Na Espanha, o partido 'Podemos', de menos de dois anos de existência e perfil progressista-popular, desbancou o bipartidarismo dos carcomidos PP e PSOE. Também elegeu as maiorias parlamentares das duas grandes cidades - Madri e Barcelona -, na eleição de domingo, 24, credenciando-se, dessa forma, como a força política mais consistente para ganhar o governo nacional no pleito de dezembro.
Na Argentina, a presidenta Cristina Kirchner levou 800 mil pessoas à histórica Plaza de Mayo, nessa última quinta(28) demonstrando que tem poencial para eleger seu sucessor, em outubro. Ela ainda desafiou em seu discurso daquele dia comemorando o 205 anos da independência: "Não tenham medo do que vai acontecer (depois que ela deixar o governo), porque (vocês) são os verdadeiros donos de seu destino". Por isso, se mostrou convicta de que o país seguirá "o rumo da mudança e da transformação, pois ninguém vota para trás".
Esses dois exemplos são muito ilustrativos da capacidade desses dois países em superar, através de lideranças afinadas com a maioria social, a arremetida neoliberal que destroçou sua economia e as conquistas da população: a Espanha, ainda afundada desde a crise de 2008 na recessão, no desemprego e na expulsão de milhares de espanhóis de suas casas, por não mais conseguirem pagar a hipoteca; e a Argentina, egressa da implosão de 2001 e agora no rumo do desenvolvimento com inclusão, que corre o risco de perder as conquistas ao longo dos últimos 12 anos, em face da mudança de governo.
Como agora no Brasil, onde a recém reeleita presidenta progressista Dilma Rousseff, enfrenta a maior campanha de descrédito promovida pela elite econômica, Espanha e Argentina, sofreram pesado bombardeio midiático, tentando reprimir suas forças sociais. Mas, cada qual a seu modo, estas vão derrotando em eleições limpas e democráticas, o modelo do Consenso de Washington, formulado pelos bancos e empresas transnacionais com o FMI e o Tesouro dos Estados Unidos, em 1989.
Tal modelo, que chegou a implantar uma ditadura neoliberal durante a década de 90 na América Latina, com a privatização e o desmantelamento das infraestruturas nacionais, foi depois subsituído pelos programas nacionais de inclusão iniciados com Hugo Chávez, na Venezuela, Lula, no Brasil, os Kirchner, na Argentina, Evo Morales, na Bolívia, RAfael Correa, no Equador, e DAniel Ortega, na Nicarágua.
Depois se transplantou, a partir de 2008, para a Europa, arrasando as economias de países como a Espanha, Grécia, Portugal, Irlanda e afetando seriamente a Itália e a própria França, considerado o segundo país mais rico do continente.
Na Grécia, cujo governo, como o da Itália, foi deposto por maiorias parlamentares financiadas pela chamada troika - FMI, Banco Europeu e Comunidade Europeia -, a população rebelou-se e elegeu o Partido Syriza, em janeiro deste ano, para rejeitar a política do arrocho, implatada pelo governo dessa troika, e repudiar a dívida externa. Esta provocava 35% de desemprego e o colapso quase total das empresas e instituições governamentais. O Syriza já sinalizou que poderá até retirar o país da zona do Euro, caso não obtenha um entendimento, de preferência, com base no modelo adotado pelo governo Kirchner, da Argentina, a partir de 2003.
Agora, é a vez da Espanha, cujas forças de vanguarda organizaram-se politicamente com os protestos de rua dos Indignados, que redundaram na grande manifestação de 15 de maio de 2011, o chamado 15-M, em Madri, seguido da ocupação de vários locais estratégicos, em movimentos de massa convocados pela internet . Do 15-M, surgiram o Podemos e outros partidos progressistas, que já sinalizaram sua força com a vitória na eleição europeia de 2014, e, agora, com seu crescimento nas eleições municipais e autonômicas de domingo, 24 de maio.
Pablo Iglesias, de 37 anos, ungido líder do Podemos, através de u processo horizontal, do qual participaram a cidadania de diferentes correntes, em votação realizada pela internet, já havia avisado dias antes da última votação: “Na Espanha, não há maioria social moderada, há um povo que se recusa a humilhar-se e tem bem claro quem são seus inimigos: as elites políticas e econômicas que assalta o povo espanhol e enriqueceu à custa dele”.
Iglesias e sua turma de líderes imberbes, na maioria menores de 30 anos e vindos principalmente da Universidade Complutense de Madri, sofreram o pão que o diabo amassou, a partir de sua vitória na eleição europeia. A mídia de lá, tão devastadora quanto a daqui, procurou desmoralizá-lo, vinculando-os ao bolivarianismo, no que não estava errada, porque ele não esconde seus pendores integracionistas dos países emergentes. Os líderes do Podemos conseguiram, no entanto, se safar, ainda que à custa de algumas divergências internas, mas chegaram bem organizados no pleito de domingo e têm tudo para seguir o exemplo do Syriza, ou seja, assumir o poder na Espanha, quem sabe já nesta eleição parlamentar nacional de 24 de dezembro.
Finalmente, na Argentina, Cristina Kirchner, que se prepara para encerrar dois mandatos de quatro anos, ao qual soma outros quatro do marido Néstor Kirchner, acaba de triunfar sobre uma nova blitz-krieg midiática, desta vez a que procurou envolvê-la com a morte do procurador Alberto Nisman, em 18 de janeiro último. Ela demonstrou não só tratar-se de mais uma intriga como desmoralizou toda a articulação que comeu alguns pontos no seu Ibope, como volta a despontar como o principal eleitor na Argentina, diante de uma oposição que se fragmenta a cada dia que passa por falta de unidade e sobretudo de mensagem, porque toda ela envolvida na conluio neoliberal para voltar à Argentina do colapso de 2001.
Não se entenda daí que a eleição será fácil para Cristina, porque o pré-candidato de seu partido, Daniel Scioli, é favorecido pelo Clarín e o La Nación, os grandes conglomerados de comunicação e representantes das corporações. Scioli, que não consegue negar suas inclinações neoliberais e seus vínculos com os Estados Unidos, significaria um golpe forte no modelo inaugurado pelos Kirchner.
Para evitar a designação de Daniel Scioli como candidato kirchenerista, nas Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias (PASO), em 23 de setembro, da qual participa todo o eleitorado argentino, a presidenta terá de reforçar o pré-candidato mais afinado com seu projeto, o ministro dos Transportes, Florenzo Randazzo. Este figura nas pesquisas com uma média de 12 a 15%, contra 25% de Scioli, 22% de Maurício Macri, governador da Cidade Autônoma de Buenos Aires, candidato do partido PRO, apoiado pelo sistema econômico, e 16% do deputado Sérgio Massa, da Frente Renovadora, também de direita. Randazzo vem experimentando crescimento ponderável nos últimos dias, mas terá de ter mais voto que Scioli nas PASO para se sagrar como candidato do governo, ou seja pelo partido Frente para a Vitória. Qualquer que seja a dificuldade, no entanto, tanto Cristina Kirchner como Pablo Iglesias não se deixam atemorizar e dão uma banana para a direita.
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