Nenhum país exportador de petróleo
adota ‘concessão’ defendida pelo
PSDB desde o governo de FHC
Rennan Martins, no BLOG DOS DESENVOLVIMENTISTAS
A
Operação Lava Jato continua se desdobrando, diversos executivos das
empreiteiras permanecem presos. As delações premiadas – veiculadas como verdade
absoluta – só beneficiarão os réus caso hajam provas materiais. Todo o país
aguarda que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, divulgue a lista
dos políticos envolvidos no esquema, evento mais uma vez adiado na última
sexta. Enquanto isso, a oposição foi tomada por um súbito desinteresse pela CPI
da estatal reinstalada.
O
Ministério Público rechaça os acordos de leniência e deseja declarar as
empreiteiras inidôneas. A Advocacia-Geral da União, por sua vez, teme os
impactos que a paralisação das obras contratadas possam causar na economia e
nos empregos ligados ao setor.
Continuando
a série de matérias sobre a mais importante estatal brasileira, o Blog dos
Desenvolvimentistas publica entrevista com Paulo César Ribeiro Lima, consultor
legislativo da Câmara dos Deputados. Lima diz que se a empresa fosse privada
jamais teríamos descoberto o Pré-Sal, pede aos brasileiros que saibam separar a
Petrobras dos infratores que a saquearam, e teme que decisões irresponsáveis no
âmbito das investigações tenham efeito “catastrófico” sobre o país.
Confira a
íntegra:
Qual sua opinião sobre o novo presidente da Petrobras, Aldemir
Bendine? O que esse nome indica em termos de gestão?
Por não
ser um funcionário de carreira da Petrobras, não o conheci quando trabalhei na
companhia. O aspecto favorável é que, pelo menos, ele é um funcionário de carreira
do Banco do Brasil. O aspecto desfavorável é que ele é proveniente do mercado
financeiro.
Por ter
trabalhado em um banco, espero que não faça uma gestão “financista”, mas que
tenha uma visão estratégica de longo prazo, ao mesmo tempo conciliando com as
dificuldades de curto prazo relativas à publicação de um balanço auditado para
o ano de 2014.
Que diretrizes seriam as mais adequadas, dado o atual contexto,
para fortalecer a empresa?
Depois de
publicado o balanço de 2014, as diretrizes devem ser: certificação das
reservas, principalmente da província do Pré-Sal, verticalização e integração
das atividades, manutenção dos investimentos e dos compromissos que a Petrobras
tem com a sociedade brasileira. Agora é tempo de colher os frutos dos grandes
investimentos e das descobertas ocorridas nessa província de 2006 a 2014. A
Petrobras tinha tudo para entrar em uma era de grandes resultados financeiros,
não fosse a operação Lava-Jato.
O propinoduto descoberto pela Lava-Jato influi no preço das ações
da Petrobras? Como explicar esta considerável baixa?
Os
problemas de superfaturamento e de propinas afetaram muito a imagem da empresa
no “mercado”, com forte impacto no preço das ações.
A maior parte dos investidores no mercado acionário tem uma visão de curto prazo
e não vê com bons olhos os grandes investimentos estabelecidos nos planos de
negócio da Petrobras, pois objetivam receber dividendos o mais rápido possível.
Os investimentos consomem os dividendos. Essa visão, absolutamente inadequada,
associada aos escândalos da Operação Lava Jato provocaram essa considerável
baixa. Existe um erro histórico de se misturar monopólio no setor petrolífero
com mercado de ações.
Como se dá o impacto da atuação do judiciário na economia? A
Lava-Jato pode afetar a atividade produtiva?
A atuação
impensada do Poder Judiciário e de instituições de outros Poderes pode ter um
efeito devastador na economia nacional.
Se as empresas envolvidas na Lava Jato forem consideradas inidôneas e não
puderem ser contratadas pela administração pública, haverá uma grande retração
no PIB nos próximos anos. Apesar de pequeno, os investimentos estatais e
públicos são fundamentais para a atividade econômica no Brasil.
A AGU propõe um acordo de leniência com as empreiteiras a fim de
não inviabilizá-las, enquanto o Ministério Público rechaça a proposta e deseja
impor uma multa de mais de R$ 4 bilhões juntamente com a declaração de
inidoneidade dos acusados. O que dizer desse conflito? Que medida seria mais
vantajosa ao interesse nacional?
