quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Quem tem medo da regulação da mídia?

Ribamar Fonseca  



Nenhum homem de bem com um mínimo de equilíbrio, sentimento e religiosidade aprova qualquer tipo de violência, seja física ou moral. Por isso vozes se levantaram em todo o mundo condenando a matança de jornalistas e cartunistas da revista francesa "Charlie Hebdo", o que não significa, no entanto, que aprovassem a linha editorial da publicação, empenhada em ridicularizar o profeta Maomé. O condenável episódio, que deveria provocar profunda reflexão sobre as relações entre povos de etnias e religiões diferentes, de modo a superar os pontos conflitantes e buscar-se uma convivência pacífica, infelizmente acabou sendo usado politicamente em favor de outros interesses que estão muito longe da tão desejada paz.
Enquanto o presidente François Hollande, a exemplo do presidente americano George W. Bush no caso do ataque às torres gêmeas, faturou politicamente sobre o cadáver dos cartunistas, melhorando os seus índices de popularidade, antes em baixa, a direita e os xenófobos franceses fortaleceram suas posições preconceituosas contra os estrangeiros, em especial os muçulmanos que, na Europa, passaram a ser vistos, indiscriminadamente, como terroristas. E a marcha pela paz, que reuniu mais de um milhão e meio de pessoas em Paris, se transformou numa grande manifestação hipócrita com a presença do primeiro ministro israelense Benjamin Netanyahu, acusado de matar milhares de civis, incluindo crianças, na Palestina.
Embora outras matanças até maiores venham ocorrendo com frequência em todo o planeta, sem provocar nenhuma "marcha" na Europa ou qualquer outro lugar, a mídia internacional, incluindo a brasileira, deu enorme repercussão ao ataque ao "Charlie", não exatamente por considerar o crime hediondo – já que outros crimes piores não tiveram o mesmo destaque – mas motivada pela defesa dos próprios interesses: rotulou o crime como um atentado à liberdade de expressão. Os islâmicos, depois de tentarem sem sucesso estancar a agressão gratuita à sua religião através da Justiça francesa, partiram para a violência. Nada, absolutamente nada, justifica qualquer tipo de violência, mas a morte dos jornalistas e cartunistas da revista poderia ter sido evitada se seus proprietários tivessem mais respeito pelo direito alheio. Como bem acentuou o Papa Francisco: "Liberdade de expressão não dá a ninguém o direito de ofender o próximo".
No Brasil, que tem na mídia o seu pior inimigo, no entendimento do jurista Bandeira de Mello – entendimento compartilhado hoje pela maioria do povo brasileiro – a chamada grande imprensa agarrou-se ao episódio da revista francesa para fortalecer a sua trincheira contra o projeto de regulação da mídia em gestação no segundo mandato da presidenta Dilma Rousseff. Desviando-se da missão de informar para transformar-se no mais feroz opositor do governo e seus aliados, o que lhe valeu a pecha de Partido da Imprensa Golpista, a grande mídia abusa do direito à liberdade de expressão, manipulando informações e até mentindo, para atingir seus objetivos políticos e econômicos. E sem medir as consequências danosas do seu noticiário para o país, atropela quantos estejam, de alguma forma, ligados ao Planalto.
A sua sistemática campanha contra o governo, ao mesmo tempo em que poupa os seus adversários, conseguiu fazer a cabeça de muita gente ingênua que, perdendo a capacidade de raciocínio, se deixa conduzir pelos textos dirigidos. Criou-se, então, um clima de ódio aos petistas que foi estimulado durante o julgamento do chamado mensalão e explodiu com toda a sua violência na última campanha eleitoral. A coisa chegou a tal ponto que a vitória de Dilma, graças aos votos do Norte e Nordeste, motivou um perigoso movimento divisionista do país, acentuando-se o preconceito contra nortistas e nordestinos, com pessoas de nível de instrução superior pregando, surpreendentemente, através das redes sociais, o extermínio do povo das duas regiões. Transformaram adversários políticos em inimigos, lançando brasileiros contra brasileiros, num processo de consequências imprevisíveis.
Basta uma rápida espiada nos comentários postados por internautas para se perceber o tamanho do ódio disseminado entre pessoas que, aparentemente, pelo seu acesso à informática, têm melhor posição no contexto social. Eles não discordam contra-argumentando, como seria natural, das opiniões expostas nos artigos publicados, mas insultando o articulista. E muitos se escondem no anonimato para escrever barbaridades. Esse sentimento antipetista, criado e estimulado pela grande mídia, que escolheu o ex-ministro José Dirceu como bode expiatório – ele foi o principal alvo do julgamento do mensalão – foi assimilado até por membros de setores, como o Judiciário, influenciando decisões que comprometeram a imparcialidade da Justiça. O mais escandaloso exemplo disso foi a diferença de tratamento dado ao mensalão petista e ao mensalão tucano.
É claro que toda árvore tem frutos bons e frutos podres. O PT, assim como o PSDB e todos os demais partidos, tem bons e maus elementos, mas não se pode generalizar e muito menos penalizar alguém simplesmente por ser filiado a esta ou àquela sigla. Do mesmo modo não se pode perder a confiança na Justiça, como instituição, porque alguns magistrados não se comportam como tal. Nesse aspecto, aliás, a mídia também tem contribuído para o surgimento de magistrados que se comportam como políticos, incensando-os e transformando-os em celebridades porque suas decisões estão em consonância com seus objetivos políticos e econômicos. Até quando os grandes grupos de comunicação vão continuar colocando os seus interesses acima dos interesses maiores da nação? Até quando os controladores dos grandes veículos de comunicação vão continuar pregando o caos, o pessimismo, a catástrofe e lançando brasileiros contra brasileiros? O Brasil não pode ficar à mercê dos seus humores e interesses, o que torna imperiosa a sua regulação. Afinal, eles estão com medo do quê?

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