Impeachment S.A.: uma empresa de capital aberto e mente fechada
Que ninguém se engane ou se faça de desavisado. As organizações Impeachment S.A. - uma sociedade mais ou menos anônima - está aí não só para promover eventos, mas, sobretudo, para se capitalizar.
Quem quiser ir às ruas no dia 15, com nariz de palhaço e cartazes pró-impeachment, vai estar batendo o bumbo e vomitando seu ódio com o patrocínio de empresas e políticos que querem bombar o desgaste de um governo por razões nada republicanas.
Algumas das organizações mais ativas na mobilização das manifestações do dia 15 de março são um negócio patrocinado pela oposição partidária e empresarial, com os préstimos sempre valiosos do cartel midiático, que dá uma boa força para a sua divulgação.
Tal e qual nos bons tempos do golpismo dos anos 1950 e 1960, trabalhar pela derrubada de um governo é, em parte, ideologia, mas tem seu lado 'business'. Dá dinheiro.
Os grupos que organizam os protestos e clamam pelo impeachment começam como rede social, mas crescem com apoio partidário e empresarial.
Nenhum desses grupos deixa de pedir, publicamente, recursos para financiar seu 'trabalho' - seria melhor dizerem 'seu negócio'. Até aí, nada de mais.
Porém, o grosso das contribuições que algumas dessas pessoas recebem não é público e nem de pessoas que dão 5, 10, 100 reais. Hoje, a maior parte da grana que rola em prol do impeachment de Dilma tem outra origem.
Empresários em pelo menos três estados (São Paulo, Pernambuco e Paraná) relatam ter recebido telefonemas pedindo dinheiro para a organização dos atos do dia 15. A fonte da informação são advogados consultados para saber da legalidade da doação e possíveis implicações jurídicas para as empresas.
Em um dos casos, o pedido não foi feito diretamente por alguém ligado aos perfis de redes sociais que convocam o ato, mas por um deputado de oposição, com o seguinte argumento: "precisamos ajudar esse pessoal que está se mobilizando para tirar esses vagabundos do poder".
O curioso é que o deputado oposicionista faz parte do seleto grupo de parlamentares que teve o privilégio de contar, entre seus financiadores de campanha, com empresas citadas na Lava Jato. Portanto, pelo critério da Impeachment S.A., o 'deputado amigo' é, de fato, um honorável vagabundo.
É bom lembrar que quase a metade dos nomes da famigerada lista do ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa, estava ligada(AQUI) às campanhas de Aécio ou Marina Silva.
As empreiteiras pegas na Operação Lava Jato doaram quase meio bilhão de reais aos políticos e aos partidos com as maiores bancadas no Congresso, o que inclui os de oposição, como PSDB e DEM. Será que alguém vai se lembrar disso no dia 15?
Como o negócio funciona e prospera
A Impeachment S.A. virou franquia. Uma pessoa ou um pequeno grupo monta um perfil, sai à cata de adesões e seguidores e cria 'memes' para serem espalhadas na rede. Com alguma sorte, essa 'produção' se torna viral - pronto, a fórmula de sucesso deu resultado.
Os grupos que organizam o protesto do dia 15 são muitos. Cada estado tem um ativista ou grupo de maior proeminência. Eles hoje disputam o 'mercado do protesto' de forma cada vez mais empresarial. Com naturalidade, eles são absolutamente francos em dizer que o capitalismo é seu sonho de consumo. Qualquer maneira de ganhar dinheiro vale a pena.
Dependendo da força de adesão de cada perfil, o criador usa sua lista de seguidores, com ou sem nariz de palhaço, como portfólio para negociar patrocínio privado.
Quanto mais o impeachment se tornar um oba-oba, do tipo "atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu", tanto melhor para o negócio de derrubar a presidenta.
A busca de um mercado do protesto veio a partir do momento em que esses mascates do impeachment bateram às portas dos partidos, como o PSDB, o DEM e o PPS.
