A Fifa, a
Globo e Carlitos
em "Luzes da Cidade"
Urariano Mota
Quando a gente se informa sobre as últimas prisões na Fifa, à primeira vista parece que temos um filme de ação de gângster. No entanto, mais adiante, o filme lembra também uma comédia de Chaplin. Acompanhem. Vamos primeiro à ação de bandidos, do gênero Al Capone. Porque olhem só o que obtemos, quando juntamos os cacos do noticiário sobre as prisões dos corruptos na FIFA.
Antes, um breve recuo histórico, que fala das verdadeiras razões da justiça norte-americana, a entidade acima da lei.
Em março de 2011, meses após os EUA verem sua candidatura para a Copa de 2022 ser dizimada pela do Qatar, em pleito altamente suspeito, um dos executivos que lideraram o projeto jantou com jornalistas no restaurante principal do Staple Center, em Los Angeles. Questionado sobre o fracasso, disse, de maneira altiva: "Não nos disseram que o jogo seria jogado dessa maneira. Soubéssemos, seria diferente".
O executivo, pouco antes, contara que uma das ideias para a segunda Copa americana era a construção de um estádio em área degradada ao lado do ginásio em que jogam os rivais Lakers e Clippers. A arena, após o Mundial, abrigaria o retorno de uma equipe da NFL à capital californiana, esse era plano. Ficou claro que ele perdera dinheiro, provavelmente muito, com a polêmica decisão da Fifa.
Quatro anos depois, investigação do FBI e do Departamento de Justiça dos EUA prende José Maria Marin e quase toda cartolagem que manda nas federações de futebol. As acusações vão de propina, pura e simples, a coisas aparentemente prosaicas como guardar valor não declarado em cofre de banco. Revela-se também que J. Hawilla, midas do marketing esportivo do país, já foi condenado na mesma investigação.
Agora, onde entra a Rede Globo:
José Hawilla, dono da Traffic Group, maior agência de marketing esportivo da América Latina, é o réu confesso que aceitou pagar US$ 151 milhões no caso da Fifa. Ele fundou em 2003 a TV TEM - a maior afiliada da Rede Globo, cobrindo 318 municípios e 7,8 milhões de habitantes, alcançando 49% do interior paulista; nos últimos dez anos. Estima-se que o faturamento anual da empresa de J. Hawilla gira em torno de US$ 500 milhões (R$ 1,6 bilhão). Ele é sócio de Paulo Daudt Marinho, filho de José Roberto Marinho, um dos herdeiros da Globo.
O problema é que a associação entre a Fifa e a Globo vai além das transmissões de jogos por uma afiliada, de um dos herdeiros. No blog do Paulinho – a internet é soberana – vemos mais fundo. Em https://blogdopaulinho.wordpress.com/2015/05/28/investigacao-do-fbi-gera-temor-na-rede-globo-e-no-executivo-marcelo-campos-pinto/ :
a associação entre a Fifa e a Globo vai além das transmissões de jogos por uma afiliada, de um dos herdeiros.
Voltando à ‘Sport Promotion’, é exatamente a empresa de ‘Kiko’ que intermedeia – em associação com a TRAFFIC – os direitos de transmissão da Copa do Brasil (citada pelo FBI como fonte de propinas), tendo, portanto, ligação direta com a Rede Globo.”.
Agora notem como era boa a camaradagem e vizinhança da comunicação de esportes da Globo e a Fifa. Já em 2012, A Rede Globo anunciou que havia fechado um novo contrato com a Fifa para transmitir as Copa do Mundo de 2018, na Rússia, e de 2022, no Qatar. O acordo previa transmissão por televisão aberta, fechada, celulares e internet.
Mas a Record emitiu um comunicado oficial naquele ano, protestando contra o acordo que dera à Globo o direito de transmitir as Copas de 2018 e 2022. Segundo a Record, a Fifa descumprira a promessa de abrir uma licitação pública e fechou um compromisso não transparente, e por isso a briga iria parar na Justiça.
Na ocasião, a Globo respondeu, pela voz de Marcelo Campos Pinto, o poderoso e rico executivo da Globo Esportes: “A Fifa escolheu seguir parceira da Globo na transmissão da Copa do Mundo em 2018 e 2022 ao comparar o trabalho da emissora carioca à Record. ... A Globo está mil anos-luz à frente da Record.”
Fora das aspas, sabemos todos que desde 1970, Globo e Fifa têm contratos privilegiados para transmissão das Copas do Mundo e otras cositas mas. A Fifa, inclusive, sempre tratou a Globo em seu site como uma "parceira de longa data" e "uma das maiores empresas de comunicação do mundo".
Agora chegamos ao ponto. Além do filme de gângster, a razão do enredo passar a filme de comédia. Sabem aquela história de Carlitos no filme Luzes da Cidade? Eu me refiro à cena antes da luta de boxe, quando Carlitos inventa de ser lutador, porque precisa ganhar o dinheiro para operar uma cega por quem ele era apaixonado. Lembram? No vestiário, ele vê sair um pugilista, que antes de subir ao ringue, passa um amuleto, um pé-de-coelho por todo o corpo. Carlitos pergunta por quê. O pugilista responde: “É para fechar o meu corpo. Se o punho bater, volta”. Então Carlitos, prevenido, se lambuza todo com o feitiço. O diabo é que o fortão, que havia passado o amuleto, volta nocauteado, sem sentidos. Então Carlitos, coitado, dana-se a passar a toalha sobre os lugares em que havia esfregado o pé-de-coelho, o feitiço que o defenderia, para não voltar desmaiado, em nocaute também.
Pois o amuleto da Fifa, que defendia os lucros extraordinários da Rede Globo, agora têm que ser apagados, assim como em Luzes da Cidade, para que a sociedade entre as duas, com a exclusividade de transmissão de jogos, tenha sido pura, decente e feliz. Assim como antes do pugilista subir para o ringue, no filme. Ou como antes das prisões na Suíça, que começam a mostrar para o mundo a face dos bons negócios.
Aqui se faz, aqui se paga, diz-se. Ou se apaga, como Carlitos em Luzes da Cidade e na sociedade Globo e Fifa. Tudo a ver.
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