domingo, 9 de novembro de 2014

Por que Dilma quase perdeu (e o que urge fazer para não se correr mais esse risco)                 

Emir Sader                            

Emir Sader
Uma simples comparação dos governos do PT com os do PSDB – e considerando que a Dilma se propôs a dar continuidade a esses governos e o Aecio a retomar o governo do FHC – levaria a uma vitória acachapante da Dilma no primeiro turno. No entanto, a vitória foi apertada e em alguns momentos da campanha parecia desenhar-se uma vitória da oposição.

Como isso é possível? Como mais de 50 milhões de pessoas, quase a metade dos eleitores, votaram pelo fim dos governos do PT e retorno a um governo tucano?
Parecia predominar em alguns círculos do governo e da esquerda que, por fazer governos sem dúvida voltados para a grande maioria da população, tanto esses  beneficiários como os que querem um pais menos injusto, votariam pela candidata que representa a continuidade e não pela sua ruptura. E triunfaríamos no primeiro turno.
Falta a essa visão tecnocrática da realidade, a compreensão  da intermediação que entre a realidade concreta e  a consciência das pessoas interfere na formação da opinião pública. Poderiam ter lido Gramsci ou quaisquer outros autores mais em moda, para saber da importância que a mídia tem na construção da consciência dos cidadãos. Ou mesmo o Marx do XVIII Brumário, em que ele mostra como amplas camadas da população podem, pelo mecanismos de inversão que a ideologia produz na consciência das pessoas, votar contra seus próprios interesses e até mesmo erigir lideres que representam interesses opostos aos seus.
E como esses mecanismos atuam no Brasil? Além dos mecanismos clássicos da ideologia numa sociedade capitalista, que esconde o essencial  – como a exploração do trabalho e a acumulação de riqueza nas mãos dos capitalistas – a ação dos meios de comunicação falseia os dados básicos da realidade e, pela reiteração cotidiana ao longo dos anos, fabrica falsos consensos.
No caso do Brasil, essa ação fabricou, entre outros, a falácia de que o governo é incompetente, de que o PT é corrupto, de que a política econômica está errada, de que a Petrobrás representa um enorme problema pro Brasil. A grande rejeição fabricada contra a Dilma é uma consequência da reiteração desses e outros clichês que, reverberados à exaustão, sem o contraponto de mecanismos similares de resposta e de desmistificação, terminaram  se impondo ao senso comum.
Alguns exemplos ajudam a entender o fenômeno. A votação maciça da Dilma no Nordeste se deve, centralmente às politicas sociais do governo. Aí o efeito da mídia tradicional é menor, a mudança na vida das pessoas se impõe como critério de decisão politica. Enquanto que no centro-sul e  no sul o efeito da mídia é maior.
Dos 51 milhões de votos de Aécio, pelo menos metade devem ter sido de camadas populares, em particular em São Paulo. Gente que muito provavelmente melhorou significativamente de vida, mas não teve a consciência das razões dessa mudança e votou contra o governo.
No essencial, Dilma triunfou pelas políticas sociais. Foi o voto popular que reelegeu a presidenta, no essencial. A unificação aguerrida da militância de esquerda no segundo turno acabou como fator que permitiu o triunfo.
O governo perdeu o debate na opinião pública. Tanto assim que  Dilma teve os piores resultados nas grandes cidades, onde a influência dos meios de comunicação é mais concentrada. Quando foi possível, nos programas eleitorais, por exemplo, demonstrar a real situação da economia do país, desarmou-se um dos pilares da campanha opositora, o do terrorismo econômico. Pesquisa já próxima do final da campanha revelava que a grande maioria da população – inclusive entre os que votaram em Aécio – considerava 'boa'  a situação econômica do país, tinha perspectivas otimistas para o próximo ano, considerava que o desemprego iria diminuir mais ainda e a inflação, sob controle. Bastou romper minimamente o monopólio da informação, para que a opinião pública mudasse seus pontos de vista.
Em resumo, não ter avançado em nada no processo de democratização dos meios de comunicação quase levou à interrupção dos governos que mais promoveram a diminuição da desigualdade, da pobreza e da miséria no Brasil. O governo não tem mais o direito de permitir que, enquanto socialmente se democratiza a sociedade brasileira, a formação da opinião pública se submeta ainda a um processo não democrático, em que alguns fabricam e manipulam essa opinião, para atender a seus interesses minoritários no país.
Se o Congresso atual e o eleito não têm como aprovar uma lei de 'democratização da mídia', caberá ao governo encontrar meios para colocar em prática a norma constitucional(de 1988) que proíbe os monopólios e os oligopólios nos meios de comunicação. Alem de que precisa fortalecer exponencialmente as mídias publicas já existentes e os meios alternativos de comunicação – rádio, TV, internet e jornais.
Para que não se volte a correr os riscos das eleições deste ano e o Brasil se assuma como uma democracia pluralista na formação da opinião pública, essa a principal reforma que governo e sociedade precisam prioritariamente implementar.

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