Esse
conflito é falso. A Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, que dispõe sobre a
responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de
atos contra a administração pública, estabelece que, na esfera administrativa,
serão aplicadas às pessoas jurídicas consideradas responsáveis pelos atos
lesivos multa no valor de 0,1% a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do
último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo,
excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida. A
aplicação dessa multa não exclui, em qualquer hipótese, a obrigação da
reparação integral do dano causado. No âmbito do Poder Executivo federal, a
Controladoria-Geral da União – CGU terá competência concorrente para instaurar
processos administrativos de responsabilização de pessoas jurídicas ou para
avocar os processos instaurados, para exame de sua regularidade ou para
corrigir-lhes o andamento. A CGU poderá celebrar acordo de leniência com as
pessoas jurídicas que colaborem efetivamente com as investigações e o processo
administrativo. A celebração desse acordo isentará a pessoa jurídica da
publicação extraordinária da decisão condenatória e da proibição de receber
incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos da área pública. Além
disso, a celebração do acordo de leniência poderá reduzir em até 2/3 o valor da
multa. Observa-se, então, que o acordo de leniência não afasta a cobrança de
multa, apenas permite a redução do valor. Ressalte-se, ainda, que o dano
integral tem que ser ressarcido, não sofrendo impacto da existência ou não do
acordo de leniência. O que tem sido publicado pela imprensa sobre o acordo de
leniência são verdadeiras aberrações.
Seria
muito vantajosa ao interesse nacional a celebração de acordos de leniência, de
modo a poder isentar ou atenuar as sanções previstas nos artigos 86 a 88 da Lei
8.666/1993 (advertência, multa, suspensão temporária para participar de
licitações e contratar com a Administração e declaração de inidoneidade para
contratar com a Administração). Dessa forma, combate-se a corrupção, não se
impede que a investigação avance na esfera penal, evita-se o fechamento das
empresas e mantêm-se os investimentos com recursos materiais e humanos
nacionais.
O
interesse do Estado não é a descontinuidade operacional, mas o cumprimento das
regras por parte das empresas. Como o número de empresas envolvidas na Operação
Lava Jato é grande, a declaração de inidoneidade, nesse caso, teria reflexos em
outros setores e em toda a cadeia produtiva; seriam punidos os trabalhadores, a
economia e a engenharia nacional.
Os
dirigentes devem ser punidos, as empresas devem pagar as multas cabíveis e
demonstrar a mudança de conduta. Decisões irresponsáveis podem gerar
consequências catastróficas para o País. O risco da interrupção de obras em
andamento, como, por exemplo, aquelas relativas ao Programa de Aceleração do
Crescimento – PAC, bem como de novos investimentos na área de infraestrutura,
propulsora do desenvolvimento nacional, deve ser eliminado.
É possível afirmar que há interesses estrangeiros se aproveitando
da operação 'Lava-Jato?'
Na 'Lava-Jato', propriamente dita, não posso afirmar, mas pode haver interesses
estrangeiros na exploração dos grandes reservatórios do Pré-Sal. O
enfraquecimento da Petrobras e do Estado facilita o acesso dos estrangeiros ao
Pré-Sal.
Diversos analistas afirmam que a Petrobras não tem capacidade de
arcar com os investimentos necessários para a exploração do Pré-Sal e por isso
defendem a revisão do modelo de partilha em prol do anterior, de concessão. É
verdade que a estatal tem limitações nesse quesito? Ela dá conta de ser
operadora única?
As
primeiras questões a serem analisadas são o ritmo de exploração dos volumes
recuperáveis do Pré-Sal e o conteúdo nacional. Se o objetivo do País é ser
exportador de petróleo, e com isso formado de preço, não faz sentido se falar
em concessão, pois nesse regime a produção é definida pelo contratado. Ao
contrário do que se divulga, o modelo de concessão como o do Brasil é
raríssimo. Muitos “especialistas” citam que a Noruega, Venezuela, Rússia etc
utilizam o modelo de concessão, o que não é verdade.
De fato,
nenhum país exportador de petróleo utiliza um modelo de concessão como o do
Brasil. O mais próximo seria o modelo dos Estados Unidos na sua porção do Golfo
do México. Registre-se, contudo, que os Estados Unidos são importadores de
petróleo, daí o grande incentivo à produção pelo setor privado.
As
exportações de petróleo, obviamente, afetam os preços no mercado internacional
e, por isso, são controladas pelo Estado. Em países exportadores a produção de
petróleo é controlada por meio do monopólio, como na Arábia Saudita; por
contratos de partilha de produção, como em Angola; por meio de joint venture
como na Venezuela e Noruega; ou por contratos de prestação de serviço, como no
Irã.
