terça-feira, 31 de março de 2015


Golpe militar é desejo de civis


e do clamor ao autoritarismo  


Fernando Brito                     
golpegraf
Se existe uma instituição brasileira que, em meio ao quadro de confusão política e atropelos instituicionais – não se pode chamar de “normais” os comportamentos do Legislativo e do Judiciário, pois não? – são as Forças Armadas. Não sei – e pouca gente sabe – se há algo diferente da serenidade visível se passando dentro de seus escalões inferiores, mas, do ponto de vista de seus comandos, só o que se pode ver é prudência e respeito aos ditames constitucionais.
E não se diga que os militares estejam sendo premiados, pois não estão, senão pelo fato de, finalmente, terem um plano estratégico de desenvolvimento militar, ainda que executado de maneira lenta e dificultosa. E certos desvios, extremamente equivocados, de usar as Forças Armadas em assuntos de segurança pública – salvo em mega-eventos, onde se justifica – como a presença em favelas, que mete a tropa em situações contaminantes e em nada contribui para seu adestramento militar estrito.
O risco de golpe, no Brasil atende -mais do que em 1964 – ao desejo de uma elite que não vence eleições e ao vício primarizante que os formadores de opinião – a mídia à frente – de que as coisas possam ser resolvida à base do “prendo e arrebento”.
A construção de um país democrático passa pela construção de um pensamento social democrático e legalista.
Os militares brasileiros, escaldados pela experiência, parecem não estar mais dispostos a “amarrarem a vaca” para que outros mamem em suas tetas.
Sobre o assunto, reproduzo o post do professor Fernando Nogueira da Costa em seu blog , construído sobre as  conclusões de uma pesquisa publicada pelo Valor sobre a variação do apoio à ideia de um golpe militar e sua relação com a popularidade presidencial. Fui buscar os gráficos originais, para que se veja como este é um problema permanente e crônico, de uma sociedade que vive impregnada do autoritarismo como forma de solução de problemas.
 Fernando Nogueira da Costa
Não é só a corrupção que envergonha os brasileiros, pior são 47,6% deles acharem que essa corrupção justifica um novo golpe! Novamente, 51 anos após o golpe militar que condenou o País a mais de 20 anos de atraso na cidadania — conquista de direitos e cumprimento de deveres –, reune-se a má fé com a ignorância para criar um “caldo-de-cultura” para as “vivandeiras dos quarteis”.
golpinterA expressão “vivandeira”, segundo Elio Gaspari, veio do marechal Humberto Castello Branco, no alvorecer da anarquia militar que baixou sobre o Brasil a treva de duas décadas de ditadura. Referindo-se aos políticos civis que iam aos quartéis para buscar conchavos com a oficialidade, ele disse:
“Eu os identifico a todos. São muitos deles os mesmos que, desde 1930, como vivandeiras alvoroçadas, vêm aos bivaques bolir com os granadeiros e provocar extravagâncias ao Poder Militar”.
Os golpistas juntam, ao mesmo tempo, a ignorância da experiência histórica e a má-fé representada pela vaga lembrança pessoal tipo “eu era feliz e não sabia”. Foi um período em que pessoas de baixa qualificação ascenderam socialmente. Houve desde altas patentes seduzidas por postos bem remunerados de CEO e em CA de empresas privadas — fachadas oportunistas para bom relacionamento com o governo militar — até baixas patentes que tiveram mobilidade social baseada no aparelho repressor, inclusive em assassinatos e torturas.
A instituição nacional das Forças Armadas foi sendo contaminada pela quebra de hierarquia militar, devido à essa mobilidade social que corrompia seus quadros. A promiscuidade do relacionamento entre setor privado-setor público acaba sempre em corruptores levando vantagens dos corruptos. E em ditadura não há liberdade para investigar e denunciar…
Vigorou durante duas décadas de ditadura muita mediocridade, p.ex., bons professores eram aposentados enquanto os medíocres estavam garantidos. Os submissos e parasitas não se queixavam da repressão, mas os rebeldes e criativos se amargavam pela perda da liberdade de expressão durante 21 anos.
Hoje, os golpistas perderam a vergonha de sair-do-armário em que se meteram por meio século! Estamos observando a falta de pudor em falar asneiras daqueles sujeitos que “sentavam no fundo-da-sala-de-aula”, quando iam à aula…
César Felício (Valor, 26/03/15) informa que o apoio a um golpe militar em um quadro de corrupção generalizada é substancialmente maior no Brasil do que em outros países das três Américas, segundo dados de uma pesquisa comparada desenvolvida em 23 países pelo “Barômetro das Américas“, um levantamento organizado pelo projeto de opinião pública latino-americana (Lapop, em inglês). As entrevistas foram realizadas no início de 2014, antes portanto do processo eleitoral no Brasil, da Operação Lava-Jato e dos últimos protestos de rua, mas já haviam sido realizadas sob o impacto das manifestações de junho de 2013.
O Lapop é uma iniciativa da Universidade de Vanderbilt, nos Estados Unidos, e uma análise específica sobre o tema foi divulgada, recentemente, com autoria do pesquisador Guilherme Russo. A pesquisa Barômetro das Américas é financiada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e pela agência de desenvolvimento dos Estados Unidos (Usaid).
Segundo a pesquisa, 47,6% dos entrevistados brasileiros afirmaram ser “justificado um golpe militar diante de muita corrupção”. É um índice inferior apenas aos registrados por Paraguai, Nicarágua, México, Peru e Guiana. Os menores índices, inferiores a 30% de apoio à tese, foram registrados na Bolívia, Argentina, Uruguai, Haiti e Chile.
De acordo com o texto do Lapop, o desapreço dos entrevistados pela institucionalidade democrática mudou de patamar nos últimos anos, tendo crescido abruptamente entre 2012 e 2014. Entre 2008 e 2012, o percentual dos adeptos de uma possível intervenção militar oscilava entre 36% e 40%.
Na análise do Lapop feita por Russo, é destacado que a pesquisa desmembrou os apoiadores da intervenção entre os que defendiam a presidente Dilma Rousseff e os que desaprovavam sua gestão, entre março e abril de 2014. Mesmo entre os que consideravam boa a gestão de Dilma o índice de apoio a um ato militar era expressivo. Nada menos que 45,6% dos entrevistados que a aprovavam corroboravam a tese. Entre os que a reprovavam, o índice subia para 52,8%.
O estudo frisa que a dispersão do apoio por uma intervenção militar entre os que apoiam e os que reprovam a presidente mostra que não há uma perspectiva concreta de golpe no país: o que haveria no Brasil é uma cultura autoritária que transcende qualquer corte entre governo e oposição. “Os números revelam ampla tolerância por medidas não democráticas para combater a corrupção na política”, conclui o pesquisador.
Dos 23 países pesquisados, o Brasil é uma das transições democráticas mais recentes. Desde 1985, ano em que o Brasil fez a sua travessia de um regime militar para um civil, governos de aspecto autoritário existiram apenas no Paraguai (até 1988); Chile (até 1990); Peru (em 1992); Haiti (em 1994) e Honduras (em 2009). Nos demais países, mesmo em casos de renúncia ou destituição do presidente em exercício, preservou-se a institucionalidade formal.
O pouco apego brasileiro à formalidade democrática já havia sido medido por levantamentos comparados anteriores. Na pesquisa da ONG Latinobarometro divulgada há quatro anos, por exemplo, a democracia era apontada como a forma preferível de governo por 45% dos entrevistados, enquanto a média latino-americana era de 58%. O levantamento da ocasião pesquisou dezoito países.

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