quarta-feira, 4 de março de 2015

Não dá mais para fingir que o PMDB é governo

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renan
 Se a presidenta Dilma tivesse que responder ao título deste texto ('Não dá mais para fingir que o PMDB é governo'), responderia com uma frase de três palavras: “Falar é fácil”.
De fato, falar é fácil; como agir é que são elas. O sistema político brasileiro funciona de forma pensada para evitar excessos do Poder Executivo – o constituinte de 1988 elaborou aquela Carta Magna á sombra de duas décadas de ditadura. Nesse afã, tornou presidentes, governadores e prefeitos reféns do Legislativo.
Congresso, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais chegam a parecer decorativos – como a Assembleia Legislativa de São Paulo que, a rigor, não serve para nada além de referendar os atos do governo do Estado – porque a maioria de seus parlamentares é  reiteradamente subornada pelo Executivo com verbas para emendas parlamentares e cargos na administração direta e, desse modo, mantêm-se dóceis enquanto mamam.
Em tempos de normalidade democrática, funciona bem – para governo e parlamentares, o que não significa que funcione para a sociedade. Mas em momentos de crise política como a atual, o poder que o Legislativo pode usar é capaz de paralisar o Executivo.
Exemplo recente disso está no 'showzinho'  de um despirocado Renan Calheiros, apavorado com a inclusão de seu nome entre os denunciados pelo Procurador Geral da República ao Supremo Tribunal Federal.
Sob um discurso inverossímil e até ridículo de que, ao rejeitar a medida provisória que elevou a contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento, considerou-a “inconstitucional” e, ainda brandindo “separação dos poderes”, Renan quis apenas proteger-se nas asas da oposição, diante da ameaça ao seu mandato que representa a possível aceitação pelo STF da denúncia com que a PGR o terá incluído na loista do 'Petrolão'.
Serra, Tasso Jereissati e tantos outros oposicionistas teceram loas à novíssima “independência” de Renan, que, diga-se, faz uma aposta errada, pois, a depender de eventuais provas, não haverá oposicionista que o salve. Até porque a oposição sabe muito bem que ele hoje é oposição, amanhã volta a ser governo e, em seguida, volta à oposição...
Renan, porém, é apenas a ponta mais visível, neste momento, de um partido que não integra mais a base governista desde o fim da legislatura passada. Essa história de “independência” iniciada por Eduardo Cunha contraria o próprio conceito de aliança política.
Tampouco será agora que o Congresso começará a legislar em vez de ficar a reboque de medidas provisórias e demais atos do Executivo. O que está havendo é uma tentativa de parlamentares em se dissociarem de um governo que terá perdido popularidade.
O PMDB está claramente salivando diante da possibilidade de assumir a Presidência da República com Michel Temer, caso a marcha golpista da oposição seja levada às últimas consequências.
Evidentemente, na hipótese (ainda remota) de Temer assumir a Presidência, o PMDB teria o PT e o PC do B na oposição – com cerca de 80 deputados – e o PSDB passaria a integrar a nova base aliada conjuntamente com todos os partidos  hoje oposicionistas, à exceção, sem dúvida, do PSOL.
Com o Poder Executivo na mão de um partido conservador até o âmago e um Congresso conservador como não se via desde a ditadura militar, haveria um desmonte de políticas inclusivas, retrocesso de direitos dos trabalhadores, esmagamento do movimento sindical e dos movimentos sociais.
A direita midiática está exultante com a possibilidade de materializar esse quadro. Só o que essa gente não está medindo é que a maioria esmagadora da parcela (talvez majoritária) da população ora simpática ao golpismo espera que, indo contra Dilma, irá melhorar ainda mais de vida – até por achar que está ruim, apesar do desemprego ainda baixo, dos salários em ordem crescente etc.
O ajuste fiscal que Dilma propôs, no entanto, não é nada perto do que PMDB e PSDB fariam se estivessem governando juntos – o que, repito,  ocorrerá se vingar o golpe paraguaio que estão preparando. Lembremo-nos de que José Serra considerou 'insuficiente' o arrocho proposto pelo governo.
A estratégia de o PSDB assumir o poder e, com a mídia e parceiros da nova situação, atribuir à era petista todos os traumas de indigesta apertura, teria um prazo de validade. Os brasileiros vêm experimentando aumento de poder aquisitivo e nível de emprego há 12 anos. Com toda essa crise que alardeiam, o comércio pode até não estar vendendo mais, entretanto, se perdeu ímpeto, foi muito pouco. Pelo menos até aqui.
Quanto tempo iria demorar para a população, agora perdendo qualidade de vida, poder aquisitivo, empregos etc, começar a cobrar de quem governa de fato?
Passado o choque inicial, a esquerda tenderia a se aglutinar. Até 2018, o país estaria tomado por greves, protestos incessantes e o governo que substituísse o de Dilma chegaria exangue à próxima eleição presidencial, se é que chegaria até lá, porque um efeito 'Tango' parecido com o que se abateu sobre a Argentina em 2002 – quando, em questão de semanas, cinco presidentes se revezaram no poder –, não é de se desprezar.
Não haverá mágica na economia. O ajuste virá, mais brando ou mais duro. O povo terá que escolher entre o ajuste paulatino de Dilma e a volta da repartição desigual dos sacrifícios que seria imposta por fortuito governo peemedebista-tucano: repartição desigual de sacrifícios em prejuízo da maioria, vale dizer.
Michel Temer ainda se mantém sóbrio. Vez por outra desmente, sem entusiasmo, alguma declaração contra Dilma e PT que lhe atribuem, mas quem conhece sua trajetória – sobretudo o histórico de antigas parcerias com o  PSDB, durante o governo FHC –, sabe que é outro em quem não se pode confiar.
Dilma, Lula e o PT sabem de tudo isso, mas tentam convencer a cúpula do PMDB a não embarcar nessa,usando todo um arsenal de argumentos  e mais um: o PSDB integraria a aliança de um eventual governo Michel Temer com muita força, devido ao apoio da mídia. Ainda que PSDB e PMDB sejam da mesma laia, os tucanos são mais iguais do que os peemedebistas para uma mídia que hoje adquiriu um poder como não se via desde os primórdios da redemocratização.
Talvez, portanto, seja a hora de Dilma, Lula e o PT colocarem as cartas na mesa e pagarem para ver. O PMDB prefere ser forte num governo petista ou fraco em um governo próprio, mas espremido pela mídia e seus tucanos? E a revolta popular que irá decorrer, cedo ou tarde, de um governo basicamente antipopular como o que pode se abater sobre o país?
Para a esquerda, a situação chegou ao limite. Do PSOL ao PT, da CUT ao MST, todos vão ter que escolher um lado. Se a esquerda ficar nessa de que Dilma e o PT são iguais a Aécio, Serra, Temer, PSDB e PMDB, irá descobrir, em não muito tempo, que era feliz e não sabia.
Ou a esquerda se une já ou poderá ser  tarde demais. Verá um retrocesso político e social como nunca sonhou que veria. É hora, pois, de Lula e o PT convocarem movimentos sociais e partidos hoje reticentes  no apoio a Dilma ou lhe fazem oposição.
Os partidos de esquerda nada herdarão do provável fracasso de um governo Michel Temer. Enquanto o sistema eleitoral brasileiro for movido a essa quantidade absurda de dinheiro, a direita sempre levará vantagem. Mesmo em ocasional vitória de uma esquerda moderada.
Reconhecer que o PMDB está flertando com o golpe talvez não ajude a impedi-lo, mas não enxergar a situação – ou fingir que ela não existe – é muito pior.

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