Como tudo
indica que o Brasil será exportador de petróleo, o retorno do modelo de
concessão em áreas estratégicas não faz o menor sentido. Outra limitação ao
crescimento da produção de petróleo não diz respeito propriamente à Petrobras,
mas ao conteúdo nacional. Se abrirmos mão dos atuais patamares de conteúdo
nacional, podemos acelerar o ritmo do crescimento da produção. Julgo,
entretanto, ser importante manter a atual política de conteúdo nacional, mesmo
gerando certa restrição ao aumento do ritmo do crescimento da produção.
De fato,
a Petrobras tem hoje uma grande carteira de áreas a serem desenvolvidas, o que
exige altíssimos investimentos. A extração petrolífera dos reservatórios do
Pré-Sal apresenta elevada rentabilidade. Os custos de extração são inferiores a
US$ 20 por barril, mas o valor da produção é superior a US$ 50 por barril.
Tem-se, então, uma margem de mais de 100%. Sendo assim, o Estado poderia passar
a ser investidor no Brasil, a exemplo do que ocorre na Noruega, onde a empresa
de propriedade exclusiva do Estado, chamada Petoro, é parceira nos
investimentos.
Por isso,
nas áreas estratégicas da plataforma continental da Noruega existe um regime de
joint venture. Caso haja dificuldades de investimento por parte da Petrobras,
que inclusive recentemente perdeu o grau de investimento na avaliação de
determinada agência de risco, o Estado poderia passar a ser investidor e
parceiro da Petrobras por meio, por exemplo, da empresa pública Pré-Sal
Petróleo S.A. – PPSA.
Poderia nos explicar a relevância estratégica da Petrobras na
economia nacional? Quais são os benefícios que esta empresa traz a população?
A
Petrobras é a empresa líder no mundo em tecnologias para produção de petróleo
em águas profundas. Talvez essa seja a única área tecnológica em que o Brasil
está na liderança mundial. A alta capacitação dos técnicos da Petrobras
permitiu a descoberta e o desenvolvimento de grandes reservatórios do Pré-Sal,
o que exigiu e ainda exige vultosos investimentos.
Também
estratégicos são os investimentos da Petrobras na área de refino, com destaque
para a Refinaria Abreu e Lima e para o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro.
O Plano de Negócios e Gestão – PNG 2014-2018, alinhado ao Plano Estratégico
2030 e com foco no curto e médio prazo, totaliza investimentos da Petrobras de
US$ 220,6 bilhões.
Estima-se
que as atividades das petrolíferas no Brasil, capitaneadas pela Petrobras,
representam próximo de 10% do PIB. Isso evidencia a importância dessas
atividades. A partir de 2003, a Petrobras passou a estar alinhada aos
interesses estratégicos do País. A empresa investiu, em média, cerca de 0,8% do
PIB de 2003 a 2006; investiu 1,3% em 2008 e 1,9% em 2009. Houve, no País, o
ressurgimento da indústria naval, com aumento de 2 mil empregados para 85 mil.
Além dos
benefícios econômicos para o País, a atuação da Petrobras permite que a alta
volatilidade dos preços dos combustíveis no mercado nacional não seja repassada
para os consumidores.
De 2005 a
2014, o preço médio de realização da gasolina nas refinarias da Petrobras foi
de R$ 1,085, enquanto no porto de Nova Iorque foi de R$ 1,207. Para o óleo
diesel, o valor da Petrobras foi de R$ 1,203, enquanto em Nova Iorque foi de R$
1,299.
Nesse
momento, é fundamental que o Ministério Público, o Poder Judiciário e outras
instituições tenham percepção das consequências de seus atos para que as
decisões não sejam fatais para trabalhadores e empresas, num momento difícil da
economia brasileira. Punições são necessárias, assim como alterações no modelo
de contratação da Petrobras, mas os trabalhadores não podem pagar a conta pelo
que não fizeram e o Brasil precisa dos investimentos no setor petrolífero e em
outros.
O que você aconselharia aos brasileiros que se importam com a
Petrobras a fazer diante deste quadro?
Em
primeiro lugar, que se conscientizem da diferença que existe entre a empresa e
alguns ex-funcionários investigados na Operação 'Lava Jato'. Atualmente, há uma
tendência de as pessoas não fazerem essa distinção e a acreditarem que o mal é
endêmico e que não há saída para a Petrobras como empresa. Isso não é verdade,
pois ela conta com extraordinários ativos, tanto patrimoniais quanto humanos, e
não pode ser “resumida” aos acontecimentos extremamente negativos.
Assim, os
brasileiros que se importam com a Petrobras devem lutar para que a companhia se torne ainda mais estatal, forte e sob controle público. Se a Petrobras fosse
uma empresa privada, ela não seria líder mundial em águas profundas, nem teriam
ocorrido as importantes descobertas na província do Pré-Sal e os altíssimos
investimentos nessa província e na área de abastecimento.
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