quinta-feira, 2 de julho de 2015

              imagem de Severino Januário  Luis Nassif Online 
Maioridade penal: quem pode reverter a manobra de Eduardo Cunha

Se o próprio Parlamento não reagir no voto, o STF precisará ser provocado a colocar freios aos polêmicos dribles regimentais do presidente da Câmara...

Cíntia Alves  

Jornal GGN - Eduardo Cunha, presidente da Câmara, novamente fez uso de um expediente polêmico para ressuscitar, em menos de 24 horas, um projeto previamente rejeitado pela Casa. Nesta quarta-feira (1), o peemedebista encampou uma manobra muito semelhante àquela usada para fazer avançar o financiamento privado de campanha quando da votação da reforma política, só que o tema da vez é a redução da maioridade penal. 
Na terça, a proposta de alterar a Constituição para reduzir a maioridade penal de 18 para 16 anos em uma série de crimes caiu por terra por causa de cinco votos, apenas. Inconformodo com a derrota, Cunha reuniu os líderes de oposição, alterou algumas coisas no texto rejeitado e formulou uma emenda aglutinativa que, na visão dos críticos, repete o mesmo erro cometido na manobra do financiamento privado: fere o artigo 60 da Constituição.
Segundo o dispositivo, matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa. Principalmente por este motivo, deputados da base governista e aliados de esquerda prometem questionar mais essa manobra de Eduardo Cunha no Supremo Tribunal Federal.
Quem pode contestar a manobra?
Segundo o secretário-geral da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Cláudio Pereira de Souza Neto, enquanto a proposta estiver em tramitação na Câmara ou no Senado, mandato de segurança impetrado exclusivamente por deputados ou senadores é o único instrumento que pode ser usado na tentativa de frear a redução da maioridade penal.
Somente quando e se a Câmara aprovar a proposta em segundo turno e o Senado o fizer em outras duas votações, é que as entidades que representam os interesses da sociedade civil poderão recorrer ao Judiciário para reverter o placar desfavorável aos defensores dos direitos da criança e do adolescente.
"Se por acaso houver aprovação em segundo turno pela Câmara e em dois turno no Senado, é bem provável que a OAB leve o assunto para o Judiciário. Antes, esse assunto vai passar no plenário do Conselho Federal da OAB, que é o órgão que decide se a OAB vai ajuizar a ADIN ou não", disse Pereira, em entrevista ao GGN.
O advogado explicou que, uma vez aprovada em definitivo pelo Congresso, a redução da maioridade penal pode ser questionada por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, pois diferente do mandado de segurança - que tenta suspender matéria em tramitação no Legislativo -, a ADIN teria como efeito a determinação de que a alteração na Constituição é inválida.
O GGN apurou junto ao Ministério Público Federal que o procurador-geral da República não precisa necessariamente ser provocado para se manifestar sobre a inconstitucionalidade de uma discussão no Congresso. Porém, a praxe é a de respeitar a "independência" e a conclusão dos trabalhos no Legislativo.
Na visão de Pereira, deveria ser papel dos parlamentares, dentro da própria Câmara, o de impedir os dribles regimentais de Eduardo Cunha. Mas, pela segunda vez, o peemedebista provou sua influência sobre os deputados, e sua determinação em reduzir a maioridade penal não dará margem à alterações do eixo do projeto pelo Senado.
Por isso, o secretário-geral da OAB projeta no Judiciário a solução para o auto-empoderamento de Cunha. "Se a emenda [aglutinativa da redução da maioridade] tragicamente vier a ser aprovada no Congresso, o STF poderá examinar sua constitucionalidade. Isso certamente ocorrerá porque grande parte da sociedade civil está estarrecida com a aprovação dessas emendas, desrespeitando o processo de alteração da Constituição, que não pode ser vulgarizado", avaliou.
"Além disso, a manobra foi a mesma usada na reforma política, que já é caso para o Supremo. É muito importante que se perceba que a Constituição estebelece limites ao poder de reforma constitucional. Isso significa que a alteração só pode ocorrer de acordo com regras previstas na própria Constituição", observou.
Rosa Weber e a primeira manobra
Mas um precedente aberto pela ministra Rosa Weber gera dúvidas acerca do destino de uma ação contra a redução da maioridade penal. Quando deputados entraram com o mandado de segurança questionando a manobra de Cunha na reforma política, a ministra foi sorteada relatora e acabou emitindo um parecer individual favorável ao presidente da Câmara. 
"A ministra entendeu que o caso não era de conceder a liminar. Mas quando o Supremo retornar do recesso de julho, o assunto será analisado pelo colegiado de ministros. Nossa esperança é que eles tenham outra opinião, que a própria ministra mude de opinião. Porque com a votação de ontem está claro que Cunha está inaugurando um novo procedimento na Câmara. Não é assim que se processam as emendas. Ele não tem respeitado a Constituição", apontou.
Em entrevista a uma rádio gaúcha nesta quarta-feira, o ministro Marco Aurélio Mello fez um contraponto à aprovação da maioridade penal, dando sinais de que não passará a mão na cabeça de Cunha se o caso, de fato, for parar no Supremo. "Fico assustado quando surge no cenário nacional, alguém assim, que quer consertar o Brasil, com s e com c, sem observar as regras estabelecidas", disparou.
"A nossa Constituição está no ápice da pirâmide das normas jurídicas. Não se avança diante de atropelos. A Câmara tem um regimento interno. Mas acima do regimento está a Constituição Federal", acrescentou.

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