A Fiesp é o motorista da crise, e não
o carona
A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo pouco tem feito para fortalecer o setor e aplacar os efeitos do desaquecimento da economia...
Sérgio Nobre (*)
A CUT reconhece as dificuldades que a
economia brasileira e a indústria, em particular, enfrentam. Ao contrário das
avaliações sindicais patronais, no entanto, é importante que as análises
destaquem o forte impacto da crise econômica mundial, aliado ao aumento da taxa
de juros a partir de meados de 2013 – que sempre criticamos. Nesse sentido, é
necessário pontuar as questões levantadas pela Fiesp, que divulgou nesta semana
prognósticos de desemprego até o final de 2014, fazendo uma relação com um
carro: a Fiesp parece se comportar como “carona”, quando na verdade é
“motorista”.
Segundo a Fiesp, a indústria paulista deve fechar mais de 100 mil postos
de trabalho até dezembro. A entidade avalia que houve uma conjugação de fatores
responsáveis por este resultado, como a queda dos investimentos, uma contração
do setor automotivo (tanto interna quanto externa), a desvalorização do dólar e
a instabilidade que seria proporcionada pelo calendário eleitoral. Nada de falar
sobre a crise financeira internacional nem sobre a alta dos juros.
Em primeiro lugar, é importante avaliar o tamanho das demissões: é
verdade que alguns setores e estados têm sentido mais essa conjuntura; é
verdade também que este ano a trajetória do emprego na indústria tem sido pior
do que nos últimos anos, no entanto, olhando os números oficiais do mercado de
trabalho formal disponível no Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), o saldo
negativo é menor do que o divulgado pela Fiesp. Vamos aos números:
- Na indústria de transformação o saldo
de empregos de janeiro a agosto de 2014 é de 8.593 contratações - abaixo do
resultado de 2013, mas ainda assim, positivo;
- No estado de SP, o saldo do ano é
negativo em 12.862 postos de trabalho - bem menor do que os 31,5 mil divulgados
pela Fiesp, no mesmo período, de janeiro a agosto;
- Chama atenção no estado de SP que,
apesar das 686 mil demissões ao longo de 2014, foram contratados 673 mil
trabalhadores, resultando no saldo acima mencionado. Essa prática nociva da
rotatividade impõe para o trabalhador um ajuste salarial, que anula os ganhos
obtidos durante as campanhas salariais e não combina com o país em todos
desejamos, nem tampouco com a modernidade alardeada pelos empresários.
Além disso, é sabido que os piores
meses do ano ficaram para trás – historicamente, a partir de setembro, a
tendência é que os números do emprego na indústria apresentem uma recuperação –
fator que certamente contribuirá para que o saldo final do ano seja diferente
dos 100 mil negativos previstos pela Federação.
Por outro lado, é preciso lembrar que, apesar dos investimentos terem
saído de um patamar de 16,1% do PIB na primeira metade da década passada para
18% nos últimos anos, o patamar ainda é inferior ao necessário no Brasil. Para
que seja inaugurado um novo ciclo de desenvolvimento econômico no país, é
necessário um incremento nos investimentos na chamada “formação bruta de
capital fixo” - basicamente a aquisição de máquinas e equipamentos, que indica
se a capacidade de produção do país está crescendo.
A maior parte desse investimento é essencialmente fruto de decisões das
empresas e são influenciados pela conjuntura e também pelas expectativas
futuras de retorno, onde os custos do capital para sua viabilização e o nível
de demanda desempenham papel central. A decisão de muitas indústrias de não
investir parece muito mais carregada de um pessimismo exacerbado do que
simplesmente da existência de um cenário inviável.
Isso, mesmo considerando que os investimentos demandam tempo; que, ao contrário
do cidadão comum, as indústrias emprestam recursos a taxas de juros muitas
vezes negativas em termos reais; e que, apesar dos indicadores de atividade
fracos, o consumo ainda permanece em crescimento - demonstrando a falta de
visão de oportunidades e dando espaço para ampliação de bens importados.
A recente contração do setor automobilístico, apesar de se tratar de um
segmento com peso considerável, não pode ser extensível como um “retrato” do
desempenho da indústria como um todo. Além disso, esta desaceleração do setor
tem de ser vista como pontual, já que decorreu tanto de problemas com a
Argentina quanto da falta de crédito para aquisição de veículos por parte do
sistema financeiro nacional privado, que se deu ao luxo de “desprezar” 70
bilhões disponibilizados pelo Banco Central para aumento de crédito. Isso é
sabotar o crescimento do país.
Também devemos nos atentar aos gargalos do setor, que são mais
relacionados à disponibilidade de crédito do que necessariamente a falta de
demanda. As próprias montadoras, mesmo com este cenário pontual, irão manter
todos seus investimentos previstos para os próximos anos, justamente por
acreditar na transitoriedade desta conjuntura.
Em relação à desvalorização cambial, é verdade que se trata de um efeito
dual: por um lado, pode haver encarecimento no curto prazo de alguns insumos
importados, por outro lado a desvalorização cambial e a própria existência de
um câmbio competitivo são um dos principais pilares do desenvolvimento
industrial. Além de confuso, o argumento dos empresários despreza um efeito
básico: que a desvalorização cambial encarece os produtos importados e barateia
as exportações e, assim, promove a substituição pela produção nacional de forma
imediata no mercado interno e favorece as vendas ao exterior, promovendo
estímulo à produção interna. E a desvalorização cambial e a adoção de um câmbio
competitivo sempre foi uma das principais bandeiras das entidades industriais,
em especial a própria Fiesp.
Sobre a possível instabilidade proporcionada pelo cenário eleitoral, é
outra alegação no mínimo questionável. De fato, as eleições proporcionam um
compasso de espera para decisões, sobretudo de investimentos. No entanto,
agravar esse momento com informações superestimadas de crise serve para algum
propósito. Qual é o que queremos saber. Muitos setores tem ampliado a crise
como forma de impor sua agenda junto aos candidatos. Definitivamente, essa não
é a forma mais construtiva para o país.
A Fiesp é uma entidade paulista e, ao contrário do que tem sido feito
pelo governo federal, o governo do estado de São Paulo pouco ou mesmo nada de
relevante tem feito para fortalecer a indústria no estado, devendo por isso ser
cobrado. A Fiesp tem sido passiva diante dessas dificuldades.
Os trabalhadores organizados no Macrossetor-Indústria da CUT têm
abraçado esse tema como prioritário, preparando uma agenda consistente não
apenas para a indústria de São Paulo, mas também para o Brasil, de forma
responsável e sem manipulação de dados.
(*) Sérgio Nobre é secretário-Geral da CUT(Central Única dos
Trabalhadores).
Nenhum comentário:
Postar um comentário