Experiência ensina que, antes de discutir nomes, presidente deve definir critérios para a 11a. vaga do STF...
Paulo Moreira Leite, em seu blog
A aposentadoria antecipada de Joaquim
Barbosa abriu para a presidenta Dilma Rousseff a oportunidade de fazer a quinta
indicação para o plenário do Supremo Tribunal Federal. Como já é tradição,
uma coleção de nomes de possíveis candidatos começa a circular pelos jornais e
pela TV. É uma cena familiar, já que em dois mandatos, Lula fez oito
indicações, dos quais três permanecem em seus postos.
Sem
julgar nenhuma das hipóteses, um balanço deste processo ensina que, antes
de qualquer coisa, a prioridade deve ser debater critérios.
A experiência mostra que um bom
candidato para o STF é aquele que reune cultura jurídica e compromisso político
para exercer atribuições no plenário de um dos poderes soberanos da República.
Ninguém vai ao Supremo a passeio nem para fazer média. Deve ter uma concepção
de Direito, e também uma visão do papel da Justiça e de seu lugar num regime
democrático, baseado no respeito a soberania popular.
No Supremo, cada ministro é uma
soberania solitária, que deve conhecer seu lugar e seu papel. Não pode conhecer
menos Direito do que seus assistentes. Não pode imaginar que só ali começará a
escrever sua biografia, como lembra o ex-ministro Nelson Jobim.
Juizes fracos, do ponto de vista
jurídico-político, são candidatos a maria-vai-com-as-outras. São arrastados,
podem ser pressionados.
Fazem campanha pelo posto com aqueles
métodos típicos de quem precisa agradar amigos do Palácio mas mudam de
personalidade a cada mudança na brisa que sopra pela Praça dos Três Poderes.
Calculam seus votos pela necessidade de
adquirir respeito dos colegas e evitar pancadas da mídia. Evitam assumir
responsabilidades e criar conflitos — mesmo necessários — para evitar que sejam
questionados, também.
A Justiça não é — obviamente — um
decalque sem filtro das concepções políticas de quem ocupa a Presidência da
República nem pode ser vista como uma troca de favores.
Mas é preciso considerar que ou o Poder
Judiciário é parte do regime democrático, responsabilizando-se pela
interpretação das leis elaboradas pelo Congresso e previstas na Constituição;
ou irá se expressar como um poder paralelo, utilizando de suas prerrogativas
para avançar — pela judicialização — interesses que não tem expressão nas
urnas.
Até pela distância, o caso da Suprema
Corte dos Estados Unidos talvez ajude a pensar de forma mais clara, com menos
constrangimento.
Boa parte da influência atual das ideias
republicanas na vida cotidiana do cidadão norte-americano tem a mais a ver com
os rituais políticos que regem a Suprema Corte do que com o desempenho de cada
partido junto ao eleitorado.
Nos últimos 20 anos, ocorreram cinco
eleições presidenciais nos EUA. Os democratas venceram três vezes. Os
republicanos, duas. No plenário do Supremo, contudo, os republicanos tem uma
maioria fechada, de 5 a 4, que vota com fidelidade política em mais de 90% dos
casos.
Há outra distorção, também. O comando do
Supremo não é feito pelo sistema de rodízio, de dois em dois anos, como no
Brasil. A Suprema Corte é dirigida pelo Chefe de Justiça, um posto vitalício de
muita musculatura política. É o Chefe da Justiça — com maiúsculas.
Em função de várias janelas
demográficas, desde 1953, quando teve início o governo de Dwight Einsenhower,
os democratas não conseguem indicar um único Chefe de Justiça. O mais recente,
John Roberts, 59 anos, foi indicado por George W. Bush.
Participei da cobertura da eleição de
George W Bush, em 2000, e da eleição do democrata Barack Obama, em 2008. Nas
duas campanhas, o debate sobre o rumo da Justiça fazia parte dos argumentos dos
eleitores a favor de um candidato ou de outro. Até nas conversas de rua o
eleitor era levado a lembrar que sua escolha teria grande papel na pauta do
Judiciário, podendo influenciar decisões para um lado ou para outro, não apenas
em matérias políticas, mas em assuntos que envolvem o cidadão comum.
As ligações entre Justiça e Política são
transparentes e não envergonham ninguém. Dispensa-se a hipocrisia, que no
Brasil leva o PSDB a falar em aparelhismo adversário enquanto esconde a atuação
de Gilmar Mendes, indicado por Fernando Henrique Cardoso, notável pelo odioso antipetismo em todas as frentes.
Cabe ao presidente dos Estados Unidos —
isso também acontece no Brasil — a tarefa de nomear juízes federais e das
demais cortes superiores. São dezenas e até centenas de indicações, que irão
produzir milhões de sentenças pelo país inteiro nos anos seguintes.
A decisão que legalizou o aborto, nos
Estados Unidos, não passou por um plebiscito popular, nem por uma votação no
Congresso. Foi resolvida na Suprema Corte. Da mesma forma, são decisões no
plano estadual que, nos últimos anos, têm permitido que, mesmo legalizado, o
direito ao aborto seja questionado em vários pontos do país, embora as
pesquisas de opinião demonstrem um índice cada vez maior de apoio a decisão de
1973.
A posse de George W Bush, em 2001, foi
resolvida pela Suprema Corte. Também é a maioria de juizes republicanos que
explica a permanência das regras de financiamento de campanha que favorecem a
presença do poder econômico privado na política dos Estados Unidos.
Afastado da Casa Branca pela ameaça de
impeachment em função das denúncias do caso Watergate, Richard Nixon enfrentou,
no corredor da morte de seu segundo mandato, a figura do Chefe de Justiça
Warren Burger, que ele próprio havia nomeado para o cargo em 1969. Burger foi
empossado com a perspectiva de passar uma borracha nos avanços democráticos dos
anos anteriores, mas logo se viu que não tinha calibre para enfrentar os
debates internos. Até a legalização do aborto, que Nixon via com reservas, foi
aprovada naquele período.
A Suprema Corte teve um papel decisivo
na saída de Nixon na etapa final, quando tornou-se possível mostrar que ele
tinha total conhecimento do caso, a partir de conversas gravadas pelo serviço
de segurança da Casa Branca. Para proteger-se, Nixon recusou-se a entregar as
fitas. O caso foi parar no Supremo, onde era razoável imaginar que o presidente
teria apoio de Warren Burger, que costumava menosprezar as denúncias contra o
presidente. Ao constatar, no entanto, que estava em minoria de 1 voto contra 8,
Burger mudou de posição. Nixon acabou vencido por unanimidade e renunciou a
Casa Branca para não entregar as fitas que o condenavam.
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