Se o surto direitista que acomete boa parte da classe média brasileira ainda lhe permitisse ler qualquer coisa sem vociferar contra o “petista” (nunca fui), o “cubano” (nunca fui lá ) ou o “bolivariano”(não faço ideia do que venha a ser isso no Brasil), recomendaria a leitura da reportagem de Rodrigo Cavalheiro(aqui), no Estadão, com a fazendeira chilena Carmen Saenz Terpele, a mulher que criou o “bater panelas” como forma de protesto das elites latino-americanas.
É um gesto curioso, uma espécie de “mea-culpa” de quem pode ter até razões legítimas para a insatisfação menos, é claro, o fato de suas panelas estarem vazias. Cavalheiro cita o relato do historiador norte-americano Peter Winn, autor do livro Revolução Chilena, como no dia 1° de dezembro de 1971, militantes de direita “protegidos pelo grupo paramilitar Pátria e Liberdade, de orientação fascista” fizeram a Marcha das Panelas Vazias que marcaria o início do fim do Governo de Salvador Allende.
A bateção de panelas, é fato, também voltou-se contra governos conservadores, já em seus estertores, como os de Pinochet, o assassino de Allende, ou Fernando de la Rúa, na Argentina, quando já se via a colheita amarga dos modelos coloniais que ela própria ajudara a manter, derrubando governos de esquerda.
Mas agora se espalha outra vez na América do Sul, desde as ruas dos bairros chiques de Caracas ou no bacana “Barrio Norte” de Buenos Aires, de onde vem a foto do post.
Cavalheiro recupera, no texto, uma música do conjunto chileno Quilanpayún sobre os “cacerolazos”: “A direita tem duas panelas / uma pequena, outra grande / a pequena acaba de comprar, essa é usada só para golpear”. A outra, grande, segue a música, está bem cheia de comida.
O “bater panela”, uma espécie de expiação de culpa, não é o única alegoria da vergonha inconfessa que sentem: é preciso acusar de “ditadura” o governo eleito e transformar seu desejo de golpe em algo como um “contragolpe democrático”, naturalmente com os métodos que já sabemos, dolorosamente, na história.
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