Pelo menos no caso de Pernambuco, houve tentativas também junto ao PSB, cujo ex-candidato à presidência, Eduardo Campos, também consta citado na delação de Paulo Roberto Costa. O PSB hoje abriga, entre outros, 'socialistas' da estirpe do antigo PFL, como os renomados Heráclito Fortes (PI) e Paulo Bornhausen (SC).
Alguns dos ativistas da Impeachment S.A., de espírito empreendedor mais aguçado, pegaram a lista de financiadores de campanhas de políticos da oposição com os quais mantêm contato e foram pedir ajuda para conseguir abrir portas em empresas dispostas a financiar a campanha contra Dilma.
Os políticos tucanos, ao que parece, têm sido os mais empenhados em redirecionar os pedidos de patrocínio privado para o universo das empresas.
Publicamente, só para variar, os tucanos definiram, com o perdão ao vocábulo 'definir', que apoiam o ato pró-impeachment, mas são contra o impeachment. Hein? Precisamos de pelo menos uns dois minutos para entender o raciocínio e pegar algum tucano pelo colarinho branco, escondido atrás de mais esse muro.
Os tucanos querem o protesto, torcem pelo protesto, ajudam a patrocinar o protesto, mas fingem que não têm nada a ver com isso. Faz sentido - e ainda tem gente que acredita que eles realmente não trabalham pelo impeachment.
Por que 15 de março?
A própria data do protesto foi calculada politicamente, pela Impeachment S.A., com um propósito evidente.
O alvo do protesto é a presidenta Dilma Rousseff, convenhamos, justamente no mês em que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, divulgará a lista dos políticos envolvidos no escândalo. Mais exatamente, na semana seguinte àquela em que a lista de políticos será tornada pública.
Os revoltontos do dia 15 pedirão o impeachment de Dilma, que sequer aparece citada na Lava Jato. Será que vão pedir também o impeachment do senador Aécio Neves, cuja campanha recebeu doações das mesmas honoráveis empreiteiras, diretamente para o comitê de campanha desse candidato?
Vão pedir pelo menos o impeachment de Agripino Maia (DEM-RN), acusado de receber R$ 1 milhão em propina? Delator por delator, Agripino tem o seu e merece algum cartaz de algum revoltonto mais bem informado.
Irão pedir a apuração rigorosa e a prisão dos envolvidos com o trensalão tucano? Ou a falta d'água em São Paulo racionou também a memória e o senso de moral e ética dos que se dizem fartos - principalmente depois de seu repasto?
Irão eles pedir o impeachment dos parlamentares do PMDB? Eles fazem parte do segundo maior partido da Câmara, o primeiro no Senado, e seriam decisivos para a chance de impeachment. Só que, por coincidência, estão entre os preferidos das empreiteiras na hora de financiar campanhas.
Os revoltontos do dia 15 ainda não pararam para pensar que querem um impeachment de Dilma a ser feito por um Congresso cujo financiamento de campanha desenfreado deixa a maioria de seus parlamentares abaixo de qualquer suspeita - se for para generalizar o 'argumento' de quem vê Dilma como uma inimiga a ser banida.
Serão esses, de fato, os que podem abrir a boca para falar em afastar a presidenta eleita ? Estranho. Não deveriam ser eles os primeiros alvos de cassação?
Quem promove a campanha pelo impeachment está dando sua contribuição voluntária ou patrocinada para tirar o foco dos corruptos que de fato têm nome no cartório da Lava Jato - o que não é o caso da presidenta.
Seria melhor, antes de falarem em impeachment de uma presidenta eleita pelo voto de 54,5 milhões, que os revoltontos do dia 15 esperassem a lista de Janot e a usassem para escrever seus cartazes.
Por que não o fazem? Talvez por que isso não seja lá um bom negócio.
(*) Antonio Lassance é cientista político
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