segunda-feira, 1 de setembro de 2014

O que está em jogo na

sucessão  presidencial

Examinemos o contexto em que se disputarão as eleições que irão apontar o presidente dos próximos quatro anos. A situação interna é conhecida: estagnação da economia, talvez contração; forte queda da indústria; aumento gradativo do desemprego; crescente déficit comercial; estagnação do investimento; continuidade da entrada de capitais financeiros especulativos puxados pelas altas taxas de juros e câmbio valorizado; inflação sob controle e declinante.
A situação externa também é amplamente conhecida, porém pobremente interpretada pela imprensa brasileira: estagnação ou contração na Europa, oscilação no fundo do poço nos Estados Unidos, recessão no Japão. Deflação. Corte de gastos públicos, salários e aposentadorias na Europa. Em consequência, pela primeira vez na história e por razões principalmente políticas, não podemos contar com nenhuma contribuição dos países industrialmente avançados para dinamizar nossa economia nessa crise pois o que pretendem é justamente aumentar exportações para nós.
Tendo em vista a indigência de nossa grande imprensa em interpretar a crise nesses países ricos, explique-se que depois do susto cavalar de 2008, que justificou políticas fiscais expansivas em todo o mundo, levando a um início de retomada em 2009, os países ricos refluíram em 2010 para o neoliberalismo adotando políticas de contração fiscal incapazes de serem contrabalançadas por políticas monetárias expansivas, tragadas estas pela chamada armadilha de liquidez – ou seja, pela situação em que as corporações têm dinheiro de sobra no caixa mas não investem por falta de demanda. Com isso a crise ressurgiu, possivelmente por longo prazo.
O que fazer nesse contexto? Esperar que, por algum milagre, as economias maduras se recuperem e nos abram os seus mercados e os seus investimentos produtivos para que possamos levantar nossa economia? Trata-se de uma ilusão ideológica. A Europa e os Estados Unidos não se encontram mais numa crise econômica que gera consequências políticas, mas numa crise política que gera consequências econômicas. O fundamentalismo político neoliberal, ao qual aderiram sociais democratas e socialistas europeus, repele qualquer iniciativa de crescimento pelo lado da expansão fiscal. Portanto, não há crescimento à vista sem o milagre de uma virada política que transcenda as próprias maiorias partidárias.
Além disso, nas economias maduras, com sua alta concentração de renda, só os grandes surtos de inovação, como o carro no início do século passado e a internet nas duas últimas décadas, possibilitam suspiros de forte crescimento. A alternativa é algum fenômeno político que expanda generalizadamente o mercado interno, como ocorreu com a social-democracia europeia. Para a atual Europa e para o Japão, os dois caminhos estão fechados, seja pelo esgotamento do ciclo de inovações de massa da internet, seja pelas razões ideológicas no campo fiscal acima assinaladas.
Os Estados Unidos deixaram uma porta entreaberta para o crescimento pois a despeito do Partido Republicano, que estupidamente quer pagar a dívida pública, Obama tem mantido déficits públicos que, embora decrescentes, ainda estão na faixa de 1 trilhão de dólares. Assim mesmo a economia está na gangorra, ora em contração, ora em expansão. E desde 2010 Obama colocou como objetivo estratégico do país, para estimular a retomada, dobrar as exportações a cada cinco anos. O Japão, o único dos países industrializados avançados que mantém uma política de estilo keynesiano, não deslancha porque, mesmo tendo desvalorizado em 20% o câmbio, não há mercado para suas exportações nas outras economias ricas, todas estagnadas, e os emergentes não podem dar conta de tanto apetite exportador.
Nesse contexto, quais são as propostas das equipes econômicas de Marina e de Aécio? Elas podem ser sintetizadas nas palavras de Armínio Fraga: câmbio totalmente flutuante com tendência à valorização (ele promete que seu BC independente não vai fazer intervenções no mercado cambial), taxa de juros elevada, contração fiscal, obsessão com a redução da inflação, preocupação secundária com o desemprego, este sinalizando uma menor pressão sobre os salários em favor da competitividade externa da economia. Esse receituário, que  importa o essencial da política insana em curso na Europa, mata o que ainda existe de demanda interna, destrói o resto da indústria e nos empurra inexoravelmente para uma depressão sem paralelo.
