O dia em que os santos
protetores de Minas
abandonaram Aécio
Aécio Neves não foi talhado para as grandes aventuras políticas. Essa vocação exige dedicação integral.
Nem sempre é necessário abdicar da vida pessoal. Em meio ao trabalho estafante de construir a nova etapa da indústria nacional e Brasilia, Juscelino Kubitscheck arrumava tempo para as serestas e para agradáveis encontros diários em final de expediente.
No gabinete parlamentarista, Tancredo Neves e San Tiago Dantas trabalhavam pesado até o final da tarde. Depois, trancavam-se na sala de um deles, abriam o uísque e relaxavam em boa companhia.
João Baptista Figueiredo dava escapulidas de madrugada. E Jânio Quadros fugia do turbilhão de Brasilia em um apartamento discreto do Rio, emprestado pelo amigo Julio Barbero. Na fase de maior pressão, que antecedeu a renúncia, ficou vários dias com uma das mais belas atrizes da história.
Mas, em todos esses casos, o exercício da política era a atividade central. O relaxamento era a hora do recreio.
Aécio inverteu. Herdou um nome e uma legenda e só recentemente pareceu abrir mão da vida pessoal. Antes, sua vida havia sido um eterno recreio com alguns intervalos para a política.
O pacto mineiro e o paulista
Saliente-se que sempre foi bom político, em grande parte auxiliado pela competentíssima estrutura partidária que o velho PSD mineiro lhe legou e pela orientação diuturna da verdadeira vocação política da sua família, a irmã Andrea. Enquanto político restrito a Minas, não precisou cair de cabeça na política.
Certa vez, em Belo Horizonte, fui convidado para um almoço com velhas raposas políticas mineiras - ligadas a Aécio, que as alocou nos conselhos de algumas estatais do Estado.
Aécio tinha montado o "pacto mineiro", um monumento à esperteza política, onde PSDB e o PT de Fernando Pimentel bancaram a candidatura vitoriosa de Márcio Lacerda (PSB) à prefeitura de Belo Horizonte.
Pouco depois, o então governador paulista José Serra deu uma facada nas costas do seu próprio partido e lançou Gilberto Kassab à prefeitura. Colunistas ligadas a Serra apressaram-se em louvar a sagacidade carcamana de Serra, que "agiu em silêncio" dando um drible em Aécio.
Com a sutileza tipicamente mineira, um dos sábios glosou:
- Como todo mundo diz que Serra é supercompetente, a tática dele deve ser muito boa, mas tão sofisticada que não conseguimos entender. Aqui em Minas pensamos que essa estratégia vai indispo-lo com o PSDB e criar um novo futuro adversário para ele. Mas como todo mundo diz que Serra é muito competente, nós é que não temos capacidade de entender o alcance da sua jogada.
Serra tornou-se o líder tucano mais odiado pela militância da capital, a ponto de Geraldo Alckmin precisar intervir nas prévias do partido para garantir sua candidatura à prefeitura em 2012; e Geraldo Kassab montou seu partido e ganhou vida própria.
De seu lado, mesmo sem frequentar Minas, Aécio tornou-se um caso de sucesso político.
A perda de rumo
A perda de rumo veio após a última campanha presidencial.
Aécio confiava tanto no seu taco que escolheu como candidato para o governo de Minas o mais anódino politico ao seu alcance: Pimenta da Veiga. Quando as primeiras pesquisas indicavam vitória massacrante do candidato do PT, Fernando Pimentel, o fenômeno da auto-ilusão fazia os estrategistas de Aécio tergiversarem. Pimentel estava na frente porque os eleitores ainda não tinham sido informados de que ele não era o candidato de Aécio. Ou então, estão confundindo Pimentel com Pimenta.
Quando acordou, era tarde: encerrado o o primeiro turno, perdeu a cidadela mineira, a rede de segurança contra qualquer tombo nas eleições presidenciais. No segundo turno, ou vencia as eleições nacionais ou seria varrido do mapa político.
Foi aí que o rapaz que apenas sonhava com os Beatles e os Rollings Stones nas areias do Leblon foi empurrado para o sentido histórico que estava ao seu alcance: tornar-se o presidente da República. Estourou mais uma vez o conflito interno poderoso, a guerra monumental periódica entre o espírito do destino manifesto versus o espírito folgazão. Até então, o espírito folgazão sempre vencia de goleada. Desta vez, pela primeira vez venceu o espírito do destino manifesto e Aécio imbuiu-se da responsabilidade de governar o país.
Durante um mês vestiu o terno do avô e lançou-se à guerra. E viu a taça Jules Rimet da política a meio metro das suas mãos. Até meia hora antes do anúncio da apuração, esteve na frente. De repente, tudo foi se desvanecendo, virando fumaça. Foi como se aos 90 minutos na final de uma Copa do Mundo o favorito levasse um gol contra.
A dupla derrota deslocou-o do seu eixo, invertendo os fluidos da política: o espírito de Minas baixou em Serra; e o estilo carcamano em Aécio.
E Aécio, que era bom em política; em conspiração mostrou-se um aprendiz. Só um amadorismo exemplar para explicar essa campanha carbonária para propor abertamente a guerra política.
Serra sabe que, em todo momento de catarse, a fúria deflagrada volta-se contra seus criadores. Desde a Revolução Francesa, é uma máxima histórica. Agora, enquanto Serra se recollhe e articula nos bastidores com seu amigo Gilmar Mendes, Aécio dá a cara para bater.
Vez por outra, Aécio tem pesadelos horríveis com a gaveta da escrivaninha de Roberto Gurgel sendo aberta e dela saltando o número cabalístico 2009.51.01.813801-0. São as benzedeiras de Minas alertando o filho dileto. Mas Aécio faz ouvidos moucos, enquanto os fantasmas protetores de Minas gradativamente vão se afastando da sua vida.
Ontem, ao declarar-se derrotado por uma “organização criminosa” Aécio abdicou definitivamente de Minas.
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