sábado, 16 de agosto de 2014


Todo poder à mídia?


Fernando Brito                   
vendemais
Já uma vez citei por aqui um velho comercial de biscoitos que perguntava: vende mais porque é mais fresquinho ou é mais fresquinho porque vende mais?
Essa é uma questão clássica em pesquisas eleitorais porque, com o enfraquecimento dos partidos e a interdição do debate político por uma mídia organizada da forma de um partido único (em que os jornais e tevês discordam entre si, na política ou na economia?), conservador e medíocre, não há dúvida de que as pesquisas acabam sendo o principal balizador de boa parte do eleitorado.
Isso é a chave para entendermos o que está acontecendo com a súbita conversão de Marina Silva em grande “favorita” do processo eleitoral em razão da morte trágica de Eduardo Campos.
A mídia sente-se com todo o poder sobre o processo de formação da consciência popular, um poder que, apesar do imenso canhoneio que realiza sobre corações e mentes dos brasileiros, não tem.
A população tem um sentido quase mudo de sobrevivência, que faz com que boa parte dela resista à essa exploração mórbida.
Citei aqui o recentíssimo exemplo de Pernambuco, onde uma pesquisa Datafolha não registra qualquer efeito da comoção causada pelo acidente sobre o comportamento do eleitorado do Estado, majoritariamente inclinado a despejar seus votos sobre o candidato mais identificado como opositor de Campos.
A última pesquisa de intenção de voto feita pelo Ibope, no final de setembro passado, marcava Dilma com 38% (o mesmo de agora), Marina com 16%, Aécio Neves com 11% e Eduardo Campos com 4%.
Um mês depois, o mesmo Ibope assinalava os seguintes placares: Dilma com 41%, Aécio com 14% e Campos – agora com Marina de vice – com 10%. Se Marina fosse a candidata, em lugar do pernambucano, os números eram Dilma 39%, a ex-senadora com 21% –  teve uma imensa exposição de mídia por sua aliança com o PSB – e apenas 13% para Aécio.
Os números de Dilma, até agora, continuam na mesma faixa, segundo todas as pesquisas.
Não há nenhuma outra razão para que os demais se modifiquem tão substancialmente ao ponto de que este padrão governo x oposição se modifique abruptamente.
Exceto, claro, uma comoção que nem o mais otimista dos marinistas pode pensar que vá ser a mesma quando se passarem dez ou vinte dias.
E que pode, cuidado lá, passar dos limites e criar uma percepção negativa quanto ao uso da tragédia como “programa eleitoral”.
Uma pequena nota, no Painel da Folha, para a qual um leitor me chama a atenção diz muito sobre a pesquisa Datafolha sob cuja sombra os integrantes do PSB irão decidir sua atitude.
“Um banco de investimentos encomendou pesquisa telefônica para medir a intenção de voto em Marina na quarta-feira, dia do acidente. A enquete foi cancelada porque muitos eleitores se recusaram a responder.”
As pessoas têm uma noção de decência que vai além da ideia de nossas elites de que pode “fazer sua cabeça” do jeito que quiser.
O que Marina pode e certamente vai causar é uma modificação na distribuição dos votos de oposição.
Apresentá-la como “fenômeno” post mortem de Campos não é factível sem demolir Aécio Neves.
Uma Marina Silva como candidata da direita é coisa completamente diferente daquela “outsider” que se apresentou em 2010, quando Serra estava firme à sua frente, o que não existe com Aécio.
Até porque as intenções de voto de Dilma são mais sólidas, porque refletiam uma decisão formada e tomada independente de apresentação de nomes.
Dois terços delas aparecem na pesquisa espontânea (25 sobre 38%), enquanto as de Aécio (11 sobre 23) e as que eram dirigidas a Campos (4 sobre 9) não chegavam seque à metade.
A direita brasileira segue – e mais profundamente – fazendo o jogo dos desesperados.
Abraço de afogado é algo que exige prudência e cuidado. É perigosíssimo.
Quem se deixar levar pelo canto da mídia está a um passo de aceitar como real o quadro que tentarão mostrar, dentro de dias, com pesquisas.
Que, mesmo empurrados para cima,  ficarão muito abaixo do que figuram no noticiário ao apresentá-la como quem cavalga a crista da desgraça.

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