Vai uma luta de classes aí, Madame?
Paulo Tadeu



Afinal de contas, o
panelaço sempre foi coisa de pobre, de gente sem comida, sem recursos, sem trabalho,
teto, terra e esperança. Fiquei imaginando uma madame empunhando um porcionador
de arroz de aço inox “caréééééśimo” batendo com toda fúria em uma panela Le
Creseut de 34 centímetros, que custa quase dois mil reais ou setecentos dólares
na linguagem mais afinada com os trejeitos aristocráticos da manifestante de
apartamento.
Piscar de luzes nos
requintados condomínios – sem água, mas requintados, sem água, mas limpinhos,
buzinaços de BMW e Ferraris, e uma ou outra vuvuzela de um novo rico que ainda
não sabe se comportar, deram a forma do inconformismo chique contra a palavra
da presidenta em rede nacional.
Aqui do meu cantinho,
fiquei imaginando mãos de seda que nunca empunharam uma espumadeira, brandir
uma Utility Tramontina de aço, avermelhando suas delicadas articulações
metacarpofalângicas, sacrifício supremo para quem as vêzes se esquece de
movimentá-las para acarinhar um filho devidamente destinado à babá de uniforme.
No Brasil de hoje
parece que ser contra não é suficiente, manifestar-se legitimamente é pouco,
ter preferências partidárias já não basta. É preciso deixar o ódio de classe
aflorar pelos perfumados salões dos que acham que avião, faculdade, carro,
férias, restaurantes, boas roupas, filhos bem nutridos, emprego, bons salários
devem ser coisa para poucos.
As panelas inglesas
Gordon Ramsay ou as alemãs Silit não ressoaram pela igualdade, pela moral e
bons constumes, pela ética, pelo fim da miséria, pela soberania do país. Cada
batida parecia ecoar – o Brasil é para poucos, o Brasil deve ser apenas
daqueles que acham um absurdo essa dificuldade de achar empregada doméstica,
mais doméstica que empregada. Ainda mais com essa mania de direitos
trabalhistas para quem tem “o privilégio de conviver com a gente”.
Segundo Marx, “a
história de todas as sociedades que existiram até hoje é a história das lutas
de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, resumindo,
opressor e oprimido, estiveram em constante oposição uns contra os outros;
conduziram uma luta que por muitas vezes terminou na transformação
revolucionária da sociedade inteira, ou então com a ruína das classes em luta”.
As panelas fartas dos
bairros chiques afinal se deram conta do que dizia Marx.
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“Vai uma luta de classes aí, Madame?”
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