sexta-feira, 4 de julho de 2014

A  ausência  completa  de negros na torcida do Brasil   

                                                              

copa
Publicado originalmente no (AQUI) Guardian.
 POR FELIPE ARAÚJO
Lembra-se dos livros da série “Onde Está Wally”? Elas consistem em uma série de ilustrações detalhadas de página dupla retratando centenas de pessoas fazendo uma variedade de coisas divertidas. Os leitores eram então desafiados a encontrar um personagem chamado Wally escondido na multidão.
Cobrindo a Copa do Mundo no Brasil como jornalista, eu me encontro num jogo semelhante sempre que eu entro em um estádio lotado, só que, desta vez, a questão é um pouco mais séria. Onde estão todos os negros? Estive em cinco cidades-sedes até agora e cada vez mais difícil de encontrar – Eu mesmo perdi gols olhando para a multidão.
Salvador é a cidade mais afrocêntrica no Brasil. No jogo Alemanha e Portugal, no entanto, se eu não soubesse disso eu acharia que estava no Kansas.
Em São Paulo, Fortaleza, Rio de Janeiro, Recife, a mesma coisa. Para onde foram todos os negros? Isso em um país com a maior população de ascendência africana fora da África.
O Brasil é vendido internacionalmente como uma nação arco-íris, tão perto de uma democracia racial como qualquer país poderia ser. Até certo ponto isso é verdade; com toda a sua dimensão e diversidade não há conflitos étnicos ou religiosos e todos falam a mesma língua. Socialmente, no entanto, é uma história diferente.
O governo esperava usar a Copa do Mundo para mostrar a diversidade cultural do país e da democracia próspera em todo o seu esplendor, mas tudo o que fez foi destacar os preconceitos e as desigualdades arraigadas neste país de 200 milhões.
Assim, em um pedaço de terra onde 60% ​​da população é negra ou parda, por que então, durante um dos eventos mais importante na sua história, a ausência tão visível daqueles 60%?
A resposta é tão óbvia quanto é trágica. A maioria das pessoas negras no Brasil é constituída de pobres. Ao contrário da África do Sul ou dos Estados Unidos, não há nenhuma 'classe média negra', e talvez mais importante, não há uma 'classe política negra'. Um bilhete de Copa do Mundo é vendido oficialmente entre US $ 90 e US $ 1.000, mas em um país onde o salário mínimo é um pouco acima de US $ 350 por mês, um assento no Maracanã está fora do alcance de muitas pessoas.
Em Fortaleza, na partida da Alemanha contra Gana, havia, obviamente, mais negros do que o habitual nas arquibancadas – mas além dos ganeses, os únicos negros em qualquer lugar perto do estádio foram os moradores pobres da favela vizinha, vendendo bebidas e lanches para torcedores de média branca que não queriam se incomodar com as longas filas dentro da arena. Ou, para aqueles que não tinham vontade de andar os três quilômetros a partir dos bloqueios de estrada para o estádio, havia uma multidão de pobres, negros e crianças da favela prontos.
Os brasileiros sempre tiveram uma atitude peculiar com o racismo. A estrela do futebol do país, Neymar, há quatro anos, respondeu quando lhe perguntaram se ele já tinha sido vítima de racismo. “Nunca. Nem dentro nem fora do campo. Porque eu não sou preto, né?”
Os jogadores da seleção são claramente negros ou pardos em sua maioria (incluindo Neymar): muitos, porém, pintam o cabelo de louro (incluindo Neymar). Outros heróis esportivos brasileiros têm igualmente rejeitado a questão da raça no passado. Ronaldo também negou sua herança negra, e o maior ícone do futebol do país, Pelé, está muito ocupado fazendo comerciais para dizer algo de significativo sobre o assunto.
Em 1888, a escravidão foi oficialmente abolida no Brasil – o último país do hemisfério ocidental a fazê-lo. Em 2012 foi promulgada uma das leis de ação afirmativa mais deslumbrantes do mundo, exigindo que universidades públicas reservassem metade de suas vagas para os alunos pobres de escolas públicas do país e aumentando consideravelmente o número de estudantes universitários de ascendência africana. As autoridades brasileiras disseram na época que a lei significou uma mudança importante na visão do Brasil de oferecer oportunidades para grandes áreas da população.
No entanto, de todas as coisas que esta Copa do Mundo tem proporcionado, oportunidades para a população negra estão entre elas. Nesta questão em particular o Brasil marcou um gol contra.

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