Não é uma receita radicalmente diferente do que está aí em dose mais leve. Mas é um assombroso sinal para a frente, porque indica não um conserto mas uma virada radical para o lado errado, no interesse exclusivo do estamento financeiro. E as diretivas para a economia interna  não são a pior promessa da dupla que Jânio de Freitas identificou como um só Aécio ou uma só Marina. Armínio Fraga e Gianetti estão convencidos de que devemos fazer um acordo de livre comércio com a Europa, já em discussão, e outro com os Estados Unidos, nesse caso ressuscitando a famigerada Alca. Isso, se realizado, afasta em definitivo qualquer esperança de retomada do que existe de indústria brasileira, nos remetendo sem piedade à condição de primário-exportadores.
 Essa perspectiva é sombria. E o que mais se deplora não é tanto o que vamos sofrer de imediato, mas o que deixaremos de ganhar a médio e longo prazos. O terreno está maduro para uma grande aliança econômica com os BRICS e a Unasul em torno de um projeto de industrialização básica financiado pela China, no Brasil e nos demais países sul-americanos, mobilizando os imensos recursos naturais da região que, hoje, estão inexplorados ou são vendidos como commodities sem qualquer valor agregado.
Por que sustento que uma estratégia desse tipo, que nos tornaria parceiros da China em investimento produtivo e não num comércio que apenas estrangula nossas empresas, é plenamente viável? Simplesmente porque interessa à China. Condenada a crescer a mais de 7% ao ano para sustentar a legitimidade de domínio do Partido Comunista, a China se defronta com gravíssimos problemas de poluição, dramática escassez de água e ameaça de falta de energia elétrica. Nesse quadro, o melhor negócio para ela, para sustentar sua capacidade de crescimento, é fazer o out sourcing da produção de metais contra acordos de compra de longo prazo da maior parte dessa produção, garantindo suas necessidades básicas crescentes desses metais. Quanto a nós, teríamos um mercado cativo que poderia estender-se à Índia, que luta com os mesmos problemas de poluição e falta de água.
Assim, num mesmo movimento, a China financiaria a produção e garantiria a demanda que, por sua vez, seria a garantia financeira do investimento. A construção das indústrias no Brasil e na América do Sul daria tremenda abertura de mercado para a indústria de bens de capital brasileira em sociedade com a chinesa. Um surto vigoroso de investimento em produção de aço, de níquel, de alumínio, de cobre, de zinco, de nióbio e de outros metais, em toda a América do Sul, nos colocaria no eixo de desenvolvimento asiático, com tremendos ganhos para o nosso mercado de trabalho e para a distribuição de renda, rompendo com a concentração de renda dos monopólios minerais e possibilitando um crescimento anual da ordem de 5 a 6%, e talvez mais.
Em termos financeiros, isso não é muito diferente do que fizemos com Carajás, que foi empreendido com garantia de compra a longo prazo de minérios pelos japoneses. A diferença é que agora estamos falando de industrialização e exportação de metais com alto valor agregado, e que servirão tanto à exportação quanto ao mercado interno, disponibilizado que seria também para empresas brasileiras e sul-americanas de segunda e terceira geração no ciclo de industrialização. Nesse contexto, o Banco dos BRICS e o Banco do Sul teriam um papel central pela capacidade de canalização de empréstimos e investimentos.
Este é o meu sonho, que acredito que Dilma, com todos os seus defeitos, poderá colocar em andamento se for reeleita, já que ela ajudou a construir uma ótima articulação com os BRICS e a Unasul. E agora me digam, Marina e Aécio, qual é seu sonho para o Brasil? Fazer o dever de casa da contração econômica para cumprir a pauta da política alemã para a Europa, nos colocando de novo de joelhos perante o FMI? Leiam atentamente os pronunciamentos de Gianetti e Armínio. A bem da verdade, eles não estão escondendo nada. Ao contrário, fazem o que fez o presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, quando tomou posse no cargo: para recuperar a competitividade europeia, disse ele, era necessário destruir o estado de bem estar social! Em Portugal, já cortaram as aposentadorias acima de mil euros.
(*) J. Carlos de Assis - Economista, doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, professor titular de Economia Internacional da UEPB, autor de mais de 20 livros sobre economia política brasileira.

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