quarta-feira, 4 de março de 2015

Rússia: mídia ocidental  não conhece   ambiente  político, mas insiste em acusar Putin 

Assassinato de líder oposicionista é usado para justificar possíveis novas sanções contra Vladimir Putin, 'vilão' que beira os 80% de aprovação entre os próprios russos...
Flávio Aguiar              
EFE/EPA/SERGEI ILNITSKY
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Motivações a esclarecer. Protestos marcam velório de Boris Nemtsov, crítico contumaz do presidente russo
O líder oposicionista Boris Nemtsov, assassinado quase em frente ao Kremlin na sexta-feira passada, tornara-se uma pulga na camisola do presidente russo Vladimir Putin. A imagem é duplamente adequada: Nemtsov incomodava demais com suas frequentes críticas e acusações contra Putin, que iam desde chamá-lo de mentiroso até afirmar que o governo russo alimentava uma "guerra secreta" na Ucrânia. Por outro lado, a dimensão de Nemtsov na política russa era bem menor do que aquela pintada pela mídia do Ocidente, diante de uma popularidade avassaladora de Putin, beirando os 80% de aprovação.
Os dedos ocidentais e de muitos oposicionistas russos apontam para Putin, como responsável direto ou indireto pelo crime. Ao mesmo tempo, outros analistas (como na Al Jazeera, por exemplo) apontam que Putin não teria motivos para desejar o assassinato, com sua taxa de aprovação: Nemtsov vai incomodar mais morto do que vivo.
É de fato difícil dimensionar o que está não só por trás do assassinato de Nemtsov, mas também ter a medida exata de tudo o que rola atualmente nos bastidores da política russa. Outras hipóteses para o assassinato mencionam possibilidades como a dos separatistas ucranianos, de alguma conexão do terrorismo islâmico (Nemtsov foi crítico feroz do episódio Charlie Hebdo), ou ainda de alguma ação de nacionalistas russos exacerbados, que o viam como um "traidor".
Nemtsov teve uma carreira fulgurante, chegando a vice-primeiro-ministro na época de Boris Yeltsin. É considerado um dos principais responsáveis pela conversão russa ao capitalismo depois do fim da União Soviética. Com a chegada de Putin ao poder, caiu progressivamente num ostracismo político que ele procurava quebrar com atitudes de mobilização de movimentos sociais contra Putin. Sua morte provocou mais uma: milhares de pessoas ocuparam as ruas de Moscou e de algumas outras cidades em sinal de protesto.
Assassinatos políticos não são moeda rara na recente política russa. O caso mais rumoroso está sendo investigado judicialmente na Inglaterra, onde o ex-agente da KGB Alexander Litvinenko foi assassinado em 2006 com uma dose letal de polônio radioativo. As suspeitas recaem sobre dois outros ex-agentes da KGB que estiveram com ele (a razão deste encontro não foi esclarecida) um dia antes de os sintomas do envenenamento aparecerem.
Entre 2006 e 2009 outros cinco oposicionistas foram assassinados, dois advogados e três jornalistas, sendo estas, três mulheres. As suspeitas recaem novamente sobre o governo russo, mas também o movimento separatista checheno e movimentos nacionalistas russos clandestinos, de direita.
Duas forças opostas na origem, mas convergentes nos resultados, vão dificultar o esclarecimento dos casos (com exceção talvez do de Litvinenko): de um lado o comportamento nada transparente do governo russo; de outro, a obsessão do Ocidente e sua mídia em acusar de qualquer modo a Putin, o que dificulta também, deste lado da nova "cortina de ferro" da Guerra Fria em estilo de século 21, a percepção com clareza do quadro político russo, que é mais complexo do que parece à primeira vista.

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