Um aceno
do papa Francisco para Dilma Rousseff?
Darío Pignotti, original no 'Página/12'
Brasília – Coincidências (eleitorais?) entre Dilma e Bergoglio. “Meu governo tem uma concepção da família baseada na realidade, nós não fazemos uma definição do que deve ser a família, não queremos interferir em um assunto da sociedade; no Brasil, há vários tipos de família”, opinou a presidenta e candidata à reeleição, dois dias após o papa Francisco casar um casal composto por uma mãe solteira e um homem cujo primeiro casamento foi dissolvido pela Igreja.
A chefe de Estado brasileira, divorciada, citou palavras de Francisco ao desenvolver sua ideia sobre a família no século XXI, falando diante de jornalistas, pouco antes de participar de um programa de televisão diante de sua adversária Marina Silva, organizado pela CNBB (Conferência Nacional de Bispos do Brasil), do país católico mais povoado do mundo, com 202 milhões de habitantes.
D. Raymundo Damasceno, presidente da CNBB e anfitrião do debate realizado a cada quatro anos, entregou aos candidatos um projeto de reforma política que inclui o fim do financiamento privado de campanha, proposta defendida pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e que tem resistência de empresários e dos grandes meios de comunicação.
Desse modo, o cardeal Damasceno escolheu orientar o debate de uma perspectiva mais política do que moral ou religiosa (aspectos que também foram discutidos), diferentemente do que aconteceu em 2010, sob o reinado do papa Bento XVI, quando o programa debateu insistentemente o aborto e o casamento homoafetivo.
Na campanha anterior, o papa bávaro orientou os bispos contra Dilma por ela ter cometido o sacrilégio de apoiar a interrupção legal da gravidez, provocando uma interferência política que congelou as relações entre Brasília e o Vaticano até sua recomposição em março de 2013, quando Jorge Mario Bergoglio passou a ser o papa Francisco.
Em julho do ano passado, Bergoglio, com aval político de Dilma e do governo do PT, foi recebido no Rio de Janeiro por milhões de jovens, exortando para que eles tomassem as ruas e as favelas – porque tem consciência do terreno perdido diante das igrejas neopentecostais que conquistaram quase 25% dos brasileiros – e pouco se preocupou em falar de aborto.
O contraste entre o legado de Bergoglio e Ratzinger foi nítido: o argentino visitou uma favela e falou de justiça social, recebendo o apoio de Leonardo Boff e de Frei Betto, enquanto o alemão ordenou que milhares de jovens não tivessem relação sexual antes do casamento ao discursar no Pacaembu durante sua gélida visita a São Paulo em 2007.
Para reforçar a distância com Bento, Francisco disse, no voo do Rio para Roma em julho do ano passado, que não poderia julgar os homossexuais, afirmação que mereceu elogios do movimento LGBT brasileiro.
Segundo informações que circularam na imprensa, o Vaticano não vai repetir o erro do papa emérito Ratzinger nas eleições em que Dilma e Marina se enfrentarão e adotará uma posição discreta.
Porém, entende-se que é impossível que Francisco faça algum gesto de apoio à candidata ecologista e não se pode descartar alguns gestos que poderiam indicar sinais de simpatia em relação a Dilma, católica pouco praticante, que construiu uma relação fluida com o ex-arcebispo de Buenos Aires. A atitude do cardeal Damasceno no debate televisivo seguramente seguiu instruções do Vaticano.
As falas e gestos do chefe da CNBB não podem ser lidos como apoio direito a Dilma, mas sim como decisão política de arquivar a posição militar de Ratzinger contra ela em 2010, quando seus bispos convocaram a votar por José Serra (vale lembar de sua desenfreada campanha contra o aborto).
(...)
Tradução: Daniella Cambaúva
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