quarta-feira, 2 de julho de 2014


O que falta à Petrobras não é 

petróleo nem gestão. É entender 

o povo como a sua energia


Fernando Brito   
graf500mil
Ontem, atendendo ao gentil convite de sua diretoria, passei o dia na Petrobras, começando pela solenidade de comemoração dos 500 mil barris diários produzidos no pré-sal brasileiro até, já à noitinha, uma conversa da presidenta Graça Foster com alguns blogueiros.
Com os dias, à medida em que tocar em pontos concretos da exploração petroleira, vou abordando os dados e as visões da empresa mostrados ontem.
Prefiro, agora, uma reflexão.
Na contramão das acusações que se fazem a elas, não houve, seja da presidenta Dilma, seja da dirigente da empresa e de seus auxiliares, uma palavra sequer que misturasse política à gestão técnico-empresarial de nossa petroleira.
Ao contrário, o que se ouviu deveria soar como música aos ouvidos do “mercado”.
O respeito às melhores práticas de gestão, o planejamento criterioso, a seletividade dos investimentos, a responsabilidade empresarial e, sobretudo, o horizonte próximo de uma grande crescimento da produção e, em consequência, das receitas da empresa.
A marca alcançada no pré-sal, num prazo que, para a indústria petroleira, é absurdamente curto.
Em qualquer das multinacionais do petróleo seus executivos estariam festejando com foguetes e, claro, polpudos bônus.
Aqui, mal e porcamente nossa imprensa registrou o fato, e cheia de senões e dúvidas.
A Petrobras está prontíssima para ingressar no seleto grupo das cinco maiores petroleiras mundiais naquela conta que realmente vale – e não a das especulações de bolsa: a da quantidade de  produção e reservas de petróleo.
Mas há algo em que esta gestão da empresa ainda claudica, embora  parece que tenha melhorado, sobre isso, a sua percepção.
Creio que, em meio à cerimônia de ontem, poucos tenham percebido o que quis dizer o geólogo Guilherme Estrela, agora aposentado e o líder da descoberta do nosso pré-sal.
” O que seria do Brasil sem o pré-sal?”
Não sei se ele se referia ao fato de que, com as reservas conhecidas até então, talvez tivéssemos de lutar apenas para manter a semi-independência que as já declinantes jazidas do pós-sal da Bacia de Campos – cuja descoberta está completando 40 anos –  nos proporcionavam.
Mas acho que o pensamento do  Dr. Estrela vai além: seríamos um país com dificuldades muito maiores em transformar em realidade o sonho de ter um destino próprio como Nação.
A Petrobras está se tornando uma empresa que, muito embora a anos-luz da simplicidade que marcou seus primeiros e heróicos tempos em que enfrentou a odisseia  de dar petróleo ao Brasil “que não tinha petróleo”,  está cada vez mais próxima daquele desafio: o de nos tornar um grande produtor de petróleo de forma muito diferente daquela em que se tornaram quase todos os outros grandes do petróleo.
Se o geólogo Estrela chegasse àqueles tempos e dissesse que perfuraríamos a sete mil metros de profundidade jazidas de bilhões de barris de óleo seria chamado de louco e não lhe dariam nem terra de jardim para analisar: um lunático.
Grande parte história do petróleo – e a do petróleo no Brasil, especialmente – foi escrita por lunáticos, que sonharam e (mais que isso, os benditos) e entregaram a vida e sua capacidade a tirar do sonho estes sonhos.
A Petrobras, como qualquer outra empresa, precisa de uma administração competente como a que tem e de planejamento como o que tem, para o curto e o “longo” prazo dos negócios do petróleo.
Não pode, como foi no período neoliberal, ser administrada  somente com a “lógica de botequim”  do “quanto vai ser a féria hoje”, ou no final do mês, ou do ano, ou no ano que vem.
Assim, como gosta “o mercado”, que não descola os olhos dos balancetes e balanços. Claro, eles têm de “fechar”, mas não a nossos olhos capazes de ver o horizonte.
Ontem, Graça Foster e o diretor de Exploração e Produção da empresa, José Formigli, lembraram que quando se atingiu os 500 mil barris diários na Bacia de Campos, ambos estavam comemorando de botas e macacão.
De alguma forma, todos vestimos botas e macacão com a descoberta do pré-sal, também.
O petróleo não é só um produto, sujo e viscoso, que aparece em barris que a gente nem sabe como são e, afinal, nem existem mais, caminhando por dutos e tanques imensos.
Nem está presente, como insumo, em plásticos, tecidos, fertilizantes, e uma infinidade de coisas.
É a matéria prima para um desafio muito maior do que o da Petrobras, que é o de achá-lo, extraí-lo e processá-lo.
O Governo, e Dilma especialmente, sempre falam dos benefícios que ele trará, e a presidente ontem fez questão de mencionar que o pré-sal, com os campos de Libra e os entregues, como o de Búzios, à Petrobras, trarão perto de R$ 1,3 trilhão (é trilhão, mesmo, não bilhão) à educação e a saúde, em 30 anos.
Não é delírio imaginar que a entrada de novas áreas dupliquem ou tripliquem esta quantia, nos próximos sete ou oito anos, pelo que há ainda por descobrir.
Mas os efeitos disso, olhando com os olhos mesquinhos do hoje, são imateriais.
Só podem ser vistos com o olhar do desejo.
O mesmo olhar que levantou do nada esta gigante do petróleo.
E o dono deste olhar é o povo brasileiro.
É por isso que a Petrobras e a exploração de petróleo no Brasil  não podem ser vistas, apenas, como resultado de profissionalismo, capacidade, técnica, projetos e resultados, mesmo os mais expressivos e responsáveis do ponto-de-vista empresarial, ambiental, social e econômico.
Não basta à Petrobras ser tão capaz e eficiente – e ela é, com sobras – como as maiores petroleiras, nem ao Brasil se tornar um dos grandes produtores do mundo.
É essencial para ela ter a contrapartida do ódio e do desprezo que lhe despejam, todos os dias.
Esta contrapartida é o amor e a admiração do povo brasileiro, que sente – mais até que entendem, porque não lhe mostram – o que ela é capaz de fazer por sua vida.
E que é dos desejos deste povo que ela tira seu combustível para crescer, a sua energia, sem a qual estaria fatiada e morta.
Ou, aliás, nem teria nascido.
Renato Russo, há décadas, escreveu, no início de sua carreira, uma música curiosamente chamada “Petróleo do Futuro”, que terminava com estes versos:
O que é que eu tenho a ver com isso?
Sou brasileiro errado
Vivendo em separado
Contando os vencidos
De todos os lados.

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