Comecemos por um detalhe técnico relevante: na carta que mandou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ao primeiro-ministro turco Recep Erdogan, Barack Obama dizia ser "fundamental" que o Irã enviasse ao exterior 1.200 quilos de urânio pobremente enriquecido para ser enriquecido a um ponto compatível com seu uso pacífico e incompatível com a bomba.
Esse ponto constava explicitamente do acordo Brasil/Turquia/Irã. Agora, o tamanho do estoque iraniano de urânio pobremente enriquecido é de 10 mil quilos (será reduzido a 300 quilos nos termos do acordo de Lausanne).
Vê-se, pois, que o Irã avançou bastante em seu programa nuclear nesse lapso de cinco anos. Se o acordo de 2010 tivesse sido usado como base de uma negociação entre as potências e o Irã, em tese seria mais fácil um entendimento, pois os iranianos não estariam tão avançados.
Do ponto de vista político, o acordo de 2010 também era importante. Obama havia dito a Lula e a seu chanceler Celso Amorim que os EUA precisavam de um país amigo que pudesse dialogar com o "inimigo", o Irã. O Brasil dispôs-se a esse papel, com relativo sucesso.
Aproveitar a boa disposição iraniana em negociar com países aliados dos EUA, como Turquia e Brasil, serviria para, eventualmente, alcançar o mesmo que agora promete o presidente Hasan Rowhani: cooperar com a comunidade internacional.
Ressalve-se, claro, que o presidente da época era o radical Ahmadinejad, ao passo que Rowhani é claramente um moderado. Por fim, Lula transmitiu a Ahmadinejad sua reclamação contra declarações do então presidente iraniano sobre o Holocausto (negando-o) e contra Israel.
De certa maneira --e sem o peso que teria uma declaração das potências mundiais--, atendeu um ponto que, agora, Binyamin Netanyahu, o premiê israelense, está pedindo: que o acordo final com o Irã inclua o reconhecimento iraniano do direito de Israel à existência (obviamente a uma existência segura).
Fica claro, pois, que o Brasil não foi naquele momento o "anão diplomático" como o qualificou recentemente um porta-voz israelense. Pena que tenha sido tratado como tal pelos EUA.
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