quarta-feira, 17 de junho de 2015

Danos colaterais na
guerra da mídia

Luciano Martins Costa
                  

Valor Econômico publica como manchete, na edição de terça-feira (16/6), um resumo do seminário “Uma agenda para a dinamização da exportação de serviços”, promovido pelo jornal de economia e negócios. “Empresários pedem debate despolitizado sobre BNDES”, diz o título da reportagem na primeira página.
A manchete se contrapõe à tendência do noticiário abrigado pelos diários não especializados, que dão grande repercussão a denúncias de relações impróprias entre o BNDES e o grupo Odebrecht.
O jornal especializado reproduz parte do debate, que reuniu executivos, representantes de empresas exportadoras e autoridades como o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, diplomatas e o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Armando Monteiro – mas os textos dos jornais genéricos se referem apenas a Marcelo Odebrecht, presidente da empreiteira que vem sendo acusada de ter sido favorecida pela política de financiamentos do banco de fomento.
No Valor, o tom geral das intervenções durante o seminário foi o de que “é preciso despolitizar o debate sobre crédito externo do BNDES”. Nos demais diários, a cobertura se limita a retratar a irritação do empresário com acusações veiculadas insistentemente pela imprensa.
“Não fizemos nada de ilegal, diz presidente da Odebrecht” – é o título dado pelo Estado de S. Paulo.
“Financiamento do BNDES não é ilegal, diz Odebrecht” – é o título da Folha.
“Não tem nada de ilegal ou imoral, diz Marcelo Odebrecht” – é a versão do Globo.
Como deve ter sido alertado por seus assessores de comunicação, Marcelo Odebrecht deve saber que negar frontalmente uma acusação maliciosa não é a melhor tática para reverter um noticiário negativo. Por isso, o tom de sua manifestação só pode ser atribuído à irritação que disse estar sentindo por não conseguir se contrapor às denúncias.
O empresário sabe que está sendo atacado porque foi apanhado na linha de fogo da imprensa contra o ex-presidente Lula da Silva. Nesse contexto, não há especialista em gestão de crise que consiga atenuar o efeito do noticiário negativo, porque o que a mídia deseja não é esclarecer os fatos, mas confirmar o viés imposto desde o início a essa pauta.
Se, para atacar Lula, for necessário detonar a imagem da Odebrecht ou de qualquer outra empresa, não haverá complacência.

O objetivo não é informar

Já se afirmou aqui em muitas ocasiões que, na sua guerra de morte contra o partido que governa o país desde 2003, a mídia tradicional sacrifica até o jornalismo. A imprensa hegemônica procura criminalizar a política de incentivo à exportação de serviços iniciada por Lula, que permitiu a empresas como a Odebrecht ampliar sua atuação no exterior, como forma de vincular a figura do ex-presidente à enxurrada de denúncias de corrupção e minar suas chances numa eventual candidatura a presidente da República em 2018.
Embora tenha sido poupada, até aqui, do tsunami que envolve empreiteiras no escândalo da Petrobras, a Odebrecht vê sua reputação atirada ao mesmo lodo por outra via – a de um suposto favorecimento por parte do BNDES. Quem acompanha o desempenho da empresa em grandes obras no exterior, na última década, pode observar como ela expandiu sua presença, principalmente na América Latina e na África, após o primeiro mandato de Lula. Mas as obras estão lá, criaram milhares de empregos, ajudaram a consolidar o protagonismo do Brasil nessas regiões, e trouxeram dividendos.
A ponte sobre o rio Orinoco e as vilas agrárias, na Venezuela, o sistema de tratamento de águas e esgotos, estradas e pontes, em Angola, o aeroporto e o anel rodoviário de Trípoli, na Líbia, o projeto de irrigação do deserto, que criou uma nova zona agrícola no Peru, além de uma usina hidrelétrica na encosta de um vulcão, são algumas dessas obras financiadas com dinheiro público. São projetos específicos, disputados com grandes empresas estrangeiras, principalmente da China, e realizados graças aos subsídios do banco de desenvolvimento.
Para dar curso às denúncias de tratamento privilegiado, os jornais deveriam ter enviado repórteres para conferir os resultados dessa política de exportação de serviços. Mas, como se sabe, não se trata de um debate racional.
A irritação de Marcelo Odebrecht, da maneira como é retratada pelos jornais, não contribui para mudar o efeito do noticiário tendencioso, porque o objetivo da imprensa não é informar – o objetivo é estimular a criação de uma CPI, que pode paralisar as atividades do BNDES. Não importa quais sejam os danos colaterais.

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